Os questionamentos a serem feitos são: Quem decide?, Quais são os incentivos à cooperação? e O que as pessoas derrotadas podem fazer politicamente?
Há um ano, escrevi sobre a “Guerra à Carne” que está ocorrendo em todo o Ocidente, onde agências governamentais, em conjunto com vários grupos de ativistas baseados em vegetais, têm feito um esforço conjunto para demonizar a carne. Alguns planos que eles apresentaram consistem em taxar a carne como forma de reduzir o consumo de carne.
Com o recém-revelado “Green New Deal”, os tambores de guerra contra a carne bovina ficaram ainda mais altos. Assim como seu antecessor do século XX, o Green New Deal é um pacote legislativo economicamente analfabeto. Robert Murphy escreveu dois artigos fantásticos desmascarando muitas das políticas errôneas incluídas no Green New Deal, como gastos e regulamentações excessivos.
Entretanto, este artigo se concentrará nos aspectos de engenharia social do Green New Deal. Especificamente, sua visão anti carne.
A culpa é da carne pelo aquecimento global
Na página de perguntas frequentes sobre o Green New Deal, havia uma seção destacando as diferenças entre alcançar energia “100% limpa e renovável” e energia “100% renovável”. Na visão dos defensores do Green New Deal, as emissões de “vacas peidorreiras” são o que está dificultando a conquista de uma fonte de energia puramente limpa e renovável.
Esta afirmação foi ridicularizada em toda a Internet. No entanto, a ideia de um programa do governo que obrigaria pecuaristas e agricultores a abaterem animais de fazenda em nome do cumprimento de uma agenda política não é tão descabida. Na verdade, nem é inédito.
No New Deal original introduzido na década de 1930, o governo federal tomou medidas extraordinárias para combater a Grande Depressão. Uma delas foi a Lei de Ajuste Agrícola de 1933, que levou o governo federal a realizar “reduções emergenciais de gado”. Os New Dealers argumentaram que havia um excesso de suínos que era responsável por manter os preços do gado baixos. Em seu zelo para “salvar” o país, o governo começou a comprar e abater gado em massa. Tom Woods detalha como o AAA [Agriculture Adjustment Act ou Lei do Ajuste Agrícola do New Deal] levou ao abate de “cerca de seis milhões de porcos”, tudo em nome da tentativa de manter os preços altos em um período de crise.
Voltando para o presente, agora precisamos falar sobre a redução das emissões de metano provenientes do gado. Como isso será feito? O Green New Deal trouxe poucos detalhes específicos, mas, dada a visão ideológica de seus defensores, é seguro dizer que consistirá em medidas impostas de cima para baixo pelo governo. Quem sabe, o abate obrigatório de animais pode até voltar à discussão.
Independentemente dos detalhes exatos do Green New Deal, ele é, de fato, um sucessor espiritual do New Deal original.
A ciência é a resposta para questões políticas?
Os debates sobre o aquecimento global são acalorados e muitas vezes geram respostas mais baseadas em política do que em ciência objetiva. Este texto não apresentará argumentos científicos contra o Green New Deal, mas existem estudos que indicam que a crença fanática de seus defensores contra o consumo de carne pode não se sustentar quando analisada com mais rigor.
O argumento de que o gado contribui significativamente para o aquecimento global não é um consenso absoluto. Na verdade, a Agência de Proteção Ambiental dos EUA (EPA, na sigla em inglês) estima que as emissões diretas de gases de efeito estufa provenientes do gado e de seus dejetos representam apenas 2% do total de emissões dos Estados Unidos.
A relação entre a pecuária e o aquecimento global também foi questionada por pesquisadores da universidade Virginia Tech e do USDA-ARS [Serviço de Pesquisa Agrícola, agência do Departamento de Agricultura americano]. Eles concluíram que eliminar a criação de animais da agricultura reduziria as emissões de gases de efeito estufa dos EUA em apenas 2,6% e, globalmente, em 3,6%.
Usar a carne bovina como bode expiatório para o aumento das emissões não é novidade.
Em 2006, a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) publicou um estudo chamado Livestock’s Long Shadow, argumentando que a produção de carne era responsável por 18% das emissões de gases de efeito estufa. No entanto, essa conclusão foi imediatamente contestada por Frank Mitloehner, da Universidade da Califórnia em Davis. Mitloehner rejeitou os resultados do estudo e afirmou que a análise utilizada pela FAO era uma comparação equivocada, uma espécie de “analogia entre maçãs e laranjas” que distorcia a questão. Como consequência, muitas pessoas passaram a acreditar erroneamente que a produção de carne gerava mais emissões de gases de efeito estufa do que o setor de transportes.
Em resumo, a ciência ainda não chegou a um consenso sobre o impacto da produção de carne nas emissões de gases de efeito estufa.
A ciência não deve ser a base da formulação de políticas. Para que não nos esqueçamos, o cientificismo, “a confiança excessiva ou a aplicação excessiva do método científico”, tomou conta do pensamento econômico do século XX. O progressismo e suas vertentes socialistas são fortemente baseados em abordagens supostamente “científicas” do planejamento econômico racional. Ludwig von Mises foi rápido em apontar, no livro Caos Planejado: Intervencionismo, socialismo, fascismo e nazismo, que a ciência tem seus limites:
“A ciência é competente para estabelecer o que existe. Ela nunca pode ditar o que deve ser.”
Por esse motivo, as justificativas cientificistas para a intervenção governamental também caem por terra.
A mesma lógica se aplica aos argumentos baseados na saúde com relação ao consumo de carne. O fato de a carne ser saudável ou não saudável não vem ao caso. A verdadeira questão em pauta é se o Estado deve ditar ou regulamentar o consumo de carne.
Precisamos fazer mais perguntas
Ao discutir políticas de longo escopo que podem afetar a vida de milhões de pessoas, devemos sempre fazer perguntas.
Está na hora de começarmos a invocar a “Regra de Deist”. Esse conceito é baseado em um tweet que o ex-presidente do Mises Institute, Jeff Deist, publicou em resposta a um artigo que condenava a ideologia. A mesma linha de questionamento pode ser aplicada a qualquer questão política:
- Quem decide?
- Quais são os incentivos para a cooperação?
- O que as pessoas derrotadas politicamente podem fazer?
Essas indagações geralmente se perdem na classe política, que está cega pelo desejo de sempre “fazer algo”. Esse impulso é perigoso porque não leva em conta a série de consequências não intencionais que inevitavelmente acompanham a intervenção governamental. De debates sobre a regulamentação do consumo de carne à construção de estado nações, devemos sempre fazer essas perguntas.
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Por José Niño
Publicado originalmente em: https://encurtador.com.br/Ro1Oa