Medida seria inconstitucional e com motivações demagógicas às custas de direitos. Manifestantes adotaram o slogan: “Não seremos estrangeiros na terra de nossos antepassados“
Na maior cidade italiana fora da Itália, São Paulo, descendentes preparam uma manifestação, na manhã do próximo sábado (26), contra o decreto em discussão no parlamento daquele país que pode retirar da maioria deles o direito à cidadania a partir da segunda geração. Denominados de ‘oriundi’ (plural de “oriundo”, termo que por aqui identifica nascidos fora da Itália, mas possuem ascendência), eles somam até 32 milhões de pessoas, 15% da população brasileira – 5,5 milhões só na cidade de São Paulo. Eles não estão sozinhos. Desde o início do mês há protestos, os primeiros organizados em Roma (imagem).
Para os organizadores do protesto, a medida é inconstitucional e tem motivações populistas e demagógicas, mirando ganhos políticos internos às custas dos direitos de milhões de descendentes de italianos em todo o mundo. Para destacar esse aspecto, os manifestantes adotaram o slogan “Não seremos estrangeiros na terra de nossos antepassados”.
“Ao limitar a cidadania até a segunda geração nascida fora da Itália, acima de tudo o decreto interfere com um direito historicamente reconhecido, e a longo prazo acarreta na perda gradual da italianidade, ou seja, o ser e sentir-se pertencente pelos costumes, língua e cultura”, afirma um dos organizadores da manifestação, o jurista, ex-magistrado, ex-secretário nacional antidrogas da Presidência e articulista Walter Fanganiello Maierovitch. Nascido em São Paulo, ele foi agraciado como Cavaleiro da República Italiana em 1994, pelos então presidente Oscar Luigi Scalfaro e pelo primeiro-ministro na época, Romano Prodi. Antes, em 1990, foi o primeiro não-italiano condecorado pelo governo da Itália pela sua atuação no combate à máfia.
O autor do decreto-lei 36, que defende a alteração da cidadania italiana é o vice-premiê e ministro de relações exteriores Antonio Tajani, integrante do governo liderado pela premiê de direita Giorgia Meloni. Ela lidera o partido Fratelli d’Italia e é ex-integrante da juventude fascista. Marcadamente discriminatório, o projeto coloca fim à transmissão da cidadania italiana, além de incluir um perigoso efeito retroativo abolindo direitos adquiridos pela lei vigente, o que contraria a lógica jurídica.
Se aprovado, o decreto determina o fim da transmissão ilimitada da cidadania italiana pelo chamado ‘jus sanguinis’ (do latim, direito de sangue), um dos princípios universais das leis de nacionalidade, já que considera identidades nacionais as origens étnica e cultural. Em seu lugar, a Itália adotaria uma abordagem mista, porém mais próxima do ‘jus soli’, que considera o local de nascimento.
Os organizadores do protesto decidiram por ir às ruas em um local simbólico, a Praça Cidade de Milão, no bairro do Ibirapuera. Participantes em todo o Brasil estão sendo convocados por grupos de discussão e redes sociais, com muitos prometendo participar com bandeiras das diferentes regiões da Itália de onde vieram seus antepassados.
Onde e quando
- Protesto contra o decreto-lei limitador da cidadania dos ítalo-descendentes
- Praça Cidade de Milão – Parque do Ibirapuera
- Sábado, 26/04, a partir das 10h
O senador italiano Andrea Crisanti criticou o decreto. “É uma medida injusta, que atingirá especialmente os que possuem dupla cidadania”, afirmou. Para o parlamentar, o impacto será duplo: muitos deixarão de solicitar a cidadania italiana e outros evitarão a inscrição no Cadastro dos Italianos Residentes no Exterior (AIRE, sigla em italiano do Anagrafe degli Italiani Residenti all’Estero). Ele também destacou a ausência de um período de transição, o que, na prática, exclui do direito à naturalização todos que já haviam iniciado o processo.
Entenda
Em 28 de março, o governo italiano anunciou uma reforma na lei que permite a concessão de cidadania por direito de sangue (ius sanguinis), restringindo o benefício apenas a filhos e netos de cidadãos nascidos na Itália. A nova regra, fortemente apoiada pelo ministro das Relações Exteriores, Antonio Tajani, impõe um limite geracional aos pedidos, o que exclui quem tem bisavós ou parentes mais distantes. “Houve abusos de pedidos de cidadania ao longo dos anos”, afirmou Tajani.
O objetivo, segundo o governo italiano, é coibir os abusos, em especial, os milhares de pedidos que chegam da América do Sul e exploram uma lei considerada ultrapassada. Outro ponto da reforma inclui o aumento dos custos para obtenção da cidadania. “A proposta é chegar aos € 700. Os municípios e o Estado estão sobrecarregados com este trabalho [de emissão de cidadania], principalmente, as pequenas cidades”, destacou o ministro.
O pretende o decreto
- Netos de italianos: quem tiver pelo menos um avô nascido na Itália ainda poderá solicitar a cidadania;
- Bisavós: inscrições baseadas em ancestrais mais distantes (como bisavós ou tataravós) não serão mais aceitas;
- Controles mais rigorosos: verificação dos documentos será reforçada para evitar fraudes.