Por Lisandra Paraguassu
BRASÍLIA (Reuters) – Todas as categorias vão ter que ceder na reforma da Previdência do governo de Jair Bolsonaro, o que inclui os militares, e quem afirma isso não é um membro da equipe econômica, mas um dos generais da reserva que compõem o primeiro escalão, o futuro ministro da Secretaria de Governo, Carlos Alberto dos Santos Cruz, um dos nomes mais próximos hoje do presidente eleito.
“Têm categorias que precisam ceder alguma coisa, caso do Judiciário, do Ministério Público, de todo o funcionalismo público. E aí entram os militares no meio. A idade de aposentadoria por exemplo tem que ser mexida”, defendeu Santos Cruz em uma entrevista à Reuters no Centro Cultural Banco do Brasil em Brasília, onde se reúne a equipe de transição.
“Acho que vão ter que mexer na idade de aposentadoria. Eu estou com 66 anos e estou trabalhando normalmente. Acho que o pessoal se aposenta muito cedo em algumas carreiras. E não é só na área militar, têm várias carreiras que o pessoal se aposenta com 40 e poucos, 50 anos. Isso é inadmissível no mundo de hoje.”
Durante a campanha, Bolsonaro negava que os militares pudessem ser atingidos por uma reforma. No entanto, a realidade de que a categoria é responsável por quase metade do déficit da Previdência pública levou a equipe econômica a tentar convencer o presidente eleito que terá de haver mudanças de alguma forma.
Recentemente, o presidente eleito admitiu, em uma entrevista, que poderá haver uma idade mínima, mas não a mesma dos demais trabalhadores, que deverá ser de 62 anos para mulheres e 65 anos para homens.
Amigo de Bolsonaro há mais de 40 anos, Santos Cruz foi chamado para ficar mais próximo do presidente eleito para poder aconselhá-lo. Ao falar da reforma da Previdência, o futuro ministro deixa claro que não restringe suas opiniões a áreas que vai cuidar diretamente.
“Acredito que todas as categorias vão ter que pensar um pouquinho. Tem gente aí em carreira que, se você fizer besteira, cometer um crime, você é afastado com salário integral para o resto da vida”, afirmou Santos Cruz, na entrevista na última sexta-feira, referindo-se a casos no Judiciário.
“Onde for mexer tem modificações para fazer que ajudam o processo, em alguns pode ser o valor da aposentadoria, outros pode ser na idade e tempo.”
Para ele, o governo também precisa rever a política de reajustes dos servidores, como no caso o Judiciário, ainda que não o faça de maneira explícita.
“Quando se impõe sacrifícios, tem que ser imposto ao pessoal de cima. Sacrifício maior tem que ser na parte de cima, não na parte de baixo. Os aumentos, as correções salariais, têm que começar por baixo. Quem está em cima não precisa de nada, quem ganha 954 reais precisa”, defendeu.
“Se você der um aumento hoje de 20 por cento para quem ganha 30 mil, são 6 mil. Para quem ganha 1 mil, são 200 reais. Então os aumentos não podem ser iguais, quem está no teto ganha zero, amigo.”
Recentemente, em um acordo com o Judiciário, o presidente Michel Temer sancionou um reajuste de 16,38 por cento para ministros do Supremo Tribunal Federal, com efeito cascata, em troca de o STF derrubar a liminar que garantia, há mais de três anos, o pagamento de auxílio-moradia a juízes, mesmo os que possuíssem imóvel próprio na cidade em que trabalhavam.
O futuro ministro defende ainda que o esforço envolvendo a reforma atinja também os devedores das Previdência e que se reveja isenções.
Santos Cruz teve sua indicação para a Secretaria de Governo recebida com surpresa devido ao papel eminentemente político que a secretaria realiza atualmente.
No desenho do novo Executivo, no entanto, não deve precisar lidar diretamente com os parlamentares, mas viu seu ministério ganhar poder: vai cuidar do Programa de Parcerias e Investimentos (PPI) e da Comunicação do Governo, duas áreas-chave da Presidência.
“Vou atender por exemplos prefeitos e governadores. É articulação institucional, vou atender assuntos de governança. Isso (a relação com parlamentares) voltou para a Casa Civil. A gente fica com toda essa relação com instituições, ONG, organismos internacionais, e também com coordenação de algumas coisas externas, como o PPI. E Secom, que vai toda.”
O general vai tomar conta, entre outros pontos, dos contratos de publicidade do governo –os quais Bolsonaro já avisou que quer fazer uma “devassa”– e dos projetos de concessão, dentro do PPI.
CORRUPÇÃO E CRIME ORGANIZADO
Santos Cruz é um fervoroso defensor do combate duro à corrupção e ao crime organizado, e inclui políticos envolvidos em casos de desvio de dinheiro público também na segunda categoria.
“Ninguém discute a ligação da corrupção com o crime organizado. Com a insegurança que a gente vive. Você acha que um governador, um Tribunal de Contas, uma parcela de Assembleia Legislativa envolvida com corrupção, que ela está engajada realmente em combater o crime? Ela é o crime organizado”, afirmou.
“Você tem o crime organizado armado e o crime organizado desarmado, que é exatamente os esquemas de corrupção. Quando se fala em crime organizado se pensa no cara armado na entrada na favela. Aquele lá tem que ser confrontado, ele tem que encolher, entregar a arma. E o outro aqui tem que ser punido exemplarmente, não tem conversa, é o pior dos crimes, tira o dinheiro da saúde, da escola.”
Ao ser perguntado sobre o caso envolvendo um assessor do filho do presidente eleito, o deputado estadual e senador eleito Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), que teria movimentado 1,2 milhão de reais e repassado um cheque de 24 mil reais para a conta da mulher do presidente eleito, Michelle, o general minimizou, mas ressaltou que o caso requer explicação.
“Precisa explicar. Quem tem que explicar especialmente são os interessados, seja lá quem for, quem recebeu e pagou. Você pode emprestar para um amigo, isso acontece muito, depois o amigo te paga. Mas a pessoa pública tem que explicar”, disse. “Não quer dizer que nesse valor seja caso de corrupção. Quando a gente fala de corrupção se fala de valores fantástico. Esse nível aí está mais no nível da explicação.”
Santos Cruz acredita que as redes sociais trouxeram uma democratização da informação e permitiram que as pessoas se informem mais sobre o que está acontecendo no país, e também cobrem mais.
“Foi uma democratização da informação. Agora temos que democratizar a condição de vida. Tem que conscientizar quem está no topo”, disse.