Por Maria Carolina Marcello
BRASÍLIA (Reuters) – O presidente Jair Bolsonaro assinou nesta terça-feira o decreto que flexibiliza as regras para posse de armas no país, uma de suas principais bandeiras de campanha e em sintonia com a chamada bancada da bala no Congresso, que o apoiou na disputa presidencial.
Redigido pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública e finalizado na Casa Civil, o novo decreto facilita o reconhecimento da chamada “efetiva necessidade” para a posse de armas, amplia a lista de casos em que ela será permitida –como morar em área rural ou em cidades com elevados índices de violência–, e ainda aumenta o prazo para renovação da autorização de posse de arma de 5 para 10 anos.
“O que estamos fazendo aqui nada mais é do que restabelecer um direito definido nas urnas por ocasião do referendo de 2005”, disse o presidente em referência à consulta popular realizada naquele ano sobre a proibição da venda de armas de fogo, que foi rejeitada na ocasião.
“O povo decidiu por comprar armas e munições e nós não podemos negar o que o povo quis naquele momento. Em toda a minha andança pelo Brasil ao longo dos últimos anos, a questão da arma sempre estava na ordem do dia”, afirmou Bolsonaro.
Promessa de campanha reiterada pelo presidente pouco antes de assumir o cargo, o texto facilita a posse de arma de fogo ao explicitar, em um novo dispositivo, uma lista de pessoas com direito à posse de arma.
Segundo Bolsonaro, havia um “grande problema” na legislação referente ao que era considerado “efetiva necessidade” de posse de arma. “Isso beirava a subjetividade”, disse o presidente, após assinar o decreto.
Agora, de acordo com o texto assinado nesta terça, “presume-se a veracidade dos fatos e das circunstâncias afirmadas na declaração de efetiva necessidade” para a posse, a ser examinada pela Polícia Federal.
Ao listar os casos em que a “efetiva necessidade estará presente” –agentes públicos (inclusive os inativos), militares e inativos, residentes em área rural, residentes em áreas urbanas consideradas violentas, e donos de estabelecimentos comerciais ou industriais, além de colecionadores, atiradores e caçadores devidamente registrados no Comando do Exército–, o decreto facilita o acesso às armas e amplia o rol de pessoas com direito à posse.
As novas regras trazidas pelo decreto consideram que serão consideradas áreas urbanas com elevados índices de violência para conferir o direito à posse aquelas “localizadas em unidades federativas com índices anuais de mais de dez homicídios por cem mil habitantes, no ano de 2016, conforme os dados do Atlas da Violência 2018, produzido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública”.
O ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, explicou que, com o decreto, o cidadão terá direito à posse de armas caso cumpra todos os requisitos e apresente toda a documentação exigida, primeira vez, segundo o ministro, que a palavra do cidadão será considerada de “boa fé” em relação ao governo.
Essa é uma mudança, disse o ministro, porque até o momento a Polícia Federal e os demais órgãos competentes têm de verificar a veracidade das informações apresentadas pelo cidadão.
O decreto também autoriza a aquisição de até quatro armas de fogo de uso permitido dentro dos parâmetros estabelecidos pelo documento, de acordo com uma cópia divulgada logo após a assinatura.
Apesar do limite de quatro armas, o texto acrescenta que não fica excluída “a caracterização da efetiva necessidade se presentes outros fatos e circunstâncias que a justifiquem, inclusive para a aquisição de armas de fogo de uso permitido em quantidade superior a esse limite, conforme legislação vigente”.
Bolsonaro afirmou que na legislação anterior “você poderia comprar meia dúzia de armas, mas na prática não podia comprar nenhuma”.
“Com a legislação atual pode comprar até quatro, e preenchendo requisitos, o cidadão de bem com toda a certeza poderá fazer uso dessas armas, com a possibilidade ainda —tudo bem costurado pelo ministro Sérgio Moro—, sim, se tiver que comprar mais armas tendo em vista o número de propriedades rurais, por exemplo… o cidadão pode, comprovando então, obter uma maior quantidade de armas”, afirmou.
O decreto exige ainda que o interessado na posse declare ter cofre ou local seguro com tranca para o armazenamento da arma em residências habitadas por crianças, adolescentes ou pessoa com deficiência metal.
PORTE
Trechos da legislação para a posse de armas podem ser alterados por meio de decreto, como ocorreu, mas as regras para o porte precisam passar pelo Congresso Nacional. O porte só é permitido em alguns casos, como a integrantes das Forças Armadas, das polícias, agentes penitenciários e trabalhadores da área de segurança. Para obter o porte, é exigida a demonstração de sua efetiva necessidade por exercício de atividade profissional de risco ou ameaça à integridade física.
Onyx disse que o porte de armas será alvo de medidas a serem adotadas pelo governo nos próximos meses.
O decreto não exclui a exigência de o comprador da arma ter 25 anos ou mais, comprovar inexistência de inquérito policial ou processo criminal, capacidade técnica e aptidão psicológica, residência fixa e ocupação lícita.
O decreto prevê ainda a renovação automática da autorização de posse por dez anos. Segundo o presidente, o governo deve editar uma medida provisória para recadastrar aqueles que perderam o prazo para regularizar sua situação encerrado em 2009.
No início do ano, em entrevista ao SBT, o presidente também disse que pretende abrir o mercado brasileiro para fabricantes de armas estrangeiras. Esse movimento foi mencionado novamente nesta terça-feira por Onyx.
As ações preferenciais da fabricante brasileira de armas Taurus, depois de ter acumulado alta de mais de 100 por cento nos primeiros dias do ano, recuavam fortemente nesta tarde, com muitos investidores aproveitando para realizar lucros.
Nos primeiros nove meses de 2018, a Taurus registrou receita líquida 623,5 milhões de reais, com um prejuízo consolidado de 44,6 milhões de reais.
As vendas líquidas de armas no período totalizaram 613,6 milhões de reais, alta de 17,4 por cento sobre os primeiros nove meses de 2017, com as vendas nos mercados interno e externo registrando aumentos de 73 e 10,4 por cento, respectivamente, segundo o balanço da empresa.
POLÊMICA
Pesquisa Datafolha realizada em dezembro de 2018 apontou que 61 por cento dos entrevistados concordam com a proibição da posse de armas por representar ameaças à vida de outras pessoas. Outros 37 por cento disseram acreditar que possuir uma arma legalizada deveria ser um direito do cidadão para se defender.
Para o diretor-executivo da ONG Viva Rio, o antropólogo Rubem César Fernandes, a medida assinada por Bolsonaro nesta terça-feira pode levar a um aumento na violência.
“Eu acho que aumentar o número de armas na sociedade num ambiente como esse não é sadio, acho que vai fazer mal, vai aumentar a violência”, afirmou em entrevista à Reuters TV.
“A arma em si não faz violência, mas em um ambiente tão tenso, cheio de conflitos, pequenos e grandes conflitos, onde todo dia a gente vê cenas de violência armada no Brasil, urbanas, então o uso da arma fica muito na cabeça das pessoas, as pessoas sonham com isso, entra no dia-a-dia, não é uma coisa extraordinária.”
A oposição já anunciou iniciativas para tentar barrar os efeitos da medida do governo Bolsonaro.
O líder do PT na Câmara, Paulo Pimenta (RS), afirmou nesta tarde que o partido vai ao Supremo Tribunal Federal (STF) para questionar o decreto. Em outra frente, a bancada do PSOL vai apresentar um projeto de decreto legislativo para sustar os efeitos da medida logo no retorno dos trabalhos do Congresso.
(Reportagem adicional de Ricardo Brito, em Brasília, e Sérgio Queiroz, no Rio de Janeiro)