Por Pedro Fonseca e Gram Slattery
RIO DE JANEIRO/BELO HORIZONTE (Reuters) – Três funcionários da Vale <VALE3.SA> responsáveis pela barragem de mineração em Brumadinho (MG) que se rompeu na semana passada e dois engenheiros da empresa alemã Tüv Süd que atestaram a estabilidade da unidade foram presos, nesta terça-feira, em operação para apurar homicídio, falsidade ideológica e crimes ambientais na tragédia, que deixou dezenas de mortos e centenas de desaparecidos, disseram autoridades.
As prisões incluem o gerente de Meio Ambiente, Saúde e Segurança e o gerente-executivo operacional do complexo minerário Paraopeba da Vale, de acordo com decisão da juíza Perla Saliba Brito, de Brumadinho. O terceiro funcionário da mineradora é um geólogo que atestou a segurança da barragem junto com os engenheiros terceirizados, segundo o documento visto pela Reuters.
“O foco das medidas recaiu sobre a Vale, responsável pelo empreendimento minerário em Brumadinho, e sobre uma empresa chamada Tüv Süd Consultoria e Projetos, que atuou com algumas auditorias para a Vale com relação a essas barragens”, disse o procurador da República em Minas Gerais Gustavo Fonseca a jornalistas.
“A finalidade básica das medidas de hoje é arrecadar provas que permitam o pleno esclarecimentos destes fatos… Nosso objetivo é a realização de justiça diante desse caso tão grave, tão complexo, que causou tantas vítimas e destruição ambiental”, acrescentou.
O rompimento da barragem, ocorrido na sexta-feira, deixou ao menos 65 mortos e 288 desaparecidos, de acordo com balanço das autoridades divulgado nesta terça-feira. O desastre lançou uma avalanche de lama destrutiva de rejeitos de mineração sobre comunidades próximas e também sobre a área administrativa da própria Vale.
O Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) informou que as prisões foram decretadas por 30 dias. Segundo o MPMG, há existência de indícios de autoria ou participação dos presos em crimes de falsidade ideológica, crimes ambientais e homicídio.
Após as prisões, a Vale afirmou que “permanecerá contribuindo com as investigações”.
“Hoje, durante a busca e apreensão na mina de Águas Claras, em Minas Gerais, a autoridade policial solicitou que a empresa permitisse a extensão da diligência a outra mina, de Mutuca. Embora o pedido nem constasse da ordem judicial, a empresa prontamente concordou, facilitando o acesso das autoridades”, disse em vídeo na internet o diretor Jurídico da Vale, Alexandre D’Ambrosio.
Segundo ele, a Vale é a maior interessada no esclarecimento das causas do rompimento da barragem, e já compartilhou com autoridades espontaneamente informações apuradas por uma sindicância interna.
Um porta-voz da Tüv Süd em Frankfurt confirmou que os dois engenheiros presos trabalham para a empresa.
Em nota mais cedo, a empresa lamentou “profundamente o rompimento da barragem” e reiterou que realizou duas avaliações do local a pedido da Vale, uma revisão periódica da segurança da barragem e uma inspeção regular da segurança.
Em sua decisão, a juíza de Brumadinho disse que documentos apresentados pelo Ministério Público apontam que os dois engenheiros e um funcionário da Vale assinaram recentes declarações de estabilidade das barragens, informando que as estruturas se adequavam às normas de segurança.
“A tragédia demonstrou não corresponder o teor desses documentos com a verdade, não sendo crível que barragens de tal monta, geridas por uma das maiores mineradoras mundiais, se rompam repentinamente, sem dar qualquer indício de vulnerabilidade”, afirmou ela.
“Aliás, convém salientar que especialistas afirmam que há sensores capazes de captar com antecedência, sinais do rompimento, através da umidade do solo, medindo de diferentes profundidades o conteúdo volumétrico de água no terreno e permitindo aos técnicos avaliar a pressão extra provocada pelo peso líquido, o que nos faz concluir que havia meios de se evitar a tragédia”, acrescentou.
A operação desta terça-feira, que envolve o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), o Ministério Público de São Paulo (MPSP), o Ministério Público Federal (MPF) e a Polícia Federal (PF), cumpre no total 5 mandatos de prisão temporária e 7 de busca e apreensão, incluindo em uma unidade da Vale em Nova Lima (MG). O escritório em São Paulo da Tüv Süd também foi alvo de busca e apreensão, segundo o jornal O Globo.
Os dois engenheiros terceirizados foram presos em São Paulo, enquanto os funcionários da Vale foram detidos em Minas Gerais.
“Os órgãos de investigação têm trabalhado de forma concatenada para apuração dos graves crimes relacionados com o rompimento da barragem, sendo que as investigações se encontram em andamento”, disse o MPMG em comunicado.
Todos os presos serão ouvidos pelo Ministério Público em Belo Horizonte, acrescentou.
Na segunda-feira, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, disse que executivos da Vale podem ser penalizados pelo rompimento da barragem, e que a mineradora precisa ser responsabilizada severamente.
DESATIVAÇÃO DE BARRAGENS
O desastre na mina do Córrego do Feijão ocorreu pouco mais de três anos depois do rompimento de uma barragem em uma mina em Mariana operada pela Samarco, uma joint venture entre a Vale e a BHP Billiton <BHP.AX>, matando 19 pessoas e atingindo o importante rio Doce, no maior desastre ambiental da história do país.
Apesar de o desastre da Samarco de 2015 ter despejado cerca de cinco vezes mais resíduos de mineração, o rompimento da barragem da Vale em Brumadinho na sexta-feira deixou muito mais mortos por ter soterrado um refeitório lotado da mineradora e uma área povoada.
O ministro de Minas e Energia, almirante Bento Albuquerque, afirmou nesta terça-feira que recebeu a informação de que a mineradora Vale se comprometeu em desativar todas as barragens com tecnologia de alteamento a montante em seus empreendimentos.
Segundo Albuquerque, onde não for possível desativar, a empresa construiria barragens de contenção para que não haja novos acontecimentos com dano à vida humana. As informações recebidas pela pasta, segundo Bento, vieram do Estado de Minas Gerais.
Desde o desastre, tribunais ordenaram o bloqueio de 11,8 bilhões de reais em bens da Vale para cobrir os danos. Autoridades federais e estatais multaram a mineradora em 349 milhões de reais.
Nesta terça-feira, enquanto bombeiros continuavam os trabalhos em busca dos desaparecidos, manifestantes fecharam uma importante via de Belo Horizonte em protesto pela tragédia em Brumadinho. O Corpo de Bombeiros e Polícia Militar foram acionados, de acordo com os bombeiros.
“Choramos a tragédia de Brumadinho e lutamos para que não aconteça de novo”, dizia uma faixa dos manifestantes, de acordo com foto publicada nas redes sociais.
(Reportagem adicional de Marta Nogueira e Gabriel Stargardter, no Rio de Janeiro; Ricardo Brito e Lisandra Paraguassu, em Brasília; e Edward Taylor, em Frankfurt)