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Estamos mais ricos, mas as estatísticas não mostram

Educação e saúde baratas e de qualidade? Como mostra a história, basta o governo permitir

No início do século XX, automóveis eram ainda mais raros do que os então extremamente escassos milionários. Se você tivesse um carro em 1900, isso era um sinal de sua imensa prosperidade. Com efeito, se você conhecesse uma pessoa que possuía um carro, isso era evidência de que você estava próximo da mais alta camada da sociedade.

Henry Ford — que começou com um capital de aproximadamente US$ 25.000 em 1903 e terminou com um capital de aproximadamente US$ 1 bilhão à época de sua morte em 1946 — foi responsável pela maior parte do tremendo progresso ocorrido nos automóveis produzidos ao longo desse período, bem como na eficiência com que eles passaram a ser produzidos. 

Sua grande fortuna pessoal — adquirida em decorrência da introdução de grandes aprimoramentos na eficiência da produção automotiva, o que fez com que o preço de um automóvel novo caísse de US$ 10.000 no início do século XX para US$ 300 em meados da década de 1920 — foi utilizada para tornar possível a produção em larga escala de milhões de automóveis.

Foi amplamente graças ao fato de Ford ter reinvestido seus lucros na expansão da produção, que os automóveis de 1946 eram incrivelmente superiores àqueles produzidos em 1903. Mais ainda: foi graças a isso que os automóveis apresentaram uma espetacular redução real de custo, indo de um preço hoje comparável ao de um iate para um preço que praticamente qualquer pessoa podia bancar. 

Em 1987, a Mercedes-Benz lançou seu modelo 560 SEL sedã. O carro era belíssimo, repleto de dispositivos tecnológicos, como rádio digital, toca-fitas cassete, volante de couro, e tudo o mais que os ricaços da época podiam desejar. Para os mais preocupados com a segurança, o carro oferecia como opcionais freios ABS e airbags para o motorista e para o passageiro da frente. Os assentos do SEL eram eletricamente ajustáveis, assim como os retrovisores. Para os compradores dispostos a gastar um pouco mais, também havia a opção de assentos com aquecimento elétrico. As revistas especializadas da época, em especial a Car & Driver, escreveram sobre o carro usando termos superlativos. O preço do carro, à época, era de US$ 68.000 — o equivalente a US$ 147.300 hoje (ou R$ 486.000).

Hoje, um dos carros mais populares da Ford [nos EUA] é o Ford Taurus. Curiosamente, o modelo já foi considerado ultrapassado e até chegou a ser retirado de linha em 2006. Entretanto, o modelo 2018 voltou com tudo. Custa US$ 27.500 e vem com ABS nas quatro rodas, airbag duplo para o passageiro da frente (inclusive para sua nuca), faróis que se acendem automaticamente ao entardecer, alerta de risco para pontos cegos do retrovisor (o que evita acidentes envolvendo principalmente motos), sensor de estacionamento, câmera traseira e volante com aquecedor. Bancos elétricos já são triviais.

Ou seja, um carro trivial de hoje [nos EUA, cujo setor automotivo está sujeito à concorrência de importados, ao contrário do Brasil, cuja indústria é protegida] possui como itens de série tudo aquilo que o carro mais chique de 1987 oferecia apenas como opcional. Desnecessário dizer que a qualidade desses itens se aprimorou enormemente desde então.

Em 1970, a empresa Texas Instruments lançou uma das primeiras calculadoras de bolso. À época, essa máquina de somar e subtrair custava US$ 400 (US$ 2.554 hoje, ou R$ 8.170). Hoje, calculadoras muito mais completas são acessadas gratuitamente na internet, e já vêm de série em qualquer smartphone.

Quanto aos computadores, a história todos já conhecem. Os primeiros computadores foram colocados à venda no mercado pela IBM na década de 1960 e custavam mais de US$ 1 milhão apesar de possuírem apenas uma microscópica fração das capacidades encontradas nos modelos que hoje você consegue comprar por menos de US$ 200.

Em 1989, meros 30 anos atrás, a fabricante de computadores Tandy lançou o Tandy 5000. O preço? US$ 8.499. Isso em dólares de 1989. Corrigido pela inflação, tal valor equivale hoje a US$ 17.600 (R$ 71.000). Mouse e monitor não estavam incluídos.

Hoje, você compra um modelo da Hewlett-Packard, que é exponencialmente mais poderoso, por US$ 200 (não é necessário monitor; mouse já incluído). Se quiser algo melhor por um preço marginalmente maior, qualquer item da Apple ou da Dell resolve.

Considere agora as primeiras televisões 4K de ultra-alta definição. Os modelos originais foram lançados nos EUA em 2012 e custavam US$ 20.000. Em 2013, os preços já haviam caído para US$ 7.000. Na Black Friday de 2017, a loja Best Buy estava oferecendo um modelo 4K Sharp de 50 polegadas (com Roku incluído) por US$ 180.

Em 2006, apenas os quartos mais caros dos hotéis mais luxuosos ofereciam televisão de tela plana. Todos os demais hotéis tinham apenas as televisões em formato de caixote. Já em 2015, televisões de tela plana já haviam se tornado padrão não só em todos os hotéis e motéis, como também em bares e restaurantes populares.

Embora telefones celulares representassem o supremo símbolo de status nas décadas de 1980 e 1990, hoje eles são objetos triviais entre todas as classes sociais. Os primeiros celulares lançados em 1983 custavam US$ 3.995 (US$ 9.780 hoje, ou R$ 39.000) e eram totalmente obscuros. Pertenciam quase que exclusivamente a produtores de Hollywood em Beverly Hills e a financistas de Nova York. Raramente você conseguia falar com alguém. Hoje, celulares são objetos realmente universais.

Os smartphones fizeram com que mesmo as pessoas mais pobres tenham acesso a confortos e amenidades que teriam assombrado os bilionários de não muito tempo atrás: além de nada mais serem do que computadores de bolso de alta tecnologia que dão acesso a literalmente todo o conhecimento existente no mundo, os smartphones também oferecem transporte barato com motorista particular ao toque de um aplicativo e a possibilidade de assistir a filmes, seriados e documentários em qualquer lugar.

Recentemente, o economista William Easterley, da Universidade de Nova York, postou em seu Twitter a imagem de um anúncio comercial da loja RadioShack no qual os itens domésticos mais demandados no início da década de 1990 estavam em promoção. Quais eram esses itens? Rádio-relógio, calculadora, celular, toca-fitas, CDs, filmadora, câmera fotográfica e computador. Disse ele: “todos estes itens estão hoje disponíveis em um smartphone de US$ 200”. Corretíssimo.

E quanto a roupas? O que é interessante é que os apartamentos antigos e mesmo as casas mais chiques de outras épocas raramente tinham closets. E, quando tinham, era impossível entrar neles. Já nos apartamentos modernos, closets espaçosos feitos para as pessoas entrar neles são padrão. E é assim simplesmente porque o vestuário se tornou algo cada vez mais acessível para as pessoas de todas as classes sociais, e elas precisam de mais espaço para armazenar todas as roupas que possuem.

Viagens aéreas? Há algumas décadas, quem era rico o bastante para voar só levava seus chinelos em suas malas despachadas. Eles se vestiam elegantemente para aquilo que era considerado um luxo raro. Hoje, pessoas de todas as classes sociais entram nos aviões trajando chinelos de dedo, bermudas, camisa regata, e outros trajes altamente informais. Voar se tornou algo que todos nós fazemos.

Essa incrível melhoria em nosso padrão de vida não foi capturada por nenhuma estatística. Mensurações do PIB não mostram isso.

As estatísticas também não capturam os benefícios da internet

Na atual era da internet, há inúmeras coisas que são ofertadas gratuitamente aos consumidores. Todos os aplicativos que usamos gratuitamente hoje (eles auferem receitas via propagandas) teriam custado uma fortuna há algumas décadas — caso houvesse algum serviço equivalente.

E isso não é capturado nas estatísticas econômicas.

Os serviços ofertados pela Google ou mesmo pelo Facebook trazem enormes benefícios para nós consumidores. Temos acesso gratuito e instantâneo a informações cruciais, algo que simplesmente não existia há uma década. E informação é algo essencial para nossas vidas.

Mas esse fato não aparece nos cálculos do PIB.

Com efeito, podemos ir muito além. A comunicação, por exemplo. Quanto custava uma ligação telefônica para uma pessoa na Austrália ou na Índia há uma década? Hoje, podemos conversar via Skype com qualquer pessoa em qualquer lugar do mundo gratuitamente, e sem aqueles atrasos que eram comuns nas ligações telefônicas — a pessoa demorava uns 5 segundos para receber sua voz, o que tornava toda a conversa uma bagunça.

Além do Skype, podemos também mandar mensagens (voz, vídeo e texto) gratuitas e instantâneas via WhatsApp. Hoje, familiares, amigos e parceiros comerciais dialogam rotineiramente via WhatsApp a custo zero. Uma atividade que antes dependia de telefonemas e mensagens de texto pagas, hoje se tornou gratuita e corriqueira. A comunicação entre as pessoas cresceu explosivamente em decorrência disso.

Tal realidade era inimaginável há meros dez anos.

Todos esses benefícios não são computados por nenhuma estatística. Mensurar o impacto econômico de todas as maneiras pelas quais a internet mudou a vida das pessoas é impossível exatamente porque grande parte dos serviços oferecidos não possui preço. E esse é um problema antigo na economia. O PIB mensura transações monetárias, e não bem-estar.

Sendo assim, não há nenhum mensurador de bem-estar que mostre como esses fenômenos impactaram positivamente nosso bem-estar.

O que tudo isso significa?

No geral, os preços de vários bens de consumo — que inicialmente eram de luxo e hoje se popularizaram — desabaram. Os preços de utensílios domésticos como fogão, geladeira, televisão e todos os tipos de sistemas de entretenimento doméstico, lava-louças, churrasqueiras, microondas, forno elétrico, panelas especiais, torradeiras, esteiras de ginástica, aspiradores de pó etc. caíram 81% entre 1960 e 2013 em termos de horas de trabalho necessárias para adquirir a renda para comprar esses itens.

Já os preços de vários serviços que também eram luxo — comunicação e informação — não apenas desabaram, como caíram para zero.

A primeira conclusão é que o “luxo” é um conceito efêmero. O luxo de hoje é o popular de amanhã. Ludwig von Mises já havia explicado, ainda na década de 1950, que, graças ao capitalismo, aquilo que é um brinquedo caro e acessível apenas aos mais ricos de hoje se torna algo comum e popular ao resto dos mortais amanhã. E é assim porque, em uma economia de mercado, os preços tendem a cair. E eles tendem a cair porque capitalistas visando ao lucro fazem contínuos investimentos com o objetivo de produzir mais por menos.

A livre concorrência faz com que novas empresas sejam atraídas para aqueles mercados que apresentam altas taxas de lucro. Essa entrada de concorrentes provoca uma redução de preços, o que reduz essas altas taxas de lucros. Consequentemente, todos aqueles que estão neste mercado têm de encontrar novos métodos de produção que sejam menos custosos, na tentativa de voltar a aumentar seus lucros.

Com o tempo, esses novos lucros acabam atraindo novos concorrentes. Ato contínuo, os produtores têm de reinvestir uma fatia ainda maior de seus lucros para expandir sua capacidade produtiva e, com isso, manter-se à frente dos novos concorrentes.

Essa contínua ameaça da concorrência vai eliminando os altos lucros e fazendo com que os baixos custos de produção tenham de ser repassados ao consumidor na forma de preços mais baixos. 

O que nos leva à segunda e derradeira conclusão: esse fenômeno da queda de preços só é visível naqueles setores pouco regulados pelo governo, no qual há liberdade de entrada para empreendedores investirem. É exatamente nos setores menos burocratizados e menos restringidos pelo governo que os preços estão em declínio constante e a qualidade está sempre aumentando.

Já naqueles setores amplamente regulados pelo governo — educação e saúde sendo os mais clássicos — ocorre o contrário: a qualidade é decrescente e os preços, cada vez maiores.

Com efeito, pode observar: sempre que políticos, jornalistas e especialistas falam que um determinado setor da economia está em crise — isto é, preços em alta e qualidade de serviços precária —, trata-se de um setor fortemente regulado pelo governo, um setor no qual as forças do mercado jamais puderam atuar livremente.

Sendo assim, não é de se estranhar, por exemplo, que sempre haja uma “crise” na saúde e na educação, mas nunca haja crise na alimentação. Ao passo que saúde e educação são setores rigidamente regulados e restringidos — quando não monopolizados — pelo estado, alimentação é algo que, felizmente, os governos deixam a cargo do mercado. Saúde e educação sempre estiveram em “crise”, e para sempre estarão enquanto forem regulados pelo governo.

Da mesma maneira que itens antes escassos e caros se tornaram populares e acessíveis a todos tão logo empreendedores tiveram a liberdade de transformá-los em bens corriqueiros, saúde e educação também irão se tornar serviços baratos e populares tão logo empreendedores dotados de capital possam atuar irrestritamente neste setor. Já é assim com carros, computadores, celulares e alimentos; será também com a saúde e a educação.

A única barreira a uma queda nos preços e uma melhora na qualidade destes serviços é uma escassez de empreendedores dotados de capital e liberdade econômica. Com efeito, sob a ótica do livre mercado, um bem ou serviço estar caro não é uma “crise” mas sim uma oportunidade para tornar acessível aquilo que atualmente ainda não é.

Conclusão

Como mostra a história, a única maneira de fazer com que determinados bens ou serviços de luxo se tornem acessíveis a todos e com qualidade crescente é permitindo a livre concorrência.

A diligência empreendedorial, guiada pelo mercado, possui um brilhante histórico de transformar escassez em abundância. É assim que funciona o capitalismo. Ele substitui bens e serviços por outros melhores, introduz novos bens e serviços que antes eram impensáveis, e tudo isso invariavelmente é feito em conjunto com queda nos preços.

O livre mercado é o único arranjo capaz de reduzir a desigualdade de consumo entre ricos e pobres.

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Por John Tamny

Publicado originalmente em: cutt.ly/pNX7O5G

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