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A cabeça confusa de um protecionista

Por Gary North

Existem dois tipos de tarifas de importação: uma tem o intuito protecionista; a outra tem o intuito arrecadatório. Uma é o exato oposto da outra. 

Uma tarifa com intuito protecionista é imposta exatamente para impedir que as pessoas importem. Se ela realmente lograr tal objetivo, a receita do governo será zero. Óbvio. Se o intuito do governo é desestimular as pessoas a importarem — e se as pessoas realmente não importarem —, então a arrecadação do governo com essa tarifa será zero. E ele não ligará, pois era isso o que ele queria. 

Já uma tarifa com intuito arrecadatório existe, ao contrário, para trazer o máximo possível de receita para o governo. Ela não está ali para impedir as pessoas de importarem; ao contrário, o governo está torcendo para que as pessoas importem o máximo possível, pois só assim ele terá muitas receitas. E se o governo exagerar na tarifa, então ela vira meramente protecionista, e a arrecadação do governo tenderá a zero — exatamente o contrário do que ele almejava. 

Nos séculos XVIII e XIX, não havia imposto de renda. E praticamente não havia impostos indiretos. Logo, a maioria dos países recorria a tarifas de importação como sua principal fonte de receita. Tarifas de importação são fáceis de serem aplicadas: a mercadoria chega ao porto e lá está um fiscal da alfândega para taxá-la. É difícil escapar.

Sendo a maior fonte de receita em uma época em que não havia imposto de renda — ou cuja coleta era muito difícil e complicada —, tarifas de importação faziam sentido do ponto de vista puramente tributário.

Por uma questão de lógica simples, sabendo que os governos da época sobreviviam exclusivamente com as receitas dessas tarifas, a conclusão lógica é que, à época, tais tarifas não tinham caráter protecionista. Se tivessem, os governos simplesmente não teriam receitas. 

Mas os tempos passaram e vivemos hoje em uma época totalmente diferente. Tarifas de importação não mais são vistas como um mero instrumento de arrecadação. Hoje, sua função é bastante diferente. Tarifas sobre bens importados são ferramentas eficazes para se subsidiar aliados políticos, proteger empresários favoritos e, com isso, se praticar o capitalismo de estado — ou o mercantilismo.

Tarifas de importação são impostos sobre a compra de bens importados. A mercadoria importada chega ao porto, desce do navio e lá está um burocrata da alfândega para impor uma taxa ao valor total que o importador pagou.

O protecionista — que é um mercantilista — sabe que impostos mais altos sobre a compra de bens importados representam um subsídio às empresas nacionais. Por quê? Porque eles impedem que os estrangeiros possam utilizar preços baixos para concorrer com a indústria nacional.

O protecionista, como todo mercantilista, quer reduzir a variedade de opções disponíveis para os consumidores nacionais. Ele quer subsidiar a indústria nacional permitindo que ela cobre preços mais altos do que aqueles praticados por produtores estrangeiros sem que isso acarrete consequências negativas para ela. A justificativa é que tal política irá “enriquecer a nação”.

Um protecionista é o filósofo supremo do capitalismo de estado. O protecionismo é o filho bastardo do estado intervencionista keynesiano. 

O keynesianismo é uma filosofia que diz que gastos estatais magicamente criam riqueza e que o endividamento do governo é positivo para a economia. Já o protecionismo é uma filosofia que diz que a melhor maneira de enriquecermos é limitando nossas escolhas e garantindo reservas de mercado. Ambas estão no mesmo nível.

Enriquecer uma nação por meio do aumento da tributação de seus consumidores é uma ideia estranha: “Tribute mais e enriqueça”. Se você acha que isso soa a keynesianismo é porque é keynesianismo. Todo protecionista é, ainda que não saiba, um keynesiano.

Aprovar leis contra pessoas que querem apenas fazer uma transação voluntária de bens é um ato de restrição ao comércio. Por que uma nação enriqueceria restringindo o comércio? Qual é a lógica de dizer que enviar um burocrata com uma arma e um distintivo com a tarefa de impedir que as pessoas voluntariamente comercializem com quem elas quiserem — por crerem que isso irá melhorar suas vidas — é uma atitude que aumentará a riqueza da nação?

A ideia de maior riqueza não pressupõe a ideia de maiores oportunidades de comprar mais coisas do que antes? Sendo assim, como as pessoas estariam mais ricas com o governo deliberadamente restringindo o número de bens que elas podem comprar?

Protecionistas negam que a maior riqueza de um país esteja diretamente ligada à sua maior liberdade comercial. Eles argumentam o contrário: “Oportunidades reduzidas são as bases da riqueza. Quanto menos oportunidade você tiver para comercializar, mais rico você estará.”

Se isso soa insensato é porque é insensato. Mas trata-se de uma insensatez amplamente disseminada e defendida, especialmente por políticos, intelectuais e membros da academia.

Estes mesmos também argumentam que, quanto mais impostos o governo coletar, mais rico o país ficará. De novo, se você pensa que isso soa a keynesianismo é porque é keynesianismo.

Combatendo a tirania com mais tirania

O mais incrível sobre os protecionistas mercantilistas é que eles são completamente impermeáveis à lógica econômica. Eles amam burocratas com armas e distintivos proibindo a liberdade de escolha das pessoas. Eles estão convencidos de que armas e distintivos são a base do crescimento econômico e da riqueza para todos. Eles realmente creem que, se o governo enviar um número razoável de burocratas com armas e distintivos para confiscar a riqueza alheia via impostos sobre bens importados, a nação ficará mais forte, mais rica e mais livre. Eles acreditam que mais impostos e menos liberdade de escolha tornam um país mais próspero.

Recentemente, recebi um email de um leitor que, embora não conheça, posso afirmar ser um protecionista mercantilista inveterado. Seu argumento é o preferido — aliás, o único — de todos os protecionistas ao redor do mundo. Eis o que ele escreve:

Parece-me que o senhor, ao defender o livre comércio, ignora por completo o “conceito de nação” ou o nacionalismo. A questão não é que nossas indústrias sejam menos eficientes do que as indústrias estrangeiras; elas não são. O problema é que o governo impõe a elas uma carga tributária tão grande que faz com que elas passem a ser “ineficientes” contra a concorrência estrangeira. É o governo quem impõe “ineficiência” à indústria nacional. Portanto, para deixar as coisas com um maior nível de igualdade, o governo teria de remover estes fardos artificiais que ele criou. Mas enquanto isso não for possível, ele tem sim de impor tarifas iguais sobre os produtos estrangeiros para poder reequilibrar a situação.

Permita-me resumir o argumento do cavalheiro. 

(1) A indústria nacional não é ineficiente.

(2) Ela é oprimida pelo governo, que a sobrecarrega de impostos. 

(3) Portanto, precisamos de um governo ainda maior, ainda mais intrusivo e com ainda maiores poderes tributários para retirar o fardo do governo sobre as indústrias.

Faz sentido? Ele é um protecionista mercantilista. Como todos os protecionistas mercantilistas, ele não consegue pensar direito. Ele adotou a ideia de que, ao se dar ainda mais poderes para o governo federal, os cidadãos poderão, magicamente, sobrepujar os efeitos de um governo federal muito poderoso. 

E ele defende tudo isso em nome do nacionalismo ou do “conceito de nação”.

A seguir, um teste. Veja se você é um protecionista mercantilista. Se você não for capaz de seguir o raciocínio abaixo, você é um protecionista mercantilista.

Este Lado e Aquele Lado

Você mora de um lado da rua. No outro lado da rua mora João. João quer vender para você um item que você quer comprar.

Silva, seu vizinho de porta — e que, portanto, mora no mesmo lado da rua que você —, também vende um item parecido com este que João vende. Mas este item de Silva custa 20% mais caro.

Silva se aproxima de você e lhe diz que, pelo bem do “lado de cá” ou em nome do “conceito Deste Lado”, temos de impor um imposto sobre vendas de pelo menos 25% sobre o item vendido por João. Afinal, não queremos perder a riqueza que há Deste Lado da Rua. Sem um imposto sobre a mercadoria de João, Aquele Lado irá ampliar sua presença Neste Lado.

Você rejeita a sugestão de Silva como sendo totalmente absurda e sem sentido. Você gosta do produto sendo vendido por João. É elegante. É barato. É um bom negócio. “Sai da minha frente, Silva.” (Sempre que você compra algum bem, você está na realidade falando para todos os outros vendedores saírem da sua frente).

Silva, ao constatar que você é teimoso, irá atrás de Bruno, seu outro vizinho de porta, e irá alertá-lo sobre a terrível ameaça representada por Aquele Lado sobre o estilo de vida aqui Deste Lado. Ele não irá mencionar você, é claro. Ele está apenas defendendo Este Lado em nome da verdade, da justiça e do modo de vida Deste Lado.

Após isso, Silva vai para outra casa mais ao lado e destila a mesma cantilena para Pedro. Ele sugere que Pedro e Bruno se juntem a ele para aprovar uma lei impondo um imposto de 25% sobre a venda do produto de João. Se esta lei for aprovada, promete Silva, Este Lado será mais rico. Este Lado será mais forte. Este Lado será mais livre.

E a lei, então, é democraticamente aprovada. 

Ato contínuo, eles nomeiam um sujeito chamado Burocrata para impingir esta nova lei. Burocrata tem um distintivo. Burocrata tem uma arma. Burocrata se aproxima de você e alerta que, se você comprar o item de João sem pagar uma tarifa de 25% para Este Lado, ele irá multá-lo em bem mais do que 25%. Ele defende Este Lado com grande entusiasmo, dado que a alternativa a este emprego tranquilo e poderoso seria a iniciativa privada. E ele jamais se saiu bem no setor privado — característica esta que ele compartilha com Silva.

Bruno irá agora comprar de Silva. Pedro também irá comprar de Silva. E Burocrata, que não tinha um emprego em tempo integral há anos, também está muito contente em comprar de Silva.

Como é que Este Lado está mais rico?

Por que as palavras “Este Lado” tornam você mais rico? Como é que o “conceito Deste Lado” faz de você alguém mais rico?

Qual é a mágica que a linha invisível que divide Este Lado e Aquele Lado faz, em termos econômicos? Protecionistas mercantilistas acreditam que uma linha invisível passando no meio da rua é algo economicamente relevante. Igualmente, eles acreditam que a linha invisível que contorna as bordas do país é economicamente relevante.

Assim, se você é um protecionista mercantilista, linhas invisíveis têm total sentido econômico. Elas representam uma oportunidade de se subsidiar seus agentes econômicos favoritos. Elas são uma desculpa perfeita para se praticar o capitalismo de estado, algo muito eficaz em uma democracia.

Confusos

Além de serem impermeáveis à lógica, protecionistas mercantilistas também são impermeáveis aos fatos. Estes demonstram que quanto mais aberta é uma economia ao comércio exterior, maior a renda da população (quem compra mais barato tem mais dinheiro sobrando) e menor o desemprego (população com renda maior investe mais, demanda mais, e cria mais emprego).

Mas fatos também não interessam para pessoas de cabeça confusa. Para o protecionista mercantilista, a melhor maneira de enriquecermos é limitando nossas escolhas; é restringindo nossas opções como consumidores.

Um protecionista acredita que, se alguém na China descobrisse a cura para o câncer, a única maneira de proteger os cidadãos de seu país contra a concorrência desleal e a inevitável pobreza que tal importação geraria seria impondo uma tarifa de pelo menos 50% sobre a importação deste remédio. “Temos de dar ao nosso povo a chance de concorrer”, diz ele. 

Se você acha que isso é um argumento ignaro, você não é um protecionista mercantilista. Você não crê que armas, distintivos e tarifas sobre importações tornam as pessoas de um dos Lados da linha invisível mais ricas. 

Mas tais coisas de fato tornam algumas pessoas mais ricas: (1) produtores ineficientes que podem agora vender a preços mais altos e não ir à falência em decorrência da perda de consumidores, e (2) pessoas que usam distintivos e carregam armas como meio de vida. 

Se você acha que estes dois grupos são mercantilistas devotos do “capitalismo de estado” e não passam de que “extorsores assalariados”, você acertou a classificação das categorias.

Um protecionista não está preocupado com o bem-estar do povo. Ele se preocupa apenas com o bem-estar de um punhado de industriais — mesmo que não saiba disso.

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https://www.mises.org.br/article/2926/a-cabeca-confusa-de-um-protecionista

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