Por Ricardo Brito
BRASÍLIA (Reuters) – A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, decidiu rescindir o acordo de delação premiada de Wesley Batista, ex-presidente da JBS, e Francisco de Assis e Silva, ex-diretor da empresa, informou a assessoria de imprensa do órgão nesta segunda-feira.
A decisão foi encaminhada nesta segunda-feira ao relator do caso no STF, ministro Edson Fachin, a quem cabe dar a última palavra.
A PGR tomou a decisão em função da apuração do procedimento interno de revisão de acordos de delação de executivos do grupo que constataram –assim como já tinha ocorrido com Joesley Batista e Ricardo Saud, do mesmo grupo empresarial– que eles omitiram, de forma intencional, fatos criminosos que já tinham conhecimento no momento de fechar os acordos firmados com o Ministério Público Federal.
Em setembro, às vésperas de deixar o cargo, o então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pediu a rescisão do acordo de Joesley e Saud por não terem apresentado informações para o acordo de delação deles. Joesley está preso desde aquele mês.
A chefe do Ministério Público Federal pediu o fim dos benefícios da colaboração premiada a Wesley e Assis, mas destacou que as provas produzidas e trazidas por eles continuam “plenamente válidas”.
Na manifestação, Dodge afirmou que eles infringiram cláusulas do acordo. As investigações revelaram que ambos deixaram de prestar informações sobre fatos ilícitos no momento em que fecharam acordo de delação, como a atuação em favor do grupo pelo então procurador da República Marcelo Miller. Segundo ela, esse ato configura corrupção ativa pela cooptação de funcionário público, mediante vantagem indevida, para a prática de atos em seu favor.
A procuradora-geral cita como evidências o fato de Miller já ser considerado peça importante na condução do acordo de delação do grupo, mesmo antes de se desligar do MPF. Ele assessorava tecnicamente a J&F, conforme descobertas após a apreensão do celular de Wesley Batista, em uma das fases da Operação Lama Asfáltica. Wesley integrava um grupo de WhatsApp, juntamente com Joesley Batista, Francisco de Assis, Ricardo Saud, Marcelo Miller e Fernanda Lara Tórtima, advogada da JBS, empresa do grupo J&F.
Na peça enviada ao STF, segundo a chefe do Ministério Público, as mensagens trocadas no grupo deixaram claro que Marcelo Miller prestou “relevante assessoria ao grupo J&F para auxiliá-lo na concretização dos acordos de leniência e de colaboração premiada”. Os textos evidenciam também que todos sabiam que Marcelo Miller ainda era procurador da República.
Em um dos trechos do diálogo, de 27 de março do ano passado, Joesley tentou marcar encontro com Marcelo Miller, mas Francisco respondeu: “Ele tem expediente no atual emprego dele e ele não pode.”
Em mensagem, Miller indica que vinha conversando há algum tempo com os integrantes do grupo sobre as estratégias de negociação do acordo com autoridades norte-americanas. “Se quiserem falar ou tirar alguma dúvida, estou às ordens”, escreveu, em 4 de abril de 2017, último dia em que ocupou o cargo de procurador da República.
Segundo as investigações, Miller receberia 700 mil reais pelos serviços prestados ao grupo J&F entre fevereiro e março do ano passado. “É interessante notar que esta cobrança de honorários advocatícios por Marcelo Miller incluía serviços prestados por ele à J&F, por intermédio do escritório TRW, em março de 2017, período em que o procurador da República estava impedido pela Constituição de exercer a advocacia”, pontua Raquel Dodge, no Procedimento Administrativo.
Para a procuradora-geral, mesmo que os quatro colaboradores da J&F que integravam o grupo “não considerassem ilícitas as condutas de Marcelo Miller ou as suas próprias, tinham a obrigação de reportá-las ao MPF, em respeito ao acordo de colaboração firmado com a instituição”. A PGR pondera, ainda, que “eles pactuaram para obter benefícios penais extremamente vantajosos” com o fechamento do acordo.
INFORMAÇÃO PRIVILEGIADA
No caso de Wesley Batista, o pedido de rescisão também se baseia na prática de crime após a celebração da delação premiada, conduta tida pela PGR como totalmente incompatível com a de colaborador da Justiça. Ele e o irmão Joesley foram denunciados pelo MPF em São Paulo pelos crimes de uso indevido de informações privilegiadas e de manipulação do mercado.
Segundo as investigações da Operação Tendão de Aquiles, os dois lucraram ao se anteciparem à divulgação do acordo de colaboração premiada, vendendo e, posteriormente, comprando ações de uma das empresas da holding J&F.
Wesley Batista também adquiriu contratos futuros de dólar e contratos a termo de dólar em valor superior a 2,8 bilhões de reais, obtendo, nestas operações, lucro de cerca de 100 milhões de reais. O empresário tinha ciência de que a divulgação do acordo poderia interferir nos negócios do grupo J&F.
Se as rescisões forem homologadas pelo ministro Edson Fachin, Wesley e Francisco ficam sujeitos a responderem a ações penais, sem direito ao prêmio previsto no acordo firmado em maio de 2017.
Na semana passada, o STJ revogou a prisão preventiva decretada contra Wesley e Joesley por causa desse episódio, em que os irmãos são réus. Joesley continua preso porque tem contra si uma ordem de prisão preventiva expedida por Edson Fachin, do STF, a pedido de Janot justamente por ter omitido informações em sua delação premiada.
As defesas de Wesley e de Assis não vão comentar a decisão da PGR de pedir a recisão do acordo.