Sérgio Moro saiu do governo para entrar definitivamente na vida política.
Há quem ache que Moro não tem ambições eleitorais. Durante muito tempo, isso até foi verdade. Mas, conforme a Operação Lava-Jato ganhou corpo, o então juiz interessou-se pelo jogo político. E mostrou suas intenções quando aceitou fazer parte do governo Jair Bolsonaro. Muitos ainda misturam o Moro de hoje com o da Operação Lava-Jato, mas a versão atual é um remix produzido para agradar aos ouvidos dos eleitores (Nada contra ou a favor. Apenas uma constatação).
Analisemos o discurso do ex-ministro quando anunciou sua demissão. Começou fazendo um balanço de sua carreira, desde a Lava-Jato até a gestão à frente do Ministério da Justiça, com especial cuidado em apontar a queda expressiva da criminalidade durante o período em que esteve liderando a pasta. Enumerou cuidadosamente todos os motivos que o levaram a pedir o boné, pontuando situações que soaram como deslizes de Bolsonaro naquilo que Moro considera sagrado – o combate à corrupção. Por fim, sintonizou-se com o cidadão comum ao adiantar coisas que faria após a saída do governo, como limpar as gavetas, procurar um trabalho e tirar alguns dias de descanso.
Foi uma narrativa pensada e planejada para passar uma forte mensagem ao eleitorado. Ao estilo de Moro: palavras nada rebuscadas, pronunciadas em meio a várias gaguejadas e modulações involuntárias de voz. Mas o que faltou em oratória sobrou em recados mandados ao ex-chefe: num momento, por exemplo, afirmou que nem nos governos do Partido dos Trabalhadores, banhados por um mar de corrupção, houve tamanha tentativa de se dirigir politicamente a Polícia Federal.
Que caminho Moro seguirá?
Ele tem diante de si três caminhos.
O primeiro foi ventilado várias vezes: ser secretário de estado em São Paulo ou no Rio de Janeiro. Essa hipótese parece improvável. Qual a razão de ser subordinado a alguém cuja popularidade é imensamente menor que a própria? Não faria sentido, a menos que Moro não tenha mesmo apetite por um voo alto em 2022.
A segunda estrada está logo à frente. O ex-juiz precisa de um palco para se manter em evidência até as eleições de dois anos à frente. Uma hipótese seria a de concorrer às eleições municipais. Se entrar na disputa para a prefeitura de Curitiba, diga-se, leva no primeiro turno (a não ser que cometa uma imensa barbaridade). Mas a capital paranaense não oferece exatamente um grande palanque nacional. Já a prefeitura de São Paulo, ao contrário, produz notícias que podem ser diariamente reproduzidas em jornais de outros estados brasileiros. Trata-se de um bom trampolim para 2022. Há, no entanto, dois problemas. O primeiro é o grau de dificuldade do pleito, que já conta com muitos candidatos, sem contar a complexidade que seria administrar uma cidade desconhecida. Outro desafio: os paulistanos rejeitam políticos que usam o cargo de prefeito como ponto de partida para outras eleições. José Serra e João Doria são nomes que enfrentaram forte rejeição após abandonarem a prefeitura para competir pela posição de governador. Há ainda outra possibilidade: concorrer ao cargo de prefeito do Rio. Mas trata-se de um desafio administrativo incomensurável, dada a crise vivida pela Cidade Maravilhosa.
O terceiro caminho é resguardar-se, sem cargos, para competir contra Bolsonaro em 2022. Neste caso, precisará manter-se em evidência com certa frequência para manter a popularidade em alta. São dois anos até o início de campanha. Isso seria possível? Talvez não. Por outro lado, o vazamento de mensagens de WhatsApp de Bolsonaro e da deputada Carla Zambelli, ontem (24), mostra que Moro pode produzir material, aos poucos, para estar nas manchetes. Como juiz da Lava-Jato, atuou claramente ao lado da promotoria e da Polícia Federal, ferindo a neutralidade que um magistrado precisa ter nesse tipo de processo. Mas foi justamente essa atuação que construiu a imagem de paladino da Justiça, caçador de corruptos e algoz dos poderosos. Esse comportamento, numa briga aberta com o presidente da República, pode render baixas junto ao governo. Ele não conta mais com a estrutura da Promotoria e da PF, é verdade. Mas tem inúmeros amigos nessas instituições, cujas ligações foram fortalecidas com a resistência em ceder aos pedidos de Bolsonaro por interferência política.
Moro, ainda, precisa mostrar aos admiradores de primeira hora que é seu direito disputar eleições e cargos públicos – algo que muitos não conseguem enxergá-lo fazendo. É um fenômeno interessante. Os políticos, em diversas ocasiões, são execrados. Surge um nome novo, fora do ambiente viciado das eleições, como o ex-ministro, que entusiasma uma boa parcela do eleitorado. Mas, entre os eleitores entusiasmados estão aqueles que veriam seu encanto desvanecer caso o paladino de muitos virasse um político de fato. Para esses, a magia de Moro seria quebrada se ele se transformasse em alguém que faz promessas em troca de votos.
Qualquer que seja o caminho escolhido para definir seu futuro, o ex-titular da Justiça tem ainda dois desafios a resolver no curto prazo.
Em primeiro lugar, terá de lidar com a tropa de choque bolsonarista e as vaias que sofrerá no ambiente digital. O assédio já começou. Várias hashtags já pipocam pela rede, dizendo que o ex-ministro é anti-armas, pró-aborto e a favor da ideologia de gênero. A ideia aqui é muito simples: desconstruí-lo junto aos conservadores no aspecto comportamental, especialmente o público evangélico. Dessa forma, a intenção é diluir seu capital eleitoral e sua credibilidade.
Além disso, terá de responder a uma pergunta singela: se Bolsonaro pediu para interferir politicamente em sua pasta há algum tempo, por que não saiu antes do governo? A resposta a essa questão pode complicar as ambições de Moro – sejam elas municipais, estaduais ou federais.