O ex-ministro Sergio Moro é endeusado por muitos e demonizado por outros tantos. A menção de seu nome provoca debates mesmo entre seus fãs. Neste exato momento, por exemplo, os seus admiradores se dividem entre aqueles que acreditam na falta de ambição política do ex-juiz e os que desejam ardentemente que ele se candidate a algum cargo eletivo. Já no grupo de detratores, há uma outro tipo de divisão: há quem acredite em uma candidatura Moro, mas minimize seu potencial, enquanto outros apostam no interesse do ex-magistrado em disputar um pleito e temem seu cacife político.
Essas interpretações antagônicas surgem da dificuldade em entender a personalidade de Moro. Por que acontece isso? E por qual razão todos – contra e favor – se frustraram com seu depoimento à Polícia Federal?
Estamos falando de um personagens com traços de comportamento complexos e muitas vezes contraditórios. Quando isso ocorre, é difícil fazer uma leitura linear da conduta de uma pessoa e prever suas atitudes. Acrescente a isso uma aura de heroísmo e teremos uma persona quase impenetrável.
Vamos começar pelo autocontrole facial do ex-juiz, reflexo de décadas trabalhando em tribunais. Dificilmente as expressões de Moro entregam o que se passa por sua cabeça. Ele exibe uma “poker face” o tempo todo, conferindo seriedade e sobriedade ao personagem que construiu durante a Operação Lava-Jato. Esta demonstração física de comedimento é um dos elementos que ajudaram a erguer uma imagem de homem probo e obcecado por justiça, assim como os resultados da Força-Tarefa que colocou vários políticos corruptos na cadeia.
Aqui começam as contradições que fazem de Moro é um personagem complexo de entender. Mesmo com sua discrição, é dado a demonstrações de puro exibicionismo. Ele poderia ter pedido demissão do governo em silêncio, mas preferiu convocar a imprensa para acusar o presidente Jair Bolsonaro de interferência política em sua pasta.
Sergio Moro é um sujeito tímido, que se embaralha com as palavras e tem dificuldade em manter a modulação de sua voz. Não tem a verve que se espera dos magistrados e comete alguns tropeços no português. A timidez, no entanto, não encobre o tamanho de sua vaidade (uma característica absolutamente comum nos seres humanos), que cresceu proporcionalmente à notoriedade que ganhou no combate à corrupção.
Aqueles que já conversaram com Moro o consideram inteligente – mas longe da genialidade. O status de herói nacional, contudo, elevou as expectativas do público em relação a sua capacidade intelectual. O ex-juiz, ainda assim, lança sempre movimentos estratégicos e arquitetados cuidadosamente para obter o que deseja. A divulgação da gravação entre Dilma Rousseff e Luiz Inácio Lula da Silva (aquela do “Bessias”) foi um exemplo que de uma jogada arrojada que deu certo. Mas dar uma entrevista, às vésperas de seu depoimento, e dizer que apresentaria provas daquilo que havia dito durante o pronunciamento da demissão parece não ter sido uma tacada correta. O depoimento, em termos de evidências contundentes, deixou a desejar.
Durante a Lava-Jato, o então juiz foi criando sua fama de paladino. Mas seguidamente mostrou-se um magistrado sem neutralidade – e os áudios da Vaza-Jato o mostraram em total sintonia com o lado da acusação. Em tempo: seu trabalho foi fundamental para prender corrutos e frear um dos maiores esquemas de propinas que já surgiram no país, o do Petrolão. Mas o método “os fins justificam os meios” o levou a atropelar o Estado de Direito no afã de condenar os processados. É enorme o número de juristas que condenam este comportamento, dizendo que, com um pouco mais de paciência, todos os culpados seriam despachados de qualquer forma para o xilindró. Moro, assim, teria colocado o carro à frente dos bois e posto em risco a eficácia dos processos no longo prazo. Ou seja: o herói teria usado métodos duvidosos para fazer justiça.
Diante de uma personalidade cheia de nuances, o público pode fazer a leitura que quiser e ver total lógica em suas conclusões. Um exemplo: diante das recentes declarações, é possível concluir que Moro não tem ambições políticas e tentará uma carreira na iniciativa privada; ou que está pavimentando estoicamente o seu caminho para as eleições. Há elementos na narrativa do ex-juiz que corroboram tanto uma versão como outra.
Esse mesmo caráter complexo gera grandes expectativas em relação ao personagem chamado Sergio Moro. Como ele conseguiu colocar um ex-presidente na cadeia e fez o que ninguém havia conseguido antes – botar muitos políticos em cana – espera-se muito de seus atos.
Com o depoimento foi assim. Viu-se a demissão e as acusações contra Bolsonaro como o início de um processo. A entrevista que se seguiu continuaria a construir essa narrativa. O depoimento, entretanto, foi um anticlímax, pois claramente o ex-juiz não foi tão contundente como todos – incluindo o Palácio do Planalto – esperavam.
Com essas contradições, sutilezas e complexidades, a expectativa em relação aos atos de Moro sempre poderá ser maior que a realidade. Mas, até por conta de tudo isso, Moro tem um capital político enorme e que não pode ser desprezado. É verdade que esse cacife irá encolher com os ataques que sofre desde que deixou o Poder. Mas, mesmo depois do episódio envolvendo o depoimento morno, ele não pode ser descartado do cenário político daqui para frente.