O escritor Oscar Wilde dizia: “a vida é um palco, mas seu elenco é um horror”. Esta máxima, produzida para alfinetar a hipocrisia das classes altas britânicas no século retrasado, poderia ilustrar com perfeição a barafunda criada pelas autoridades brasileiras no dia de ontem. Com uma pequena adaptação: a política é um palco, mas seu elenco é um horror.
O dia começou quente. Estava marcada para o início da manhã a exibição do vídeo que teria sido gravado numa reunião ministerial, durante a qual o presidente Jair Bolsonaro teria pressionado – segundo acusação – o então ministro da Justiça.
A sessão, conforme determinação do ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, seria sigilosa – algo absolutamente impossível quando se trata de uma plateia superior a dez pessoas, ainda mais em Brasília, um local onde a palavra “sigilo” vale menos que a moeda de dez centavos.
Aconteceu o que se previra. Nem o vídeo chegara ao final e as testemunhas já se movimentavam para praticar o esporte favorito do Planalto Central: vazar informações à imprensa.
Os advogados de defesa de Moro puxaram a fila e disseram que as cenas gravadas apenas comprovavam a tese do ex-ministro. A coisa, entretanto, não parou por aí. Outras informações extraoficiais surgiram em sequência.
O presidente estaria preocupado com uma perseguição à família e teria afirmado que trocaria todos da “segurança” do Rio (“todos” seriam o chefe da área e até o ministro da área, Moro). Aqui começa a guerra de versões. Moro afirma que esse foi um recado direto para que ele trocasse a chefia da Polícia Federal no Rio de Janeiro, que conduzia uma investigação sobre seus filhos. Já o general Walter Braga Netto, ministro da Casa Civil, brindou a Polícia Federal com uma versão totalmente diferente: “Quando o presidente revelou sua intenção de trocar ‘a segurança do Rio de Janeiro’, se tratava da segurança pessoal do presidente, a cargo do Gabinete de Segurança Institucional, não tendo referência à Polícia Federal”.
A briga pela narrativa será forte. Se a versão de Moro prevalecer junto à PF, haveria sinais de tentativa de interferência política em investigações federais, o que é grave. Caso a versão de Braga Netto seja a vencedora, não teria havido nada demais.
O vídeo, segundo os vazamentos, traria também outras pérolas, incluindo alguns palavrões. Bolsonaro se referiria aos governador João Doria e às autoridades do Rio de Janeiro com termos nada elogiosos. Além disso, o ministro Abraham Weintraub teria afirmado que os onze ministros do STF deveriam estar presos. A ministra Damares Alves, no embalo, teria sugerido o mesmo destino para governadores e prefeitos.
Como se pode ver, o elenco político brindou aos analistas de plantão uma verdadeira ópera-bufa, com pinceladas tragicômicas e grande público. Houve dois efeitos imediatos. O primeiro foi o aumento do preço da adesão do Centrão ao governo. Diante da crise, apenas alguns cargos com direito a verba pública não vão bastar. O grupo vai pedir pelo menos um ministério para si.
Outra consequência foi o duelo de hashtags nas redes sociais, no qual os espectadores esgrimiram ao longo da parte e parte da noite. De um lado do ringue, estava a frase #DivulgaTudoCelsodeMello; de outro, #JairCadaVezMaisForte. Esse público levou os conceitos de credulidade e desconfiança a novos patamares. Os detratores queriam condenar o presidente por antecipação; seus defensores, no entanto, o defendiam com unhas e dentes. Os dois lados agiram agressivamente sem jamais ter ouvido a tal fita e, portanto, sem possuírem total certeza do que estavam falando.
Até que o conteúdo do vídeo seja liberado, a briga continuará sem vencedor. E esse roteiro tragicômico continuará a ser seguido por aqueles que pregam a destruição de seus adversários. Àqueles que desejam o entendimento, porém, resta apenas o olhar atônito de quem não entende algo básico: por que estas pessoas brigam no meio da maior crise já vivida pelo Brasil, quando precisamos desesperadamente de união? A vaidade e os interesses particulares dos políticos – de todas as matizes ideológicas – estão em primeiro lugar, deixando a busca por um Brasil melhor cada vez mais longe.
Por isso, é o caso de se repetir a frase adaptada de Oscar Wilde: a política é um palco, mas seu elenco é um horror.