Ontem (5), o Brasil registrou mais de 35 000 mortes decorrentes de coronavírus – 35 026, para ser mais exato. O UOL, em função desses números, colocou em sua manchete a seguinte chamada: “Pandemia de covid-19 já matou mais que gripe espanhola no Brasil”. Em números absolutos, é verdade. Historiadores estimam em cerca de 35 000 o número de vítimas fatais no Brasil entre 1918 e 1920, quando a pandemia de Influenza atingiu o país.
Como estamos falando em estimativas, talvez ainda não tenhamos, de fato, superado o número de fatalidades registrado no início do século 20 – mas, pelo andar da carruagem, vamos suplantar em muito a marca atual. Apesar de muitos acreditarem que governos estaduais estejam inflando as estatísticas por motivos políticos, há igualmente uma grande subnotificação de casos. Assim, mesmo que houvesse má intenção por parte de algumas autoridades, a realidade é dura: o volume de contaminados e de mortos seguramente é maior do que mostram os quadros oficiais.
Mas faz sentido dizer que ultrapassamos a barreira numérica de mortes da gripe espanhola?
Em 1920, o censo brasileiro estimava a população brasileira em 30 milhões de habitantes. Desse total, foram vitimadas 35 000 pessoas, praticamente o mesmo número de hoje. Só que temos, em 2020, 210 milhões de cidadãos brasileiros. Ou seja, seguindo a proporção, os 35 000 de antes equivaleriam hoje a 245 000 casos fatais.
Se chegarmos a um quarto de milhão de vítimas, ultrapassaremos de fato a tragédia observada no século 20. Projeções indicam que é possível atingirmos a sinistro resultado de 100 000 mortos. Embora seja um desastre sanitário, ainda é um volume proporcionalmente menor que o provocado pela gripe espanhola.
O número, em si, não importa para quem perdeu entes queridos. É apenas uma estatística que, por exemplo, poderá ser utilizada por jornalistas daqui a cem anos, se houver outra epidemia em massa. Mas este tipo de comparação pode nos levar a conclusões apressadas – como, por exemplo, aquele meme que circula nas redes e compara dados do Brasil com os de vários países europeus (neste caso, teríamos por aqui um número bem menor de mortos). No entanto, o correto, segundo os especialistas, é comparar número de mortos por 100 000 habitantes, uma forma de equalizar dados e tirar conclusões produtivas.
Procurar dados para reforçar teses – contra ou a favor do isolamento – é um caminho sem volta para o confronto e o caos. A pandemia é um assunto sério, que não permite a manipulação da realidade. É preciso analisar os dados e, então, chegar às conclusões. Mas os dois lados dessa questão já chegaram a suas conclusões e procuram informações apenas para confirmar suas teses.
Desse caldeirão de manipulações não sairá nada de bom. Apenas o recrudescimento de ânimos e a discórdia. Apesar de termos conseguido, pelo menos em São Paulo, afastar o fantasma do estrangulamentos dos leitos de UTIs, o crescimento no registro diário de mortes é irrefutável e preocupante. É preciso estar atento para não deixar a situação se descontrolar e dessa forma batermos, de fato, a marca de vítimas geradas pela gripe espanhola.