Mesmo os aparentes benefícios de curto prazo gerarão nefastas consequências
Há aquela famosa estória apócrifa de um engenheiro que, em visita à China, deparou-se com uma enorme equipe de operários construindo uma barragem com pás e enxadas.
Quando o engenheiro disse ao supervisor da obra que todo o trabalho poderia ser completado em poucos dias — em vez de em vários meses — caso os trabalhadores utilizassem escavadeiras motorizadas, o supervisor disse que não podia fazer isso, pois tal equipamento iria destruir vários empregos.
“Ah”, respondeu o engenheiro, “pensei que você estava interessado em construir uma barragem. Se o seu objetivo é apenas criar empregos, então por que você não coloca seus homens para trabalhar com colheres em vez de enxadas?”.
A falsa ilusão do emprego
Em épocas de recessão econômica e desemprego alto, sempre ressurge a ideia de que a solução mágica e extremamente benéfica é colocar o estado para fazer um amplo programa de obras públicas. Tal ato cumpriria a proverbial (e politicamente incorreta) promessa de matar três coelhos com uma só cajadada: geraria empregos, reativaria a economia e ainda melhoraria a infraestrutura do país.
Em primeiro lugar, é factualmente errada a percepção de que investimentos em infraestrutura geram mais empregos e, consequentemente, devem ser priorizados. A realidade é que todo investimento gera emprego. Ademais, as micro e pequenas empresas são responsáveis respondem por 80% dos postos de trabalho.
Em segundo lugar, ainda em termos de emprego, mais do que os postos de trabalho temporários durante uma obra, o que importa é a continuidade de geração de vagas ao longo do tempo. E isso não é resolvido por um programa estatal de obras públicas.
Mas isso ainda é o de menos. As consequências econômicas de um programa estatal de obras públicas é que são o real problema.
Investimentos em obras públicas são uma categoria — mas não deveriam ser
Na economia real, empreendedores incorrem em projetos que irão propiciar o melhor retorno. Essa busca por projetos que trazem maior retorno é balizada pelo sistema de preços livres. Os preços indicam as necessidades mais urgentes do consumidor.
Por meio dos sinais de preços, o consumidor instrui os empreendedores a fabricar o que mais precisa e deseja. E o sistema de lucros e prejuízos irá informar se a decisão do empreendedor foi acertada ou não, e se ele soube atender bem às demandas dos consumidores.
Os sinais de preços emitidos pelo mercado, portanto, comandam as decisões dos empreendedores. E o sistema de lucros e prejuízos mostra como os recursos escassos estão sendo empregados. Se corretamente, os consumidores recompensam os empreendedores propiciando-lhes grandes lucros; se erroneamente, os consumidores punem impondo-lhes prejuízos.
Este raciocínio vale para todas as áreas da economia, inclusive infraestrutura. Sempre há demandas por obras que irão reduzir custos de logística e de energia, e tornar as empresas brasileiras mais competitivas no mundo. Tais investimentos tenderão a gerar riqueza e empregos continuamente. E sempre há sinais de preço demandando tais investimentos.
O problema, no entanto, é que a infraestrutura é um monopólio estatal. E aí tudo fica desvirtuado. O elo entre demanda e oferta fica quebrado. Não há liberdade de entrada neste setor. Empreendedores não podem livremente construir estradas, pontes, portos, aeroportos, hidrelétricas, redes de saneamento etc. sem antes conseguirem a autorização do estado — sendo que tal autorização, como sabemos, está repleta de favores políticos, conchavos e propinas.
Ainda assim, quando o estado segue as demandas dos consumidores e permite que empresas façam obras, há uma redução desta disfunção, e a genuína demanda passa a ser atendida, ainda que insatisfatoriamente e com menos eficiência do que haveria em um mercado livre.
Porém, a partir do momento em que uma decisão de investimento ocorre exclusivamente em decorrência do dirigismo estatal, com políticos e burocratas em busca de uma métrica de empregos ou de um impulso artificial ao PIB, a chance é que tudo se afunde em um buraco keynesiano.
A ponte para o passado
Se um programa estatal de obras públicas sempre conta com entusiastas em épocas de normalidade econômica, em épocas de recessão os apoiadores tornam-se quase unânimes (as várias correntes ideológicas parecem se abraçar).
Mesmo alguns economistas ortodoxos que tendem a levar mais a sério a questão do equilíbrio orçamentário e da necessidade de se conter os gastos do governo mudam de roupagem e, do nada, passam a afirmar que gastos em obras públicas representam um tipo de gasto do governo que traz retornos positivos e aumenta o bem-estar de todos na sociedade — além de gerar empregos.
Será?
Vejamos.
Suponha que o governo decide construir uma ponte faraônica (tipo a Rio-Niterói) orçada em $ 10 bilhões.
A afirmação de que toda a sociedade ganhará com isso é verdadeira ou falsa?
É indiscutível que a ponte será ótima para aquela pequena fatia da população que irá utilizá-la diariamente. A questão é: e quanto ao restante da população? Quais serão as consequências da construção desta ponte para quem não a utiliza?
Em primeiro lugar, a construção da ponte será paga ou com impostos ou com endividamento.
Se com impostos, as pessoas e empresas que pagaram esses impostos ficarão sem esse dinheiro e, logo, não poderão despendê-lo em coisas que voluntariamente considerem mais necessárias. Consequentemente, os empreendimentos que receberiam esse dinheiro ficam agora sem receita.
Se com endividamento do governo, as pessoas e empresas que poderiam ter pegado esse dinheiro emprestado para fazer investimentos produtivos ficarão agora sem acesso a ele.
Em ambos os casos, os empreendimentos que agora não mais receberão este dinheiro — que foi desviado para a construção da ponte — começarão a demitir. Ou então não mais se expandirão.
Portanto, para cada emprego público criado pelo projeto da ponte, foi destruído, em algum lugar, um emprego no setor privado.
Podemos ver os operários empregados na construção da ponte. Podemos vê-los trabalhando. Esta imagem real faz com que o argumento do governo — seu investimento gerou empregos — se torne vívido, tangível e convincente para a maioria das pessoas. Há, no entanto, outras coisas que não vemos porque, infelizmente, não se permitiu que surgissem. São os empregos destruídos pelos $ 10 bilhões tirados dos contribuintes ou do mercado de crédito.
Mas tudo piora.
Vivemos em um mundo de recursos escassos. Aquilo que é utilizado em um setor foi necessariamente retirado de outro setor. Se os gastos do governo concentraram recursos em um setor, então outros setores ficaram sem estes mesmos recursos.
Se o governo está construindo uma ponte, ele irá consumir grandes quantidades de aço, cimento, vergalhões e argamassa. Isso significa que todo o resto do setor da construção civil e todas as demais indústrias do país terão agora de pagar mais caro para conseguir a mesma quantidade de minério, aço, cimento, vergalhões, argamassa, retroescavadeiras, tratores, cobre, níquel, alumínio etc. Os preços desses itens irão subir e, como consequência, todos os bens que utilizam esses itens em sua construção — como imóveis e carros — ficarão mais caros.
Quando o governo gasta, ele está consumindo bens que, de outra forma, seriam utilizados pela população ou mesmo por empreendedores para fins mais úteis e mais produtivos. Por isso, todo o gasto do governo gera um exaurimento de recursos. Bens que foram poupados para serem consumidos no futuro acabam sendo apropriados pelo governo, que os utilizará sempre de forma mais irracional que o mercado, que sempre se preocupa com o sistema de lucros e prejuízos.
Portanto, os gastos do governo exaurem a poupança (por ”poupança”, entenda-se ”bens que não foram consumidos no presente para serem utilizados em atividades futuras”).
Os gastos do governo não possuem o poder milagroso de criar riqueza para todos. Sempre há os que ganham e sempre há os que perdem. Impossível todos ganharem.
Na melhor das hipóteses, tudo o que aconteceu foi uma transferência de empregos por causa de um projeto. Mais operários para a construção da ponte; menos operários para a indústria automobilística, menos empregados para fábricas de artigos de vestuário e para a agropecuária.
Os cariocas e niteroienses usuários da ponte se deram bem e foram os reais ganhadores. O resto do país perdeu.
Por fim, caso a obra tenha sido financiada via empréstimos contraídos pelo governo, tais empréstimos terão de ser quitados. E quem fará isso serão os pagadores de impostos de todo o país. Dado que o governo não gera riqueza, ele só poderá quitar seus empréstimos por meio de impostos confiscados da sociedade.
Como então é possível dizer que houve um enriquecimento de toda a sociedade?
Possíveis objeções
Frente ao exposto acima, é inevitável que alguém retruque dizendo algo nestas linhas:
“Mas se o setor privado fizer esta ponte, ele também irá inevitavelmente consumir grandes quantidades desses materiais. Assim, o preço também irá subir! Logo, dá tudo no mesmo.”
Não, não dá tudo no mesmo.
1) Se a obra é estatal — isto é, se ela é feita de acordo com critérios políticos —, então não há como saber que ela está sendo genuinamente demandada pelos consumidores. Não há como saber se ela realmente é sensata ou não, se ela é racional ou não. (Vide os estádios da Copa na região Norte do país).
O que vai predominar serão os interesses dos políticos e de seus amigos empreiteiros, ambos utilizando dinheiro de impostos. Não haverá nenhuma preocupação com os custos.
2) Se a obra é estatal, haverá superfaturamento. (Creio que, para quem vive no Brasil das últimas décadas, isso não necessariamente é uma conclusão espantosa). Havendo superfaturamento, os preços desses insumos serão artificialmente inflacionados, prejudicando todos os outros consumidores. Os preços, portanto, subirão muito mais ao redor do país do que subiriam caso o investimento fosse totalmente privado e voltado para atender a uma demanda dos consumidores.
3) Por outro lado, se é o setor privado — e não o estado — quem voluntariamente está fazendo a obra, então é porque ele notou que há uma demanda pelo projeto. Ele notou que há expectativa de retorno. (Se não houvesse, não haveria obras). Consequentemente, os preços dos insumos serão negociados aos menores valores possíveis. Caso contrário — ou seja, caso houvesse superfaturamento —, a obra se tornaria deficitária, e seria muito mais difícil a empresa auferir algum lucro.
Isso, e apenas isso, já mostra por que os efeitos sobre os preços dos insumos são muito piores quando a obra é estatal. Tudo é bancado pelos impostos; não há necessidade de retorno financeiro para quem faz a obra (o governo e suas empreiteiras aliadas); não há a famosa accountability, ou seja, a responsabilização e a prestação de contas (mais especificamente, o respeito a balancete).
Os retornos são garantidos pelos impostos da população.
4) Em uma obra feita voluntariamente pela iniciativa privada, nada é bancado pelos impostos; a necessidade de retorno financeiro pressiona para baixo os custos; há accountability; os impostos da população não são usados para nada.
Dentre esses dois arranjos, é o estatal que pressiona para cima os preços dos insumos, prejudicando todos os demais empreendedores do país.
Para concluir
E é por tudo isso que obras estatais, que já são ruins em épocas de prosperidade, devem ser evitadas ainda mais em épocas de recessão econômica.
Prejudicar os demais empreendedores em épocas pujantes já é anti-ético e imoral; prejudicá-los em época de profunda recessão econômica é completamente criminoso.
(Gustavo Guimarães)
https://www.mises.org.br/article/3245/em-uma-recessao-um-programa-estatal-de-obras-publicas-ira-apenas-piorar-a-economia-