Embora tenham mais do que dobrado de preço desde que atingiram a menor cotação do ano, analistas continuam reticentes em recomendar as ações da GOL e da Azul. Fortemente atingidas pelos impactos do coronavírus, as companhias aéreas ainda vivem um futuro de incertezas.
As dúvidas permeiam vários temas, que vão desde a capacidade das empresas em honrar seus pagamentos com credores e, mais recentemente, com o BNDES até a possibilidade de a quarentena induzir empresas a adotarem teleconferências em detrimento de viagens para reuniões presenciais.
“Não temos recomendado essas ações. O cenário é de extrema incerteza. O risco é muito maior em relação ao potencial retorno. No momento, a gente prefere ficar de fora”, afirmou Luis Sales, analista de empresas da Guide Investimentos.
Devido às restrições de voos no Brasil e no mundo, em abril, a GOL e Azul registraram queda de cerca de 90% do número de decolagens em relação ao mesmo período do ano passado. De acordo com a Associação Brasileira de Empresas Aereas (ABEA), a redução da demanda por voos domésticos – principal mercado dessas duas companhias – foi de 90,37%, em maio.
Mesmo com alguma recuperação esperada para junho, Bruno Lima, analista de renda variável da Exame Research, considera que ainda pode haver um longo caminho até que as companhias aéreas retomem a demanda de antes da pandemia. “A expectativa é a de que os voos doméstico, mais curtos, retomem antes, já os voos internacionais devem demorar muito mais. Estamos com algum ceticismo sobre o nível de rentabilidade que o setor vai apresentar nos próximos 12 ou 18 meses”, disse.
O mercado também sonda a possibilidade de mudanças definitivas no segmento. “Parte dos empresários vai manter as reuniões virtuais, mais por uma questão de custo. Para descolar um funcionário para Fortaleza, por exemplo, tem custo elevado de ida e volta, além de hotel e refeições”, disse Eduardo Cavalheiro, gestor da Rio Verde Investimentos, que também não vê o momento como uma boa oportunidade para comprar papéis do setor. “A recuperação ainda não está clara.”
Antes mesmo da pandemia, o alto nível de alavancagem e a maior dependência de fatores macroeconômicos, como o preço do petróleo ou do dólar, já colocavam o setor como um dos mais frágeis da bolsa, mas a crise elevou ainda mais os riscos de se investir em companhias aéreas.
“As aéreas alugam aviões e, consequentemente, têm uma dívida atrelada a elas, que é em dólar. Se a empresa tiver problemas financeiros e não conseguir honrar o pagamento, os credores começam a atrapalhar as operações, já que podem tomar os aviões de volta”, explicou Odilon Costa, analista de renda fixa e crédito privado da Exame Research.
No primeiro trimestre, quando os efeitos do coronavírus foram concentrados somente no mês de março, a GOL teve prejuízo líquido de 2,2 bilhões de reais, enquanto a Azul, de 6,1 bilhões de reais. A Associação Internacional de Transporte Aéreo (Iata, na sigla em inglês) estima que, no segundo trimestre, que deve registrar os maiores impactos da quarentena nas economias, as companhias aéreas do mundo inteiro tenham prejuízo de 39 bilhões de dólares, o que daria mais de 200 bilhões de reais.
“A situação delas é muito complicada. Se não fosse pela ajuda do governo, elas estariam praticamente quebradas”, disse Gustavo Cruz, estrategista-chefe da RB Investimentos. Para tentar socorrer as aéreas, o BNDES forneceu pacote de auxílio de até 4 bilhões de reais.
Para Costa, o acordo com o BNDES é fundamental para a sobrevivências dessas empresas, no entanto, ele alerta que o fato de o socorro prever a conversibilidade da dívida em ações também pode implicar na diluição dos papéis, tendo em vista que as aéreas precisariam emitir novas ações.
“O financiamento vai ajudar a empresa. Se der errado, o BNDES tem prioridade para receber a dívida. Se der certo, parte do valor que a empresa recuperou vai para o BNDES. É melhor dividir o prato do que ficar sem nada”, afirmou.
Por outro lado, medidas que possam obter maior controle sobre a pandemia, como vacinas e tratamentos eficientes são vistos como gatilhos para a valorização das ações no curto prazo. Ainda assim, os especialistas contatados por Exame recomendam cautela redobrada na hora de investir em papéis do setor, e sempre em montantes limitados.
“Eu diria que não é a melhor opção investir no setor agora. Mas se tem muito interesse em investir, o ideal seria ter uma exposição mínima, algum dinheiro que não ficaria incomodado se não conseguisse recuperar em 6 meses”, disse Cruz.
Para Lima, a quantia em carteira não deveria passar de 1% do total. “Dada a volatilidade das ações da GOL e da AZUL, para a gente, esse negócio é tipo opções.”
Por Guilherme Guilherme
Publicado originalmente em https://exame.com/mercados/vale-a-pena-investir-em-acoes-de-companhias-aereas/