Numa democracia como a brasileira, extrapolar os limites de um dos três Poderes constituídos pode ser algo delicado ou mesmo irresponsável, dependendo do caso. Falando especificamente do Supremo Tribunal Federal, há momentos em que tensões são criadas junto ao Executivo ou ao Legislativo, mas muitas vezes são episódios decorrentes de análises incômodas, mas técnicas.
Nesta semana, porém, vimos a temperatura crescer por conta do despacho do ministro Alexandre de Moraes com o intuito de bloquear contas de bolsonaristas empedernidos, sob alegação de “interromper discursos criminosos de ódio”. Houve um primeiro bloqueio de contas que atingiu apenas a audiência brasileira. As contas, no entanto, continuaram a ser acessadas por pessoas que tivessem seu registro de IP fora do país.
Moraes, então, determinou que sua decisão fosse cumprida em âmbito internacional. Ou seja, que as contas bloqueadas sejam proibidas para qualquer usuário também fora do Brasil. E ontem o Facebook acatou a determinação do ministro e apagou o acesso aos blogueiros, digamos, radicais de direita.
O chamado discurso de ódio destes perfis têm, muitas vezes, o STF e o próprio ministro como alvos. Estes blogueiros não têm exatamente um comportamento civilizado e, em inúmeras situações, utilizam o expediente de fake news para municiar os ataques. Entende-se a raiva do ministro Moraes como cidadão. Mas ele é um magistrado da mais alta corte brasileira e, como tal, não pode agir emocionalmente ou usar um caso pessoal para servir de base para decisões da Corte.
O pior de tudo, nessa situação, é que eficácia deste tipo de medida é questionável. Em primeiro lugar, cria-se uma celeuma danada em torno da decisão: é censura ou não? Uma parcela considerável de pessoas acredita que Moraes agiu contra a liberdade de expressão, mesmo sem concordar com o teor e o conteúdo das postagens bloqueadas pelo STF. Somente isso já trabalha contra a decisão de Moraes, mas o problema não termina aqui.
A questão mais importante não está nas ofensas destes radicais. Basicamente, eles pregam para os convertidos e têm audiência garantida apenas entre aqueles que já concordam de antemão com o que for publicado. O grande problema, assim, não está no conteúdo propriamente dito e sim no uso de robôs para propagar as mensagens rancorosas ou até mentirosas que partem dessas contas de redes sociais.
Assim sendo, não faz mais sentido proibir o uso de robôs em vez de atirar contra aqueles que falam mal do Poder Judiciário? Em tese, qualquer perfil zé-mané pode servir de pontapé inicial para a demolição de reputações ou propagação de fake news. Basta sua mensagem ser replicada à exaustão. Portanto, é preciso atacar alguém, que seja o grupo de pessoas que coordena os bots que multiplicam o tal discurso do ódio.
Combater diretamente quem fala mal do STF tem um efeito pernicioso: o de causar autocensura naqueles que pensam em criticar atitudes do Supremo, em especial as do ministro Moraes. “Muitas análises políticas de nossa época consistem quase que de frases pré-fabricadas e unidas como se fossem um brinquedo de montar. É o resultado inevitável de autocensura. Para escrever em termos simples e vigorosos, deve-se pensar sem medo e aqueles que pensam livremente não podem ser politicamente ortodoxos”. Quem escreveu essas linhas? George Orwell, o criador de 1984, obra que fala sobre uma sociedade totalitária e vigiada por uma autoridade onipresente, o Big Brother.
Imiscuir a autocensura em uma sociedade, mesmo que sutilmente, é indesejável. Ao lado da livre concorrência, a crítica, por mais injusta que seja, é a única forma de remover a mediocridade que nos assola. É aquela “wake up call” que nos aprimora e nos mantem atentos para não dar munição aos desafetos. É a tal história: proibiram as contas dos bolsonaristas, mas como não sou radical ou de extrema direita, não fiz nada… Quem garante que o próximo alvo do STF ou do ministro Alexandre de Moraes não será você ou sua corrente política?