Dois economistas libertários divergem radicalmente quanto a isso
A expansão da tecnologia e do mundo digital vem ocorrendo a um ritmo acelerado. Há meros cinco anos atrás, ninguém imaginava que, hoje, por meio de aplicativos de smartphone, qualquer um poderia se tornar um empreendedor.
Igualmente, a revolução trazida por Uber, Lyft, AirBnB, Banca Club, Descola Aí, OpenBazaar etc. não apenas facilitou e barateou a vida de milhões de pessoas, como ainda trouxe oportunidades de ganhos para outros milhões.
Igualmente, aplicativos como WhatsApp e Telegram, ao permitirem conversas e chamadas imediatas e gratuitas com qualquer pessoa em qualquer lugar do mundo, permitiram uma brutal redução nos custos de comunicação, tanto para pessoas quanto para empresas. Os benefícios econômicos dificilmente serão corretamente mensurados.
Essas são as chamadas inovações disruptivas e descentralizadoras.
Mas há um outro lado: as transações monetárias — tanto para esses serviços digitais quanto para os serviços tradicionais do mundo físico — são cada vez mais feitas eletronicamente, seja via cartões, seja via computadores, seja via transferências direta por smartphones. O dinheiro de papel virará uma relíquia.
A questão então passa a ser: isso será positivo ou negativo para as liberdades individuais? Ou, sendo ainda mais específico, isso facilitará ou dificultará o controle do estado sobre o indivíduo?
Com todas as transações monetárias ocorrendo no mundo digital, essa tecnologia, afinal, irá fortalecer o poder centralizado do estado ou trará ainda mais autonomia e liberdade para o indivíduo?
Dois economistas libertários divergem quanto a isso. Jim Rogers acredita que tudo isso será benéfico para o estado. Já Gary North diz que é o contrário.
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Jim Rogers, investidor
Governos sempre buscam os interesses de seus burocratas. Governos sempre se colocam em primeiro lugar. Sempre foi assim e para sempre será assim.
Para saciar seus próprios interesses, governos precisam arrecadar cada vez. E, com a difusão da tecnologia, essa tarefa ficou incrivelmente mais fácil.
Com as transações monetárias ocorrendo digitalmente, o governo é prontamente informado de tudo o que o cidadão faz. Consequentemente, ele não apenas tem muito mais facilidade para confiscar o dinheiro das pessoas via impostos, como ainda fica sabendo de todos os seus hábitos de consumo, podendo inclusive verificar se seus hábitos batem com sua declaração de renda no Imposto de Renda.
Com transações monetárias digitais, os governos ficam imediatamente cientes de tudo o que o indivíduo está fazendo. Tal arranjo é uma maravilha para os governos. Eles agora podem controlar você.
Se você fizer uma coisa tão simples quanto ir a uma padaria tomar um café, o governo saberá quantas xícaras você tomou. Você faz compras em um supermercado e o governo sabe exatamente o que você comprou. Você vai ao cinema e o governo sabe a que filme você assistiu. Você abastece o seu carro e o governo sabe exatamente quanto você colocou e com qual frequência você faz isso.
Com as transações monetárias eletrônicas, e com todo o mundo se tornando mais digital, as informações são muito mais facilmente transmitidas para os governos. Consequentemente, o governo passa a estar ciente de todos os seus hábitos de vida, de consumo e de lazer.
Transações monetárias feitas com dinheiro vivo são impossíveis de ser rastreadas. E são de fácil sonegação. Já as eletrônicas não só são completamente rastreáveis como também são impossíveis de ser sonegadas
E o movimento para forçar os cidadãos a abandonar o dinheiro em espécie e adotar exclusivamente o formato eletrônico já está explícito. Recentemente, na Índia, o governo decretou, da noite para o dia, que 80% da moeda em circulação não mais podia ser utilizada. Ou seja, na prática, o governo indiano decretou que era ilegal transacionar com dinheiro vivo.
Na França, você não pode pagar em dinheiro vivo nada acima de 1.000 euros. Vários outros países já estão fazendo isso. Em alguns estados americanos, transações monetárias acima de uma determinada quantia não podem ser feitas em dinheiro vivo.
Os governos falam que estão fazendo isso para o nosso próprio bem e segurança. A justificativa clássica é o combate ao crime e ao terrorismo. Mas o objetivo prático é o controle do cidadão. A maneira mais efetiva e prática de controlar as pessoas é abolir as transações monetárias em dinheiro vivo.
Minhas duas filhas, que ainda são crianças, provavelmente jamais irão a um banco quando forem adultas. Mas também jamais irão a uma agência dos correios. Esse é o lado positivo dessa tecnologia: ela nos livra de chateações e aborrecimentos. Mas isso também é bom para o governo.
Com a internet, os computadores e os smartphones mudando todas as relações e interações que conhecemos, o dinheiro facilmente será convertido para uso exclusivo na forma de dígitos eletrônicos. Isso ainda levará algum tempo para ser completamente feito, especialmente nos países menos desenvolvidos, nos quais a penetração tecnológica ainda é baixa, o grau de bancarização é pequeno, e as transações monetárias ainda são em grande parte feita com dinheiro vivo. Mas o futuro será este.
E quando ele chegar, os governos ficarão muito felizes. Sua sanha arrecadatória e seu desejo por controle serão incrivelmente facilitados.
Será, sem dúvidas, um mundo bastante diferente. E, creio eu, com menores liberdades individuais.
Gary North, economista e historiador
Discordo do senhor Rogers quanto ao seu temor de que haverá perda de privacidade e de liberdade devido ao uso maciço de computadores, smartphones e dígitos eletrônicos.
Penso exatamente o contrário dele. Creio que as liberdades individuais irão aumentar por causa do uso maciço de computadores, smartphones e dígitos eletrônicos.
Ele acredita que os governos podem se beneficiar por serem capazes de saber onde estamos gastando nosso dinheiro. Já eu creio que isso é irrelevante, a menos que o governo esteja especificamente monitorando uma pessoa. O volume de dados digitais só faz aumentar diariamente, e a capacidade de burocratas do governo monitorar tudo isso e manter um controle efetivo é declinante.
Sim, transações eletrônicas facilitam a coleta de impostos pelos governos. Mas isso já é assim desde a popularização dos cartões de crédito e débito. Aliás, já é assim desde o uso de cheques. Neste quesito específico, não houve nenhuma alteração que implicasse uma maior perda de liberdade individual.
Rogers vive em Cingapura. Cingapura é uma cidade grande. Mas seu crescimento populacional futuro será limitado por fatores geográficos. Por isso, eu sempre preferi viver em um país grande e com uma população crescente. Um país grande e com população crescente significa que sempre há como você se manter longe dos burocratas do estado.
O crescimento populacional representa um tremendo benefício para a liberdade. Significa que os burocratas têm de monitorar um número grande e crescente de pessoas. Quanto mais pessoas a serem monitoradas, mais difícil é para o governo policiar e controlar a economia. Vide a China e a Índia. O volume de liberdade na China hoje é vastamente superior do que era há 30 anos. A liberdade econômica da Índia é hoje maior do que era há duas décadas (não obstante a lambança feita pelo governo com a moeda). O mesmo é válido para a riqueza per capita desses dois países.
A liberdade, em todo e qualquer lugar, é esmagada majoritariamente por burocratas incompetentes. Essas pessoas estariam desempregadas não fosse o governo. A burocracia e o serviço público favorecem promoções automáticas para essas pessoas. Os incompetentes ascendem ao topo da hierarquia. E é isso o que essa gente realmente quer: subir na hierarquia para ter maiores salários e aposentadorias. São meros carreiristas.
Ao passo que a característica inerente ao livre mercado é permitir que os melhores e mais criativos cheguem ao topo, a característica inerente ao serviço público é elevar a autoridade dos ineficientes e incompetentes. Como exatamente isso é uma ameaça para liberdade?
Portanto, teremos o seguinte arranjo: de um lado, cada vez mais pessoas produzem cada vez mais dados digitais. Trata-se de um crescimento exponencial. De outro, burocratas carreiristas, sonâmbulos, ineficientes e incompetentes — e, acima de tudo, em número limitado —, terão de monitorar esses dados que crescem exponencialmente. Este não é exatamente um arranjo propício ao controle autoritário.
Mesmo a capacidade do governo de impingir suas regulações será afetada pela tecnologia. Sim, o governo continuará criando várias regulações. Mas sua capacidade de realmente executá-las sempre será limitada pelo número de burocratas dispostos a ir a campo e realmente fazer isso. Isso varia de país para país, e de mentalidade para mentalidade. Mas, com a tecnologia, driblar as imposições dos burocratas será algo cada vez mais fácil.
Rogers acredita que, no futuro, viveremos em um mundo “com menores liberdades individuais”. Já eu creio que será exatamente o oposto. Com a difusão da tecnologia, você terá acesso a inúmeras informações a custos cada vez menores. Por meio da internet, você poderá educar seu filho em casa, gratuitamente. Mesmo hoje já há vários programas gratuitos de aprendizagem via internet (como por exemplo a Khan Academy). Basta os pais entrarem na internet, fazerem o download do material curricular e seguirem as instruções.
Em meu conceito, as liberdades são fundamentalmente definidas pelo número de escolhas que tenho disponíveis para mim. Neste quesito, tenho a total confiança de que terei um número muito maior de escolhas daqui a 10 anos do que tenho hoje (caso eu ainda esteja vivo). O número de serviços básicos que estarão disponíveis via aplicativos de smartphone será vastamente superior. Consequentemente, não só a facilidade de se conseguir serviços será maior, como também a concorrência de preços será intensa.
E a concorrência de preços não só beneficia o consumidor, como é uma característica precípua de maior liberdade individual. E a concorrência de preços, por causa da tecnologia, está aumentando. Hoje, podemos comparar preços sem sair de casa.
Acesse o site da Amazon e do E-Bay [ou do Mercado Livre] e você poderá ler, gratuitamente, milhares de opiniões sobre milhões de produtos e vendedores. Dificilmente você fará um negócio às escuras. Você saberá exatamente com quem está lidando. O custo da informação está caindo, e a informação é o bem mais crucial de uma sociedade livre.
Se há algo que está aumentando em quantidade, e que também está diminuindo de preço, esse algo é o custo da informação correta. Essa é a característica precípua de uma sociedade livre. E está sendo permitida pela tecnologia. E burocratas do governo não conseguirão reverter isso.
Eis a minha conclusão: quanto mais pessoas no mundo, maiores serão as inovações. Está ficando cada vez mais barato para pessoas espertas e inteligentes terem acesso a uma boa educação e a informações gratuitas. A revolução dos smartphones e dos serviços via aplicativos trará bilhões de pessoas do mundo subdesenvolvido para o mundo moderno. Pelo menos 4% dessas pessoas (regra de Pareto) serão realmente produtivas. Isso irá levar a um aumento da liberdade ao redor do mundo.
Ao mesmo tempo em que a liberdade aumentará, a autoridade dos burocratas incompetentes e ineficientes irá diminuir. A proporção de burocratas ineficientes para empreendedores eficientes irá diminuir. Isso é ótimo para a liberdade.
(Jim Rogers e Gary North)
Texto originalmente publicado em: https://www.mises.org.br/article/2637/afinal-a-expansao-da-tecnologia-ira-aumentar-ou-diminuir-o-controle-do-estado-sobre-o-individuo