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A cédula de R$ 200 não é o problema; a inflação é (com dados atualizados)

A chegada do lobo-guará está distraindo o público do verdadeiro problema: o tamanho do estado

Nota do Editor

Já está acontecendo.

A Associação Brasileira de Supermercados (Abras) afirmou em nota que o setor tem sofrido “forte pressão” por aumentos de preços de itens da cesta básica. 

Os preços dos alimentos cobrados pelos produtores estão em forte ascensão, e os supermercados estão segurando ao máximo este repasse de preços.

Em uma ação inédita, as varejistas passaram a expor publicamente a indústria de alimentos em redes sociais, numa estratégia para tentar evitar a percepção de ser o “vilão” dos aumentos.

A maior pressão está em itens como arroz, feijão, leite, carne e óleo de soja “com aumentos significativos”. 

Eis um trecho da nota divulgadas pela Abras:

O setor supermercadista tem sofrido forte pressão de aumento nos preços de forma generalizada repassados pelas indústrias e fornecedores. Itens como arroz, feijão, leite, carne e óleo de soja com aumentos significativos. 

Conforme apuramos, isso se deve ao aumento das exportações destes produtos e sua matéria-prima e a diminuição das importações desses itens, motivadas pela mudança na taxa de câmbio que provocou a valorização do dólar frente ao real. 

Somando-se a isso a política fiscal de incentivo às exportações, e o crescimento da demanda interna impulsionado pelo auxílio emergencial do governo federal.

Reconhecemos o importante papel que o setor agrícola e suas exportações têm desempenhado na economia brasileira. Mas alertamos para o desequilíbrio entre a oferta e a demanda no mercado interno para evitar transtornos no abastecimento da população, principalmente em momento de pandemia do novo coronavírus (covid-19).

O setor supermercadista tem se esforçado para manter os preços normalizados e vem garantindo o abastecimento regular desde o início da pandemia nas 90 mil lojas de todo o país.

Como consequência, o presidente Jair Bolsonaro pediu “patriotismo” aos donos de supermercado e que baixassem os preços.

O presidente errou completamente alvo (inaceitável para quem serviu no Grupo de Artilharia). O inimigo está ao lado dele.

Para quem acompanha este Instituto, nada diss é surpresa. A alta está sendo causada por aquele exato fenômeno que sempre foi por nós alertado: a política monetária insensata (e, nos últimos meses, insana) praticada pelo Banco Central, a qual causou uma brutal desvalorização da moeda e, consequentemente, incentivou os produtores de alimentos a mandarem boa parte da sua produção para o exterior.

Segundo a reportagem do jornal Valor Econômico, os produtores de alimentos “alegam que se trata de reajustes por conta de oferta e demanda, portanto, práticas naturais de mercado […]. Ainda, afirmam que a escalada do dólar, que eleva o preço global dos alimentos, ocorre em todos os mercados, e as empresas têm que se adequar a isso.”

A Abras está em seu direito de reclamar do aumento dos preços cobrados pelos produtores de alimentos. Mas os produtores estão corretos em sua atitude de reajustar preços. Eles estão apenas se adequando às condições monetárias do mercado. A real culpa está em quem gerencia a moeda, e não em quem produz.

Ademais, os aumentos de preços não estão apenas no setor alimentício. O setor de metais industriais também tem batido recordes, assim com todos os itens da construção civil.

O artigo abaixo já alertava que isso aconteceria. À época em que ele foi publicado, a mídia noticiava apenas a cédula de R$ 200, sem analisar as reais causas do surgimento dela. Só agora começaram a se atentar para o fato. Por isso, estamos republicando o artigo, agora com os dados atualizados.

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Enxadristas utilizam costumeiramente a manobra de diversionismo, cujo propósito é “distrair” o adversário e induzi-lo a desguarnecer uma casa vital para o desenrolar do jogo. Apresenta-se como ameaça imediata, mas muitas vezes revela-se inócua.

Na política e na comunicação institucional, é equivalente ao ‘factoide’. 

Não é um fato determinante em si, mas parece. Muitas vezes os factoides são lançados por políticos, tal qual um balão de ensaio, com o mesmo objetivo da manobra de diversionismo no xadrez. 

Outras vezes são autogestados por uma percepção pública equivocada.

Este último é o caso da vindoura cédula de R$ 200, que estampará a imagem do lobo-guará. Tão logo foi anunciada, a medida foi tachada pelos críticos do governo como prenúncio de futura inflação. Isso é falso

Na realidade, confundiu-se causa e consequência.

A nova cédula é apenas consequência do que já ocorreu

A inflação de preços chegou antes do lobo-guará. 

O índice de preços ao produtor amplo (IPA) — que mede essencialmente a variação dos preços dos produtos agropecuários e industriais nas transações interempresariais, ou seja, nos estágios de comercialização anteriores ao consumo final— subiu 3,75% apenas no mês de agosto. E isso após ter subido 3,14% em julho.

Eis um gráfico da evolução dos preços mensais:

IPA-M.png

Gráfico 1: IPA mensal

Perceba que o atual valor mensal é o maior desde 2003.

No acumulado de 12 meses, a alta é de impressionantes 18,15%, como mostra o gráfico a seguir, que está no formato de média móvel de 12 meses (o valor na coluna da esquerda se refere a valores mensais; para saber o valor acumulado a cada 12 meses, basta elevar o valor da coluna da esquerda ao expoente 12. Assim, o atual valor de 1,4 significa uma inflação de preços de 18,15% em 12 meses (1,0112ˆ12). 

IPAmediamovel.png

Gráfico 2: evolução mensal do IPA (média móvel acumulada em 12 meses)

O IPA é um dos componentes do IGP-M, que é o índice que serve usualmente como indexador de reajuste de aluguéis, dos planos de saúde, da mensalidade de escolas, de energia elétrica e de telefonia. 

O IGP-M, por sua vez, apura preços de cerca de 1.400 itens, ante 350 apurados no IPCA, que é o índice oficial utilizado pelo Banco Central para balizar sua política monetária.

Em janeiro, o mercado estimava um IGP-M de 4,3% para todo o ano 2020. No entanto, de janeiro até julho, o IGP-M já apresenta alta de 6,7%. 

Quando olhamos exclusivamente os produtos agrícolas, é possível constatar que a carestia está se acelerando fortemente. O gráfico a seguir mostra a média móvel acumulada em 12 meses da evolução do índice de preços dos produtos agrícolas no atacado. No acumulado de 12 meses, a alta de preços foi de 28%. 

IPAOG.png

Gráfico 3: taxa de variação de preços dos produtos agrícolas no atacado (média móvel acumulada em 12 meses).

Mas não são só os produtos agrícolas. Os metais industriais também estão apresentando uma forte aceleração de preços. O gráfico a seguir mostra a evolução desses preços.

Metais.png

 Gráfico 4: evolução dos preços do metais industriais

Causas

As causas dessa carestia são basicamente duas.

1) A forte desvalorização cambial vivenciada pelo real perante o dólar (que saltou de R$ 4,02 no fim de 2019 para os atuais R$ 5,30) não só encareceu diretamente a importação de insumos industriais, como também estimulou enormemente a exportação de alimentos (ver também aqui). Quanto mais exportação de alimentos, menor a oferta no mercado interno. 

2) A vigorosa criação de moeda feita tanto pelo governo brasileiro quanto pelos governos ao redor do mundo, como forma de tentar combater os efeitos recessiva da pandemia de Covid-19, está estimulando a demanda.

O gráfico a seguir mostra a evolução do M1 (papel-moeda em poder do público mais saldos em conta-corrente) no Brasil. 

M1.png

Gráfico 5: evolução do M1 (papel-moeda em poder do público mais saldos em conta-corrente) no Brasil até junho de 2020

Um aumento de quase 50% na quantidade de moeda em apenas 12 meses. É inflação de gente grande. É inflação de Argentina. Mas a cédula de R$ 200 é quem figura proeminente no noticiário.

Distrações 

O público, distraído, permanece com foco no IPCA. Meta oficial de inflação há décadas, deixou de ser um bom medidor da carestia sofrida pelo brasileiro comum, ao ser manipulado por desonerações e outros truques. O exemplo clássico ainda é o do governo Dilma: de 2012 a 2014, o IPCA se manteve artificialmente baixo por causa do congelamento do preço da gasolina e por reduções artificiais de até 25% no preço da energia elétrica.

Analistas apontaram nos últimos dias que R$ 100 no início do Plano Real compravam 100 dólares e hoje compram apenas 19 dólares, e que a cesta básica em São Paulo custava R$ 68 em 1994, ante mais de R$ 550 hoje (o que é um fato). (O grama do ouro custava 12 reais e hoje custa 330 reais; e, de acordo com o IPCA acumulado, algo que custava 100 reais custa hoje 621 reais)

Porém, poucos mencionaram o aumento brutal da moeda em circulação (gráfico 5) promovido pelo Banco Central, o qual se intensificou ainda mais a partir de março, quando a oferta monetária passou de R$ 410 bilhões em fevereiro para R$ 550 bilhões em julho, aumento superior a 30%.

auxílio emergencial contribuiu para essa recente disparada, bem como o entesouramento — em épocas de enorme incerteza econômica, como a atual, as pessoas preferem ter em mãos moeda em espécie.

Com a demanda crescente por moeda durante a pandemia acompanhando a oferta, é natural que a inflação de preços ao consumidor leve um tempo para se manifestar de forma mais vigorosa no índice agregado de preços (IPCA)

A queda nos preços da gasolina (por causa da forte queda no barril de petróleo), da energia elétrica (por causa da redução do consumo das empresa e de desonerações dos governos estaduais) e das mensalidades escolares também está ajudando enormemente a segurar o IPCA.

No entanto, isso pode mudar rapidamente assim que a demanda por moeda volte aos níveis normais. E os preços dos alimentos — setor no qual não houve contenção do consumo — são um bom indicativo.

O lobo-guará é uma mera consequência

O problema, já está claro, não está nas novas cédulas de R$ 200. Estas são apenas consequência da expansão monetária, que já está em curso antes mesmo delas. A inflação de preços derivada dessa expansão monetária é um imposto invisível, que pune particularmente os mais pobres.

saudoso Joelmir Beting dizia que “a economia, ciência severa da escassez, enquadra a política, utopia alegre da abundância”. Infelizmente, a política populista atual prevalece sobre o conhecimento econômico.

A chegada do lobo-guará está distraindo a opinião pública do verdadeiro problema: os gastos do estado.

Toda a expansão monetária está sendo feita exatamente para possibilitar a manutenção dos gastos do estado, os quais agora foram inchados pelo Orçamento de Guerra criado para combater os efeitos da Covid-19.

A subida dos índices de preço enfatiza a urgência do controle de gastos públicos, mesmo diante de todas as dificuldades causadas pela pandemia. Sim, a causa fundamental de toda essa expansão monetária é o tamanho dos gastos públicos. Não se trata, obviamente, de reduzir o apoio aos mais necessitados, mas de acelerar as privatizações, a reforma administrativa e o enxugamento da máquina. É preciso cortar desde já as duas rubricas que representam cerca de 80% do total: salários dos servidores e aposentadorias de forma geral.

O leitor pode se perguntar: “A inflação está aumentando ou é impressão minha?”. Atenção ao factoide diversionista: a impressão é do BC mesmo.

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Por Helio Beltrão

Publicado originalmente em: https://www.mises.org.br/article/3279/a-cedula-de-r-200-nao-e-o-problema-a-inflacao-e-com-dados-atualizados

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