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Os quatro fatores que criaram a inflação do algodão

Ninguém come algodão, por isso a alta desse produto passa desapercebida. Mas há risco. Verificada a partir de agosto – e assustando a indústria têxtil -, sua valorização foi catapultada por uma gangorra nos preços. O valor do quilo da pluma está até inferior ao verificado antes do início da pandemia, mas com o mercado instável, o preço de agosto teve reajuste de 8% em relação a julho. E, pior, dentro do mês a variação foi de até 17,8%. Em 27 de agosto, o quilo da pluma desencaroçada e prensada atingiu R$ 7,42, de acordo com o índice do Centro de Pesquisas Econômicas da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Cepea/Esalq), da USP, referência do setor. No primeiro dia útil do mês passado, estava em R$ 6,30. Então qual é o problema? Eis os quatro fatores determinantes para a aceleração do preço do produto – e que podem fazê-la sumir em pouco tempo.

1 – 70% da produção para exportação

A previsão é de que 70% da atual safra seja destinada ao mercado externo. Desde a safra 2014/15 que o algodão tem sua produção voltada mais para exportação do que à indústria nacional. Por ser uma commodity, é normal que o dólar dite seu valor final e, com o mercado externo sendo o maior comprador, esse peso aumenta ainda mais. Na comparação, o arroz tem cerca de 13% de sua produção destinados à exportação. Já atual produção de algodão, cuja colheita foi encerrada na última quarta-feira (16), foi a maior da história, alcançando 2,9 milhões de toneladas, com incremento de 4,2% em relação à safra anterior. A área plantada foi a maior desde 1991, com 1,66 milhão de hectares. Segundo Júlio Cezar Busato, presidente da Associação Baiana dos Produtores de Algodão (Abapa), cerca de 2 milhões de toneladas devem ser destinados à exportação e 600 mil ao mercado interno. “As outras 300 mil toneladas vão ficar estocadas para venda junto com a próxima safra”, avisa. Apesar do excedente, não há previsão de queda no preço interno. “O que vai acontecer é que na próxima safra, a área plantada será reduzida em cerca de 12%”, explica o representante dos cotonicultores da Bahia, estado que tem a segunda maior produção do país, atrás do Mato Grosso.

2 – Fibras sintéticas mais baratas

Apesar do cenário positivo das exportações nos 12 meses encerrados em agosto, com alta de 45,4%, maio e junho apresentaram retração de 7,9% e 16,4%, respectivamente, em relação aos mesmos meses de 2019, de acordo com dados da Fundação Getúlio Vargas (FGV). E essa variação é sensível para qualquer cultura. “Alguns contratos [de exportação] foram postergados. Diminuiu a liquidez interna e externa. E os agentes tiveram de derrubar o preço aqui porque estava sobrando produto”, explica Lucilio Rogério Alves, professor e pesquisador da Esalq. Além da retração provocada pela pandemia, a menor demanda por algodão no primeiro semestre tem relação com a queda do preço do petróleo entre março e abril, na avaliação de Felippe Serigati, coordenador do mestrado em Agronegócio da FGV. “O algodão concorre com fibras sintéticas, que ficaram mais baratas por causa da queda do preço do petróleo. Por isso o valor do algodão foi afetado”, diz. Com a demanda externa incerta, o preço do algodão recuou 11,44% entre março e maio, até bater os R$ 6,31 o quilo.

3 – “O mercado interno desapareceu”

“A demanda no mercado interno desapareceu”, afirma Serigati, da FGV. Dados compilados pela fundação mostram que a produção da indústria têxtil caiu 30,8% entre janeiro e julho, na comparação com igual período de 2019. Já as vendas de tecido, vestuário e calçados tiveram uma contração de 37,6%. Isso explica a razão de a indústria têxtil não ter aproveitado a acentuada baixa registrada em abril e, principalmente, no mês seguinte. “Em maio, o preço doméstico ficou 23% inferior ao que seria obtido em caso de exportação. O mercado precisava se ajustar”, comenta Lucilio Alves, para explicar o aumento de agosto, impulsionado pela volta da demanda externa. “Essa disparidade entre os mercados interno e externo nunca tinha sido observado nos últimos 20 anos, pelo menos”, acrescenta o professor da Esalq. Com o mercado parado, o setor de vestuário apresentou deflação de 3,2% no acumulado do ano, até agosto.

4 – O preço das roupas

Nos cálculos da indústria têxtil, o valor do algodão nos patamares de março pode criar um impacto de até 0,7% no preço das roupas que utilizam o material. “Nós estamos vivendo um momento de muita fricção nos elos da cadeia de produção”, afirma Fernando Pimentel, presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit), sobre a tensão entre a indústria e os produtores justamente no momento que se espera uma recuperação. Pimentel afirma que se a cadeia produtiva não absorver o aumento no custo, o consumidor pagará mais na coleção primavera/verão. “Agora o comércio está fazendo promoção para desovar o estoque”, afirma.

As coisas devem se ajeitar

No entanto, Pimentel faz questão de destacar que não haverá falta de algodão para o mercado interno. Afinal, a produção foi recorde. Depois da disparada de agosto, o valor do algodão deu uma leve recuada: abriu setembro a R$ 7,34 o quilo no índice Cepea/Esalq e, nessa sexta-feira (18), estava cotado a R$ 6,82 – um recuo de 6,96%. “Religar a economia não é como acender uma lâmpada. Demora um pouco até tudo se arrumar”, diz.

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