Alguns conceitos básicos sobre liberdade de associação e direito de exclusão
Três perguntas:
- Pode uma empresa ter a liberdade de contratar quem ela quiser?
- Pode uma empresa ter a liberdade de decidir contratar apenas negros, recusando-se a contratar brancos?
- Pode uma empresa ter a liberdade de decidir contratar apenas brancos, recusando-se a contratar negros?
As três perguntas são absolutamente idênticas. A segunda e a terceira são um mero corolário da primeira.
Se a sua resposta não foi exatamente a mesma para todas elas, então você ignora o básico sobre lógica.
Se você respondeu “não” para alguma delas, então você realmente ignora o básico sobre liberdade e propriedade privada.
E se você não percebeu que todas as três inevitavelmente envolvem discriminação e exclusão, você ainda não entendeu o básico sobre a vida.
Você é um grande discriminador
Você próprio está, a todo momento, praticando discriminação e exclusão. E não há absolutamente nada de errado nisso.
A todo o momento, você está fazendo juízos de valor em prol de uns e em detrimento de outros. Diariamente, você exerce seu direito de excluir, e sua liberdade de associar com quem você quer.
Quando você seleciona suas amizades, você discrimina. Quando você escolhe parceiros sexuais, você exclui. Quando você escolhe com quem quer se relacionar afetivamente e profissionalmente, você exclui e discrimina.
Quando você dá uma festa em sua casa, você é criterioso ao selecionar os convidados: algumas pessoas serão atenciosamente convidadas e outras serão necessariamente excluídas. Quando você escolhe ir a uma churrascaria, você está excluindo todos os outros restaurantes ao seu redor. Isso é discriminação. Você está excluindo os proprietários e funcionários de todos estes outros restaurantes.
Quando uma pessoa de esquerda, que se jura imune a todo e qualquer tipo de preconceito, escolhe suas amizades de acordo com a ideologia dos escolhidos (algo que praticamente todo o mundo faz hoje), ela está excluindo e discriminando.
Excluir e discriminar é algo central à organização de todos os aspectos da vida.
Por que, então, empreendedores e proprietários de empresas não podem ter este mesmo direito?
A liberdade de associação tem de ser plena
Se os administradores de uma empresa decidirem contratar apenas brancos, eles têm de ser livres para tal.
Se quiserem contratar apenas negros, idem.
Uma empresa tem tanto direito de contratar apenas brancos quanto de contratar apenas negros. E tem todo o direito de se recusar a contratar brancos ou negros.
Agora, troque “brancos” e “negros” na frase acima por homens, mulheres, heterossexuais, homossexuais, transgêneros, não-binários, católicos, protestantes, judeus, muçulmanos, ateus, ruivos, loiras, anões, deficientes, obesos, anoréxicos etc. — e tudo continua perfeitamente válido.
Progressistas geralmente defendem toda e qualquer lei anti-discriminação. Conservadores são mais inconsistentes. Embora se oponham a algumas leis anti-discriminação, eles geralmente apoiam lei contra discriminação por raça, religião, nacionalidade, cor, idade ou sexo.
Neste quesito, portanto, progressistas são mais consistentes. E mais errados.
O que, então, um genuíno libertário tem a dizer sobre o tema da discriminação? A posição libertária sobre discriminação é simplesmente esta:
Dado que a discriminação — contra qualquer indivíduo, por qualquer critério e por qualquer motivo — não representa agressão física, força, coerção, ameaça ou violência, então o governo jamais deve proibi-la, tentar impedi-la ou punir qualquer indivíduo que a faça.
Agora, é óbvio que isso não significa que algum ou todos os atos de discriminação sejam necessários, justificados ou justos.
Significa simplesmente que, no que tange à lei, se um ato de discriminação ocorre por causa de estereótipos ou por preconceitos, é irrelevante. Se um ato de discriminação ocorre por racismo ou por sexismo, é desimportante. Se um ato de discriminação é tido como injusto ou insensato, é imaterial. E se um ato de discriminação é desarrazoado ou irracional, não faz diferença.
Não havendo violência física, coerção ou ameaça de violência e coerção, não há crime. O ato pode até ser considerado imoral, mas não é crime. Ninguém deve ser enjaulado (destituído de sua liberdade) ou multado (destituído de sua propriedade) em decorrência de um ato sem crime.
Logo, voltando ao ponto principal, empregadores devem ter o direito de discriminar candidatos a uma vaga de emprego de acordo com qualquer critério que eles próprios voluntariamente estabelecerem. Assim como eles devem ter o direito de contratar apenas negros, eles também podem perfeitamente optar por contratar apenas brancos. E não só. Eles devem ter o direito de discriminar quaisquer candidatos com base em altura, peso, idade, deficiências, incapacidades, cicatrizes, pelos faciais, raça, cor, tez, tatuagens, cor do cabelo, estilo do cabelo, piercings, vestimentas, odores, beleza, higiene e tudo o mais relacionado à aparência.
Eles devem ter o direito de discriminar livremente candidatos de acordo com qualquer motivo e por qualquer critério.
Proibir a discriminação no emprego significa atentar contra a liberdade de associação, a liberdade de pensamento, a propriedade privada, a livre iniciativa e o livre mercado.
Todas as leis anti-discriminação devem ser abolidas, tanto as relacionadas a emprego como todas as outras.
Leis anti-discriminação não deveriam ter lugar em uma sociedade livre.
Em uma sociedade verdadeiramente livre:
- Quem (sexo, cor, idade, religião, preferência sexual, altura, peso, cor do cabelo) uma determinada empresa contrata, e o porquê, não é assunto para o governo legislar.
- Se as empresas adotarão ou não políticas de ação afirmativa não é assunto para o governo legislar.
- O salário que as empresas irão pagar a esses seus empregados não é assunto para o governo legislar.
- Se e quais benefícios as empresas irão oferecer a seus empregados não é assunto para o governo legislar.
- Quais as normas de vestuário estipuladas pelas empresas para seus funcionários não é assunto para o governo legislar.
- Quem uma determinada empresa pretende agradar com sua política, e o porquê, não é assunto para o governo legislar.
Em uma sociedade verdadeiramente livre, estas coisas não são assunto para o governo legislar. Quem irá chancelar as escolhas das empresas, e legislar por meio de suas decisões de comprar ou de se abster de comprar, são os consumidores.
Se os consumidores apoiarem as medidas adotadas por uma empresa, irão fazer negócios com ela. Se não aprovarem, irão puni-la. E os concorrentes irão aproveitar.
Se um empregador decidir, sem qualquer razão aparente, que seus empregados devem ter uma determinada característica física (ou não devem tê-la), esse é o seu julgamento. Não é de mais ninguém. Se essa decisão for ruim, a concorrência vai se aproveitar desse erro, vai contratar as pessoas que foram rejeitadas e vai adquirir uma vantagem no mercado.
O soberano final é o consumidor e não o governo. O governo não pode ter o direito nem de obrigar uma empresa a fazer ou a deixar de fazer algo, nem de subsidiá-la, nem de protegê-la, nem de socorrê-la financeiramente.
Igualmente, em uma sociedade verdadeiramente livre, se alguém não gosta do salário ou dos benefícios oferecidos por uma empresa, da norma de vestuário que ela impõe, ou da política discriminatória que ela pratica, esse alguém é livre para ir trabalhar para outra empresa.
Se alguém não gosta das políticas adotadas por uma empresa, ou mesmo de seu posicionamento político, ele é livre para ir fazer negócio com os concorrentes.
Se alguém não gosta das políticas trabalhistas ou de ação afirmativa adotadas por uma empresa, esse alguém é livre para não ser cliente dela e ir comprar nos concorrentes.
As reações dos consumidores às decisões de uma empresa — sejam elas positivas ou negativas — são parte do livre mercado em funcionamento. Se as decisões das empresas irão ajudá-las, prejudicá-las ou não terão impacto nenhum, é algo que ainda está para ser visto. Mas quem irá decidir é o consumidor.
Não é realmente complicado.
O direito de excluir é central à civilização
Assim como empregadores devem ter a liberdade de contratar por qualquer razão, eles também devem ter a liberdade de demitir por qualquer motivo. Ou mesmo sem motivo. Eles podem ser preconceituosos, fanáticos ou ter uma capacidade falha de julgamento — mas o julgamento deve ser feito pelo empregador.
O mesmo é válido para os empregados. Eles podem sair do emprego quando quiserem, e por qualquer razão — inclusive por discriminarem alguma característica do patrão.
Isso é a liberdade.
A maneira como uma pessoa utiliza seu direito de se associar com quem ela quer (o que necessariamente significa o direito de não se associar) é uma questão de escolha individual. E uma escolha individual é profundamente influenciada pelo contexto cultural. Que uma pessoa tenha o direito de fazer esta escolha por conta própria é algo que não pode ser negado por ninguém que acredita na liberdade.
O direito de excluir não é fortuito e secundário. Trata-se de algo central ao funcionamento da civilização. Trata-se de algo central à organização de todos os aspectos da vida.
Se este direito for negado, o que recebemos em troca? Coerção e compulsão. Pessoas serão forçadas pelo estado a conviver diariamente sem que ambas queiram, com um grupo sendo forçado sob a mira de uma arma a atender às demandas de outro grupo. Isto é servidão involuntária, algo proibido por qualquer constituição minimamente civilizada.
Presume-se que qualquer povo que valorize a liberdade seja contra isso.
A liberdade é como a vida: ou ela existe ou não existe. Decompô-la e fatiá-la de acordo com prioridades políticas é excessivamente perigoso. É exatamente esta imposição política o que gera divisão social, cria um poder arbitrário e impõe uma forma de escravidão.
Entregar ao governo o dever de regular os “termos” de qualquer tomada de decisão é algo que deveria gerar calafrios. Isso significa presumir que políticos e burocratas têm não só o direito mas também a capacidade de ler mentes, como se eles pudessem saber ao certo as reais motivações por trás de cada ação, independentemente de qual seja a alegação do tomador de decisão.
Para concluir
Assim como não se deve exigir que o estado imponha cotas (raciais, sexuais, etárias etc.) para empresas, não se pode invocar o estado para proibir que uma empresa contrate apenas quem ela quer. Ambos atentam contra a liberdade de associação.
Se você dá ao estado o poder de obrigar os outros a aceitarem seus valores, também está dando a ele o poder de lhe obrigar a aceitar os valores alheios em algum momento futuro. Dar ao estado o poder de fazer coisas que você aprova necessariamente significa dar ao estado o poder de fazer coisas que você não aprova; e dar ao estado o poder de restringir comportamentos que você desaprova significa dar ao estado o poder de restringir comportamentos que você aprova.
Pegando um exemplo de outra área, qualquer governo com o poder de confiscar o dinheiro de um ateu para entregá-lo à minha igreja é também um governo que tem o poder de confiscar o meu dinheiro para entregá-lo a organizações abortistas. Quando utilizamos de força para restringir a liberdade de terceiros, estamos colocando a nossa própria liberdade em perigo.
É por isso que os libertários devem se opor a toda e qualquer política que represente um ataque à liberdade de associação, por mais bem envolta que tal política esteja no linguajar das boas intenções.
Deixe uma empresa contratar quem ela quiser. E então, caso desaprove, utilize o mercado para aplicar as suas sanções.
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Laurence Vance
Publicado anteriormente em: https://www.mises.org.br/article/3295/liberdade-significa-ter-o-direito-de-discriminar