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O CEO que fez um detox digital

Dizem que o primeiro passo necessário para se livrar de um vício é admiti-lo. Tenho um grande amigo, por exemplo, que lutou contra o alcoolismo durante muito tempo e só deu um passo certeiro para superar seu problema quando entendeu que estava diante de uma dependência química. Problemas com drogas e bebidas são percebidos com certa facilidade pela sociedade. Mas e quando o vício tem a ver com um aparelho que todos carregam consigo – o smartphone?

O celular nos proporciona uma conectividade imediata com vários universos: redes sociais, notícias, e-mail, mensagens instantâneas e por aí vai. Através destes aparelhos, podemos ficar ligados em todos os aspectos do mundo profissional ou de nosso universo particular. Estamos acessíveis o tempo todo e temos de administrar prioridades o tempo todo, o que gera estresse e desgaste emocional.

Esta compulsão nos faz abrir o smartphone a cada instante. Qualquer pausa é motivo para verificar as últimas notícias, checar as mensagens do nosso grupo favorito de WhatsApp ou responder um e-mail de trabalho.

Ao final do dia, bate o cansaço, mas a ansiedade nos faz esticar o expediente e tentar resolver todos os problemas que nos são apresentados através do mundo digital. O resultado de tudo isso é que nossa mente não desliga, o que fatalmente pode gerar uma fadiga de material.

Quando isso ocorre, os efeitos físicos do estresse mental são violentos. Foi o que aconteceu com Laercio de Albuquerque, CEO da Cisco no Brasil. Os sintomas de esgotamento se manifestaram de maneira inconfundível: um forte pico de arritmia e um quadro de pressão alta. Foi parar no hospital e saiu de lá sem sintomas, mas com a plena consciência de que a razão que causou o piripaque foi ocupar sua cabeça com várias coisas ao mesmo tempo.

“Achava que o estresse era coisa para fracos”, diz Albuquerque. “Mas percebi que é algo que pode atingir a qualquer um”. Voltando para casa, resolveu tomar uma decisão radical: promover um verdadeiro detox digital em sua vida.

O plano era ambicioso: ficar um mês sem e-mail, WhastApp, redes sociais e tudo que pudesse ser acessado via celular. Além disso, comprometeu-se em não assistir televisão. Dessa forma, ele passou cinco semanas sem se conectar com o trabalho ou com as pessoas através do telefone.

Antes de colocar o plano em prática, no entanto, ele teve de se planejar. Comunicou sua intenção ao seu superior imediato, de quem teve apoio irrestrito, e delegou todas as suas tarefas para colegas da Cisco. Ao mesmo tempo, família e amigos foram avisados de que ele estaria fora do ar. Qualquer emergência teria de ser comunicada a sua mulher, que se transformou no único vínculo com o mundo lá fora.

Conforme desligou todas as formas de comunicação digital, ele experimentou uma forte síndrome de abstinência. “Tive pesadelos nos primeiros dias”, lembra. “Sonhava que estava perdendo alguma reunião ou não sabendo de alguma informação que seria cobrada de mim mais à frente”. Provavelmente, o cérebro de Albuquerque não se conformou com o corte abrupto na alimentação constante de informações e passou a trabalhar o inconsciente para demonstrar a sua insatisfação.

Com o tempo, entretanto, ele foi se acostumando e dominando sua mente. “É libertador usar a conectividade e não ser escravo dela”, afirma. Depois do prazo combinado, ele ligou o celular de volta e constatou que havia 2 000 e-mails não respondidos. O que fez neste instante? “Essas mensagens continuaram sem resposta”, recorda-se. “E, daqui para frente, farei pequenas sessões de detox para manter o meu equilíbrio mental”.

O Brasil destaca-se no mundo pela avidez com a qual seus cidadãos gastam seu tempo pendurados no ambiente online. A média de uso mundial é de 6 horas e 42 minutos. Os brasileiros, porém, usam 9 horas e 29 minutos diários para usar a internet. Como estamos falando de uma média, é razoável pensar na existência de pessoas que passem 14 ou até 16 horas conectados na rede.

Todos conhecemos indivíduos que seguramente percebem o uso exagerado dos recursos da rede. Mas quantos teriam a coragem de fazer algo como o que Laércio Albuquerque fez? Talvez não consigamos preencher os dedos de uma única mão, especialmente quando pensamos em quem está comandando as empresas. A valentia do CEO da Cisco, no entanto, é um exemplo para todos que estão a um passo da síndrome de Burnout – o temível distúrbio de esgotamento profissional. E, depois de seis meses seguidos de pandemia, talvez o número de estressados que sofrem em silêncio esteja batendo recordes. A essas pessoas, fica a dica: ninguém é de ferro. Ainda é tempo de evitar um problema de saúde mais sério.

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