A intenção de o governo utilizar recursos de precatórios e do Fundeb para financiar seu novo programa de assistência social criou uma celeuma entre os analistas econômicos. Para esses economistas, há um desvio de finalidade nesta estratégia e isso pode ser encarado como uma pedalada econômica. Como se sabe, um conceito semelhante foi utilizado para apear a ex-presidente Dilma Rousseff do poder e, assim, uma sensação de insegurança fiscal se instalou no ar.
Entretanto, a lógica que está por trás de qualquer pedido de impedimento não é exatamente um eventual erro cometido pelo presidente da República – e sim o tamanho da base do governo no Congresso Nacional. Além disso, há outro fator que se impõe nessas horas: os deputados estão confortáveis com a solução de transferência de poder? Caso não haja consenso, ninguém vota impeachment algum e tudo fica como estava antes.
Em relação a Dilma e a Fernando Collor, os dois mandatários viram suas bases parlamentares diminuírem consideravelmente quando seus processos de impedimento foram instaurados. Sem condições de lutar no Congresso, o resultado foi a queda pura e simples. Para evitar o início de tudo, seriam necessários apenas 171 votos contrários ao processo, ou um terço do total de deputados. Quem não tem nem essa base mínima para se manter no poder acaba indo ao chão.
Na esteira do escândalo que se seguiu às gravações do empresário Joesley Batista com o então presidente Michel Temer, também se protocolaram quatorze processos de impeachment no Parlamento.
Por que nenhum deles prosperou? Por uma razão simples. Naquele momento, o Congresso não conseguiu se unir em torno de um nome para substituir Temer. Como estávamos falando de um vice que havia assumido o poder, os parlamentares teriam de escolher um substituto caso o mandatário fosse impedido. Houve a discussão em torno de alguns políticos, mas nenhum se sobressaiu. Sem consenso, então, não houve impeachment.
Já nos casos de Dilma e Collor, os deputados abraçaram rapidamente os vices Temer e Itamar Franco. E as votações foram rápidas e sem grandes sobressaltos. Em relação ao vice de Dilma, o termo de assinatura de posse foi acompanhado por parlamentares amigos e houve até gritos de “Michel, Michel” depois que se oficializou a transição de poder.
Portanto, a questão é mais simples.
O que mantém um presidente no poder é sua capacidade de manter seus votos, não se ele fez alguma coisa errada. Durante a derrocada de Dilma, comentava-se que o motivo pelo qual se queria derrubá-la era fraco e torpe. De fato, não foi exatamente uma das causas mais fortes já utilizadas para apear um mandatário do poder, mas não deixava de ser algo errado diante da lei.
Ocorre que a verdadeira razão que levou a representante do PT à queda foi sua inabilidade política sua falta de sufrágios o Congresso. Hoje, quando se aponta o dedo da pedalada fiscal em relação ao uso de precatórios para pagar benefícios sociais, alguém consegue enxergar o governo Bolsonaro sem meros 171 votos para se manter no poder?
Com o engajamento que o Centrão mostra nas votações governamentais, a chance de isso correr neste momento é zero. Ou melhor, abaixo de zero. A não ser que o núcleo duro do governo comece a bombardear sua base política no Parlamento – um gesto que poderia ser encarado como suicídio político. Parece loucura, mas já aconteceu antes. A essa altura do campeonato, porém, Jair Bolsonaro parece ter deixado para trás a fase em que brigava com quem cruzasse seu caminho só pelo prazer de criar uma confusão.