Por Pedro Fonseca e Rodrigo Viga Gaier
RIO DE JANEIRO (Reuters) – A morte da vereadora carioca e ativista de direitos humanos Marielle Franco (PSOL), que denunciava abusos em ações da polícia em favelas do Rio de Janeiro, provocou comoção e protestos pelo país nesta quinta-feira, e o governo federal prometeu que os responsáveis serão encontrados e punidos.
A investigação do assassinato será comandada pela Polícia Civil do Rio, mas, de acordo com o ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, ela já está federalizada devido à intervenção federal na área de segurança pública do Estado.
“Tudo tem que ser apurado e, particularmente, saber quem foram os executantes, se existem mandantes e a quem estão relacionados e por que, além de puni-los”, disse no início da noite Jugmann a jornalistas no Centro Integrado de Comando e Controle, que fica a poucos metros do local do assassinato. “Temos que colocá-los na cadeia, seja quem for.”
Marielle, de 38 anos e criada no Complexo da Maré, foi morta a tiros na cabeça dentro do carro em que estava com outras duas pessoas por um atirador que disparou nove vezes de um outro carro, na noite de quarta-feira. O motorista do veículo da parlamentar também morreu, e uma assessora da vereadora ficou ferida.
O caso ocorreu no bairro do Estácio, na zona norte da capital fluminense, e o autor dos disparos fugiu sem levar nada. A motivação do crime está sendo investigada pela Divisão de Homicídios da Polícia Civil do Rio, inclusive a hipótese de execução.
“Vamos adotar todas as formas possíveis e impossíveis para dar uma resposta necessária e suficiente a esse caso gravíssimo”, disse o chefe da Polícia Civil, Rivaldo Barbosa. “Uma das possibilidades em análise sim é de execução… não descartamos nenhuma possibilidade. Foi um crime bárbaro que não vai ficar impune”, acrescentou.
Amigos e aliados da deputada viram características de uma execução no crime.
“Nós não temos conhecimento de nenhuma ameaça, a família não tem conhecimento de nenhuma ameaça, mas as características do assassinato são características muito evidentes de uma execução”, disse a repórteres o deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL), mentor político de Marielle.
Os caixões com os corpos da vereadora e do motorista foram carregados por autoridades, incluindo Freixo, depois do velório na Câmara Municipal do Rio, no centro da cidade. Os enterros ocorreram no final da tarde.
A morte da vereadora provocou atos em várias cidades do país contra o crime. No Rio, os protestos reuniram milhares de pessoas.
Logo pela manhã, uma multidão se reuniu em frente à Câmara Municipal do Rio para homenagear Marielle. O público de maioria feminina ocupou as escadarias do prédio, e muitas pessoas levaram cartazes com frases como “Marielle não se calará” e “Estão nos matando”.
“A trajetória de luta dela é o que dá força para gente continuar. O exemplo dela é o que dá força para a gente não abaixar a cabeça. A melhor forma de honrar toda a história da Marielle é, de fato, dedicar todos os segundos dos nossos dias à luta de que ela fazia parte”, disse a militante Danielle Ramos, de 26 anos, do Movimento de Mulheres Olga Benário.
Diferentes personalidades e organizações se manifestaram destacando a luta dela por Justiça.
“Morre uma mulher. No caso de Marielle, morre um pouco cada uma de nós. Fica viva sua luta por Justiça e igualdade. E o nosso compromisso de continuar com ela. Assim, ela continua conosco. Para sempre Marielle!”, disse a presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Cármem Lúcia, no Twitter.
Em nota, o PSOL cobrou uma “apuração imediata e rigorosa” e afirmou que Marielle havia acabado de denunciar a ação de policiais militares na região do Irajá, na comunidade de Acari.
Organizações de defesa dos direitos humanos, como Human Rights Watch e Anistia Internacional, cobraram uma investigação “rigorosa” do caso.
“Marielle Franco é reconhecida por sua histórica luta por direitos humanos, especialmente em defesa dos direitos das mulheres negras e moradores de favelas e periferias e na denúncia da violência policial. Não podem restar dúvidas a respeito do contexto, motivação e autoria do assassinato de Marielle Franco”, disse a Anistia.
O Sistema ONU no Brasil manifestou “consternação” com a morte da vereadora, a quem descreveu como “um dos marcos da renovação da participação política das mulheres, diferenciando-se pelo caráter progressista em assuntos sociais no contexto da responsabilidade do Poder Legislativo local”.
“QUANTOS MAIS?”
Dias antes de morrer, a vereadora havia acusado a Polícia Militar de cometer abusos na favela de Acari em uma publicação no Twitter, e na véspera do assassinato, cobrou o fim da violência: “Quantos mais vão precisar morrer para que essa guerra acabe?”, questionou.
“O que está acontecendo agora em Acari é um absurdo! E acontece desde sempre! O 41° batalhão da PM é conhecido como Batalhão da morte. CHEGA de esculachar a população! CHEGA de matarem nossos jovens!”, escreveu Marielle no dia 10 de março.
Horas antes do assassinato, Marielle participou de um evento com mulheres negras, em que fez um discurso defendendo avanços. “É a gente que está morrendo, é o nosso povo que está morrendo, então a gente tem que lidar para avançar”, disse, de acordo com vídeo divulgado em suas redes sociais.
Marielle foi a quinta vereadora mais votada nas eleições municipais de 2016, em seu primeiro mandato político, com mais de 46 mil votos. Socióloga e mestra em Administração Pública, ela levou sua luta em defesa das minorias ao Legislativo carioca. Era relatora da comissão que acompanhará a intervenção federal no âmbito da Câmara Municipal.
O assassinato de Marielle ocorreu em meio à intervenção federal no Estado na área de segurança pública adotada desde o mês passado, devido a uma escalada da violência e a uma profunda crise financeira que afetou a capacidade de investimento nas forças policiais.
Para o ministro da Secretaria de Governo, Carlos Marun, a morte da vereadora confirma a necessidade da intervenção federal decretada pelo presidente Michel Temer. “A morte da vereadora é só mais uma evidência de que estamos no caminho certo ao decretarmos a intervenção”, afirmou.
Pela manhã, Temer comandou uma reunião com autoridades de segurança para discutir a segurança no Rio, e prometeu que “esse crime não ficará impune”.
(Reportagem adicional de Maria Clara Pestre, no Rio de Janeiro; Ricardo Brito e Lisandra Paraguassu, em Brasília,)