O povo escolhe ideologias criadas por intelectuais; se preferir ideias ruins, o desastre está feito
Trecho extraído do livro Ação Humana, de 1948
As massas, as legiões de indivíduos comuns, não concebem ideias, sejam elas verdadeiras ou falsas. Elas apenas escolhem entre as ideologias elaboradas pelos líderes intelectuais da humanidade. No entanto, essa escolha é decisiva e determina o curso dos eventos. Se preferirem doutrinas ruins, nada poderá impedir o desastre.
A filosofia social do Iluminismo não se deu conta dos perigos que poderiam advir da prevalência de ideias falsas. As objeções habitualmente apresentadas contra o racionalismo dos economistas clássicos e dos pensadores utilitaristas eram inconsistentes; no entanto, havia uma deficiência nestas doutrinas: elas ingenuamente pressupunham que tudo quanto fosse lógico e razoável prevaleceria.
Não chegaram a imaginar a possibilidade de a opinião pública apoiar ideias espúrias cuja aplicação viesse a ser danosa à prosperidade e ao bem-estar, e que levasse à desintegração da cooperação social.
Atualmente, é moda desmerecer aqueles pensadores que criticavam a fé que os filósofos liberais depositavam no homem comum. Apesar disso, foram pensadores como Edmund Burke e Karl Haller, Luis de Bonald e Joseph de Maistre que chamaram atenção para o problema essencial que os liberais não haviam percebido. Foram eles que souberam avaliar o comportamento das massas mais realisticamente do que os seus adversários.
Esses pensadores conservadores, sem dúvida, iludiam-se ao pensar que o sistema tradicional de governo paternalista e a rigidez das instituições econômicas pudessem ser preservadas. Louvavam o Ancient Régime pela prosperidade que havia proporcionado e por haver até mesmo humanizado a guerra. Mas não perceberam que precisamente essas realizações haviam dado lugar a um aumento demográfico e, portanto, a um excedente populacional para o qual não havia mais espaço no antigo sistema de restricionismo econômico.
Ignoraram o surgimento de uma classe de pessoas que não poderia ser absorvida, se prevalecesse a ordem social que desejavam perpetuar. Não conseguiram oferecer uma solução para o mais sério problema que a humanidade teria de enfrentar às vésperas da “Revolução Industrial”.
O capitalismo deu ao mundo aquilo de que ele precisava: um melhor padrão de vida para um população em constante crescimento. Mas os liberais, os pioneiros e os defensores do capitalismo, não chegaram a perceber um ponto essencial: um sistema social, por mais benéfico que seja, não pode funcionar sem o apoio da opinião pública. Não previram o êxito que a propaganda anticapitalista teria.
Depois de haverem destruído o mito de que reis sagrados estavam a mando de Deus em uma missão divina, os liberais se deixaram seduzir por outras doutrinas não menos ilusórias: o poder irresistível da razão, a infalibilidade da volonté générale, e a divina inspiração das maiorias.
A longo prazo, pensavam eles, nada pode impedir a melhoria progressiva das condições sociais. Ao desmascarar antigas superstições, a filosofia do Iluminismo havia, de uma vez por todas, implantado a supremacia da razão.
Os resultados das políticas pró-liberdade seriam uma demonstração irresistível das vantagens da nova ideologia; nenhum homem inteligente se atreveria a questioná-la. Estava implícita na convicção desses filósofos que a imensa maioria das pessoas é inteligente e capaz de pensar corretamente.
Não ocorreu aos antigos liberais que a maioria poderia interpretar a experiência histórica com base em outras filosofias. Não imaginaram a popularidade que viriam a ter, nos séculos XIX e XX, ideias que eles considerariam como regressivas, supersticiosas e inconsistentes. Estavam tão convencidos do fato de que todos os homens são dotados da faculdade de raciocinar corretamente, que não souberam interpretar adequadamente os presságios.
Consideravam todos esses maus augúrios apenas como recaídas passageiras, episódios acidentais, sem importância para o filósofo que contemplava a história da humanidade sub specie aeternitatis. Os defensores do atraso poderiam dizer o que quisessem, mas havia um fato que não poderiam negar: que o capitalismo propiciou a uma população em rápido crescimento um padrão de vida cada vez melhor.
Pois foi precisamente este fato que a imensa maioria contestou.
O ponto essencial das teses de todos os autores socialistas, e particularmente das de Marx, é a afirmativa de que o capitalismo resulta no progressivo empobrecimento das massas trabalhadoras. Em relação aos países capitalistas, o equívoco desse teorema é explícito e não tem como ser negado. Em relação aos países subdesenvolvidos, que só foram afetados superficialmente pelo capitalismo, o crescimento demográfico sem precedentes não parece confirmar a interpretação de que as massas estão cada vez mais em pior situação. Esses países são pobres em comparação com outros mais avançados. Sua pobreza é fruto do rápido crescimento populacional. Preferem ter mais filhos do que elevar o seu padrão de vida. A decisão é deles.
Mas não se pode negar o fato de que tiveram os recursos necessários para prolongar a duração média de vida. Teria sido impossível criar tantas crianças sem que tivesse ocorrido um aumento dos meios de subsistência.
Apesar disso, não apenas os marxistas, como também muitos autores “burgueses” seguem afirmando, sem grande oposição, que a previsão de Marx quanto à evolução do capitalismo foi, de um modo geral, confirmada pela história dos últimos cem anos.
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Ludwig von Mises
Publicado anteriormente em: https://www.mises.org.br/article/3306/por-que-conservadores-e-liberais-sempre-subestimaram-os-socialistas