E isso leva à adoção de políticas insensatas e destrutivas
Dado que a pandemia de Covid-19 está levando a uma reavaliação das instituições e dos métodos operacionais ao redor do mundo, tem-se aí uma ótima oportunidade para reorientarmos nosso pensamento econômico, de modo que ele passe a corresponder mais corretamente às realidades da economia moderna.
E isso começa por abandonarmos a mensuração tradicional que se faz do PIB.
O Produto Interno Bruto é um anacronismo. Olhar a variação do PIB como indicativo da saúde da economia (que é o que, na prática, fazem os economistas, a mídia e os governos) faz tanto sentido quanto olhar para o número de calorias ingeridas por uma pessoa e daí determinar a sua saúde.
O PIB é simplesmente o valor monetário de todos os bens e serviços finais que foram comprados e vendidos dentro das fronteiras do país em um dado ano.
Apenas para relembrar, o PIB de um país é calculado por meio da seguinte (e extremamente simples) equação:
PIB = C + I + G + X – M
C representa os gastos do setor privado, I representa o total de investimentos realizados na economia, G representa os gastos do governo, X é o total de exportações e M, o de importações.
Todos os problemas com esta equação do PIB já foram destrinchados neste artigo, de modo que não necessitam ser repetidos aqui. A abordagem será outra. Aqui, será abordado tudo que o cálculo do PIB não mostra.
Visível, mas não calculado
A mensuração do PIB foi introduzida nos EUA durante a Segunda Guerra Mundial. O intuito era mensurar a capacidade de produção da economia americana naquele período belicoso. Sua intenção inicial era exclusivamente essa. Sendo assim, ele até fazia algum sentido para aquele período. Hoje, não mais.
Hoje, ele inadvertidamente passou a ser visto como mensurador de bem-estar, de modo que todas as transações monetárias por ele calculadas passaram a ser vistas como sendo um progresso e uma contribuição para a saúde econômica do país.
Sendo um produto de meados do século XX, o PIB serve para analisar a capacidade e a saúde de uma economia industrializada e homogênea, composta de poucos bens e serviços intangíveis.
Falando mais diretamente, o PIB foi criado para contabilizar carros, geladeiras, tanques e munições, e não para contabilizar aulas de ioga, armazenamento de dados nas nuvens, conferências via Zoom, motoristas de Uber, e vídeos monetizados do YouTube.
É revelador que os atributos mais enfatizados do PIB são os de que ele é fácil de ser compilado e fácil de ser entendido: apenas some tudo. Quanto mais, melhor. Viu? É simples.
Os significativos defeitos na mensuração do PIB não apenas o tornam um indicador enganoso, como também levam a conclusões erradas sobre o que faz a economia pulsar. Tais erros, por sua vez, levaram a políticas públicas extremamente custosas e prejudiciais.
O enfoque está errado
Esse enfoque exclusivo nos produtos finais mascara a real situação da atividade econômica. Como bem sabe qualquer um que já leu o clássico artigo “Eu, o lápis“, de Leonard Read, o grosso da atividade econômica está muito abaixo da superfície do produto final que compramos nas prateleiras.
Os produtos finais são transformados ao longo de múltiplas camadas de etapas intermediárias, desde o seu início como matéria-prima até o produto efetivamente finalizado e pronto para o consumo final. Auxiliando no processo de transformação estão os bens de capital, a mão-de-obra, e os insumos complementares que são necessários para a concretização do produto final.
É aí que as principais falhas da metodologia do PIB são reveladas.
A falácia da “dupla contagem”
Para evitar aquilo que os economistas rotulam de “dupla contagem”, o PIB não contabiliza o gasto das empresas com investimentos em bens intermediários.
Bens intermediários são classificados como aqueles utilizados (e exauridos) na produção de um bem final. Por exemplo, o pão vendido na padaria é um bem final. Equipamentos como as tigelas de mistura e os fornos comprados pelo padeiro e utilizados para fabricar o pão também são considerados bens finais no cálculo do PIB, pois eles não são exauridos no processo de produção.
Em contraste, a farinha, o trigo e outros ingredientes produzidos e incluídos no pão são considerados bens intermediários. Como tais, o dinheiro gasto pelo padeiro nestes itens não são incluídos no PIB.
Similarmente, a transportadora que entregou a farinha para a padaria forneceu aquilo que é considerado um serviço intermediário, de modo que o dinheiro gasto neste transporte também é deixado de fora do PIB.
A explicação clássica para se evitar a “dupla contagem” dos bens intermediários no PIB é exemplificada pela alegação de que, se a venda de aço fosse acrescentada às vendas da Ford, o aço seria contabilizado duas vezes: uma quando foi vendido para a Ford, e a outra quando a Ford vende o veículo contendo esse aço.
Mas essa lógica é falaciosa, pois ela iguala o valor total dos bens intermediários com o valor que eles acrescentam ao preço final de um produto.
Voltando ao exemplo do pão, imagine este simples cenário:
- Um fabricante de fertilizantes vende sementes de trigo para um agricultor por $1.
- Esse agricultor, que planta trigo, vende seu trigo para o dono do moinho de trigo por $3.
- O dono do moinho de trigo faz a moagem e a trituração do grão, transforma o trigo em farinha de trigo, e então vende a farinha para o padeiro por $5.
- O padeiro processa essa farinha, faz o pão, e vende o pão ao consumidor final por $6
O preço final de venda do pão é $6, mas o dinheiro total gasto nos bens intermediários no processo é $9. Obviamente, o total gasto nos bens intermediários não está incluído no preço de venda final.
O que de fato está incluído no preço de venda é o valor agregado em cada fase pelos bens intermediários.
- O valor agregado pelo fabricante de fertilizantes é $1.
- O valor agregado pelo agricultor de trigo é $2 (ele vendeu o trigo por $3, mas gastou $1 no fertilizante).
- O valor agregado pelo dono do moinho de trigo é $2 (ele vendeu a farinha de trigo por $5, mas gastou $3 no trigo).
- O valor agregado pelo padeiro é $1 (ele vendeu o pão por $6, mas gastou $5 na farinha de trigo).
É o valor agregado o que está incluído no preço final das vendas. Já o volume de gastos nos bens intermediários é descartado pelo PIB.
Os gastos em investimento, e não os gastos em consumo, representam a maioria dos gastos da economia
Tão logo todo o gasto em bens intermediários é levado em conta, temos que os gastos em consumo, na realidade, representam apenas aproximadamente 30% da economia. No entanto, no modelo atual, os gastos das famílias com consumo representam nada menos que 70% do PIB.
Trata-se de uma enorme distorção. A verdadeira situação da economia simplesmente não está sendo captada.
O economista Mark Skousen há muito vinha clamando pela necessidade de uma mensuração que ele chama de Produto Integral, a qual captura todos os gastos da economia. Em 2014, esta mensuração finalmente foi adotada pelo Departamento de Comércio dos EUA. Ela revela que a maior parte da atividade econômica envolve não os gastos em consumo de bens finais mas sim investimentos das empresas na produção destes bens.
Daí podemos concluir empiricamente aquilo que a teoria já explicava há muito tempo: não é o consumo o que impulsiona a economia. São os investimentos.
Outros três problemas fundamentais
Além deste grave problema matemático-econômico, há outros três problemas fundamentais em se utilizar o PIB como uma medida da saúde geral da economia.
O primeiro é a sua incapacidade de fazer distinções qualitativas. Isso foi ilustrado pela minha comparação inicial entre PIB e ingestão de calorias humanas. As distinções qualitativas que o PIB é incapaz de fazer podem ser separadas em duas: diferenças qualitativas entre coisas semelhantes e diferenças qualitativas entre coisas distintas.
Eis um exemplo:
- Um laptop de hoje que custa $3.000.
- Um laptop de quinze anos atrás que custava $3.000.
De acordo com a equação do PIB, ambos representam contribuições equivalentes à saúde da economia. No entanto, qualquer ser racional consegue entender a enorme diferença nas capacidades dos computadores em questão. Só que isso é completamente ignorado ao se utilizar a métrica do PIB.
O mesmo ocorre no caso a seguir, que ilustra a segunda das duas maneiras como o PIB é incapaz de considere distinções qualitativas:
- $1.000 em cigarros.
- $1.000 em ventiladores médicos.
De novo, qualquer ser racional consegue entender que estas duas coisas fazem contribuições qualitativamente distintas para a saúda econômica e pessoal do país. No entanto, e novamente, em termos de PIB, não há nenhuma distinção entre ambos.
O segundo problema em se utilizar o PIB como uma mensuração da saúde geral da economia é que ele não inclui nenhuma mensuração das perdas que a economia vivenciou ao longo do ano.
Houve furacões ou enchentes devastadoras? Tudo o que aparece na estatística do PIB é um aumento nos gastos com construção.
Três novos smartphones e um microchip muito mais rápido surgiram este ano? Você não encontrará a depreciação dos modelos anteriores na métrica do PIB.
A produção de energia termoelétrica aumentou? Uma indústria, ao produzir algum bem, consumiu recursos naturais até seu completo esgotamento? O custo da degradação ambiental não aparece no PIB. A violência levou a um aumento dos gastos com proteção individual (cercas elétricas, alarmes, câmeras internas)? O PIB sobe. Mas o efeito deletério da criminalidade não aparece.
Finalmente, o terceiro problema básico em se utilizar o PIB como mensurador da saúde geral da economia é que ele não contabiliza trabalho não-assalariado — isto é, o tempo gasto limpando a casa, cuidando das crianças ou cozinhando. Pague para alguém fazer isso e esse trabalho será incluído no PIB; faça você mesmo, e ele não será. Faz sentido?
E aqui vai um extra: se você vai para o seu trabalho caminhando em vez de dirigindo, isso é “ruim” para economia.
Esse exemplo, por si só, já mostra por que precisamos de ir para além da atual mensuração do PIB.
Para concluir
Basear-se na enganosa e falaciosa mensuração do PIB como indicador da saúde da economia faz com que políticos priorizem medidas destrutivas voltadas a objetivos errados.
O enfoque sempre será o de aumentar o consumo (o C da equação) via políticas de “estímulo”, aumentar os gastos governamentais, incentivar as exportações por meio de desvalorizações cambiais e restringir as importações por meio de tarifas protecionistas. Tudo em detrimento da poupança e do investimento privado. Isso irá apenas levar a um maior endividamento das pessoas e a uma exaustão da capacidade produtiva da economia.
Se ao menos a pandemia de Covid-19 levasse a uma reformulação do PIB…
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Bradley Thomas
Publicado anteriormente em: https://www.mises.org.br/article/3288/eis-o-grande-problema-com-o-pib-ele-mensura-o-trivial-e-ignora-completamente-o-essencial