Não há como burocratas direcionarem o progresso
Em 2011, uma economista chamada Mariana Mazzucato, formada pela New School, de Nova York, e que atualmente leciona “Economia da Inovação” na Universidade de Sussex, publicou uma breve monografia, que mais tarde viria a se transformar em livro.
O título do livro já se transformou em uma palavra de ordem: O Estado Empreendedor.
Segundo Mazzucato, o estado empreendedor é o responsável por maravilhosas inovações — como o Concorde (uma empreitada anglo-francesa) — que foram recusadas por empresas privadas e também por consumidores.
A essência do argumento dela, porém, não consegue escapar daquela rotineira crença estatista: contrariamente ao que dizem economistas “neoliberais“, o papel da economia de mercado na criação de bens e serviços é bastante superestimado, ao menos no que diz respeito a estimular inovações.
A inovação é descentralizada
A principal premissa de quem acredita em um estado empreendedor é que o investimento público é quem conduz a inovação.
Mazzucato afirma que o estado tem de impor um tipo de “direcionalidade” às empresas privadas, para assim conduzi-las a um ponto ótimo determinado por especialistas.
Entretanto, não é assim que inovações acontecem. Inovações, por definição, ocorrem de baixo para cima, e não de cima para baixo. São pessoas livres, agindo de modo espontâneo e visando ao próprio interesse, que criam os produtos inovadores de amanhã. A ideia de que burocratas sabem melhor como criar produtos inovadores é uma crença sem nenhuma sustentação prática.
Foram empresas privadas, competindo entre si pela supremacia na comunicação portátil, que nos trouxeram a engenhosidade do smartphone. A Tesla hoje produz alguns dos mais avançados carros elétricos do mundo, disponíveis para consumo em massa. O CEO da Tesla, Elon Musk, é o exato oposto de um burocrata meditativo que Mazzucato acredita ser o condutos das inovações: um homem que oferece quatro modelos de carro chamados S, 3, X, Y, vende lança-chamas, privatizou a corrida espacial, e recentemente lançou uma linha de tequila.
Ou então Travis Kalanick, um bad boy que desafiou leis ao lançar a Uber, que possibilitou que até mesmo os mais pobres tivessem o luxo de um motorista particular (e barato) disponível a apenas um clique de celular. Kalanick transformou um mero conceito em uma marca global que corajosamente desafia monopólios protegidos pelo estado, como o cartel dos taxis.
Se algo, as personalidades de Elon Musk e Travis Kalanick podem ser a representação ideal de como a inovação ocorre: não por decretos estatais ou ideias centralizadas feitas por “especialistas”, mas sim por empreendedores excêntricos, atrevidos e livres, que não pedem permissão e nem precisam de carimbos do estado para experimentar suas inovações.
A premissa do estado empreendedor
Para Mazzucato, no entanto, várias estupendas inovações, as quais radicalmente mudaram nossas vidas, foram apenas “apropriadas e comercializadas” por empreendedores privados, tendo sido, na realidade, geradas por intervenções estatais, algumas delas feitas com décadas de antecedência.
Consequentemente, empresas em busca do lucro apenas pegaram uma carona no empreendedorismo estatal, e com isso capturaram várias receitas. Algo vergonhoso para elas, e algo digno de profusos elogios para o governo, conclui Mazzucato.
Apenas pense, diz Mazzucato, no iPhone, no GPS, na Internet. Não seriam todos estes bens o resultado de uma visão de longo prazo do governo americano, especialmente do exército americano? Mazzucato garante que sim.
Só que há um grande problema: em todo o seu livro, ela não apresenta nenhuma evidência e nem nenhuma verdadeira lógica econômica. Em específico, seu relato sobre como inovações surgem é bizarramente falso.
GPS
O GPS, por exemplo, era de fato uma tecnologia militar no começo. Ele foi concebido para servir a um propósito militar: localizar as forças no campo de batalha. Porém, subsequentemente, a tecnologia passou a exigir maciças adaptações e volumosos aperfeiçoamentos. Tudo isso foi feito por contínuos investimentos privados, até que o GPS se tornou item de rotina em automóveis e, hoje, está nas mãos de qualquer pessoa que tenha um smartphone.
Mas não é só. Inicialmente, o GPS foi uma ideia de uma estrela de Hollywood chamada Hedy Lamarr, nascida em Viena. Hedy criou a tecnologia básica para o GPS durante a II Guerra Mundial. Judaica de origem e aterrorizada com o avanço nazista, queria ajudar os EUA e os aliados. Havia aprendido sobre radiocomunicação graças à convivência, ainda na Áustria, com o ex-marido, Fritz Mandl, um rico fabricante de armas e seus colegas engenheiros. Em 1940, conheceu o compositor George Antheil, também curioso por ciência. Certa noite, quando tocavam piano, ela se deu conta de que cada tecla emitia uma frequência de longo alcance diferente. E, assim como elas se alternavam rapidamente em uma música, talvez algo parecido pudesse ser aplicado aos espectros de comunicação militar.
Aprimorada por Antheil, a análise de Lamarr originou o sistema “salto de frequência”, no qual estações de radiocomunicação eram programadas para mudar de sinal 88 vezes seguidas (o mesmo total de teclas de um piano). Com isso, as forças inimigas teriam dificuldade em detectar esse registro alternado, que poderia ser então usado por navios e aviões, para orientar torpedos.
A dupla chegou a patentear a ideia e a ofereceu à Marinha dos EUA, mas foi rejeitada, sob o argumento de que seria demasiadamente cara.
Internet e aviões
Já um dos argumentos aparentemente mais convincentes feito por Mazzucato (e por outros como ela) é o de que a agência americana de pesquisa militar conhecida como DARPA inventou a internet.
Se o estado inventou a internet, então é óbvio que ele é capaz de impressionantes feitos de inovação. Basta que ele tenha mais receitas de impostos…
Para começar, a pergunta a ser feita é se o governo americano de fato visualizou algo como a internet. A resposta é óbvia: é claro que não. Não havia nenhum objetivo neste sentido. O investimento feito pelos militares foi semelhante às viagens de Cristóvão Colombo: o estado “empreendedor” descobriu as Índias Ocidentais tendo partido em busca das Índias Orientais.
Na década de 1960, a Força Aérea começou a considerar como uma rede de comunicação descentralizada, fora da tradicional rede telefônica, poderia operar. Mas o Departamento de Defesa suspendeu as pesquisas e não mais tomou nenhuma medida.
A DARPA então criou a ARPANET, que tinha o objetivo exclusivo de interligar as bases militares e os departamentos de pesquisa do governo americano por meio de uma conexão entre duas ou mais redes de computadores.
A DARPA, por si só, jamais teria financiado uma rede de computadores para facilitar a troca de e-mails porque o telefone já servia perfeitamente ao objetivo de efetuar uma comunicação pessoa a pessoa.
Posteriormente, essa ideia se expandiu e virou a internet. Mas essa expansão e difusão ocorreu por meio do desenvolvimento da rede em ambiente livre, não militar — ou seja, privado —, em que não apenas os pesquisadores, mas também seus alunos e os amigos desses alunos, puderam ter acesso aos estudos já empreendidos e usaram sua inteligência e desenvolveram esforços para aperfeiçoá-los.
Foram jovens da chamada “contracultura” — e não funcionários do estado —, ideologicamente defensores da difusão livre de informações, que realmente contribuíram decisivamente para a formação da Internet como hoje é conhecida.
Vinton Cerf foi o indivíduo que desenvolveu os protocolos TCP/IP, que são a espinha dorsal (a rede de transporte) da internet. Tim Berners-Lee merece os créditos pelos hyperlinks. Mas foi nos laboratórios da Xerox PARC, no Vale do Silício, na década de 1970, que a Ethernet foi desenvolvida para conectar diferentes redes de computadores.
Isso mostra que a contribuição do governo para a criação de coisas como a internet não só foi não-intencional, como também pode ter sido deletéria. A inovação, por definição, é um esforço caótico, que requer um longo processo de tentativa e erro no mercado, e não a simples aprovação de burocratas e “especialistas”. Se a invenção e o progresso dependessem da chancela de Ph.D.s, talvez ainda não teríamos saído da era das carruagens.
Sobre isso, um famoso exemplo é o advento do avião.
Após um teste fracassado, burocratas do governo compreensivelmente disseram que viagens aéreas seriam algo impossível. Olhando para o passado, estes comentários da época (sobre a impossibilidade de o homem voar) soam cômicos, mas o fato é que se permitirmos que o estado e seu exército de “especialistas” imponham suas criações planejadas, o processo de inovação simplesmente ficaria estagnado.
Com efeito, em 1903, o The New York Times, consultando especialistas do governo, previu que viagens aéreas só ocorreriam dali a, pelo menos, 1 milhão de anos. Apenas alguns meses depois, dois mecânicos de bicicletas, os irmãos Wilbur e Orville Wright construíram o primeiro avião funcional em sua garagem, mudando o mundo para sempre [ou então o primeiro foi Santos Dumont, o debate prossegue até hoje].
Mazzucato e a tese da cadeia quebrada
A inovação, por definição, ocorre na ausência de direcionamentos estatais. Algo não tem como ser inovador se foi completamente planejado.
Essa suposta função de “direcionalidade” dada pelos investimentos do governo — que é o que defende Mazzucato e seus seguidores — não combina com engenhosidade e descobertas.
O processo do descobrimento de uma ideia e sua subsequente implantação é a total antítese de um processo centralizado.
Mazzucato relata, como se fosse uma evidência definitiva, que a National Science Foundation concedeu uma pequena bolsa de estudos a um jovem PhD que acabou por inventar a tecnologia do touchscreen. Disto ela conclui que tal invenção se deve ao estado.
No entanto, foi a criatividade deste indivíduo em uma sociedade livre, e não direções coercitivas dadas pelo governo, que geraram a inovação. Pensar o contrário significa pensar que qualquer coisa que tenha algo estatal em sua cadeia de produção é A Causa de sua existência — por exemplo, a estrada que leva ao edifício da Google é a responsável pela existência da empresa.
Este argumento estatista confunde condições benignas — como a bolsa de estudo ou a estrada para a Google — com condições cruciais e poderosos, como uma sociedade livre na qual inovações podem prosperar sem serem punidas e sem terem de pedir permissão para comitês centrais.
Ao pensar assim, Mazzucato incorre na falácia da “cadeia de suprimentos com elos insubstituíveis”. Segundo esta tese, todos os elos de uma cadeia de produção são fixos: nenhum elo na cadeia pode ter uma alternativa. Se um elo quebrar, tudo está perdido. É a teoria por trás do bombardeio estratégico: se você bombardear uma junção ferroviária na França de 1944, não haveria alternativa para os invasores alemães; eles não conseguiriam trazer mais suprimentos para as tropas estacionadas na França.
Trata-se da crença de que há “estruturas” fixas de produção.
Se você, assim como Mazzucato, acredita que todos os elos de uma cadeia de suprimentos são imprescindíveis e insubstituíveis, então nenhuma alternativa pode ser criada pela mente humana. Daí se torna fácil concluir que o “empreendedorismo” do governo é crucial, pois os governos modernos são onipresentes. Se você olhar para a cadeia de suprimento de qualquer inovação, e procurar algum exemplo de atuação estatal, sem considerar alternativas privadas, você concluirá que o governo produz tudo. A estrada que leva às instalações da Google em Mountain View é municipal. Logo, pela lógica de Mazzucato, foi a prefeitura local quem possibilitou a Google.
Adulando os mestres
O livro de Mazzucato recebeu copiosos elogios de políticos e acadêmicos, e consequentemente ela passou a ter uma próspera carreira como consultora de governos. Ótimo para ela.
No entanto, falemos a verdade: tudo o que ela fez, no final, foi fornecer uma narrativa lisonjeira para políticos. E economistas adoram virar conselheiros do Príncipe. Eles fornecem uma narrativa que justifique os instintos naturais dos políticos. Assim como empreendedores privados implacavelmente querem produzir bens e serviços que os consumidores querem comprar, políticos também implacavelmente buscam poderes coercitivos sobre estes mesmos consumidores. Quanto mais eles puderem coagir a sociedade, e quanto maior o número de pessoas dependentes deles, mais felizes eles ficam.
E, por trás de tudo, há apenas aquela antiga crença de que economistas devem gerenciar o mundo.
Mazzucato, um filha devota da esquerda, desconfia de empreendedores buscando ganhos privados. Ela quer que o estado, seguindo as consultorias dela, decida por você.
Conclusão
Criatividade só se converte em inovação quando o papel de descobrir as melhores oportunidades cabe ao empreendedor, e não ao burocrata.
Empreendedores surgem com uma ideia nova; essa é a parte da inovação. O sistema de lucros e prejuízos sinaliza ao mercado se esse empreendedor teve sucesso ou fracasso em criar valor para terceiros. Se ele tiver tido lucro, outros produtores respondem a esses sinais de lucro entrando neste mercado e produzindo um bem similar. Esse é o processo de imitação e aprendizado econômico.
Já Mazzucato defende que governo trate o empreendedorismo como se este fosse algo relacionado a planejamentos estratégicos e burocráticos, quando, na verdade, é um processo de descobertas inovadoras.
E a competitividade de uma economia depende desse processo de descobertas.
A inovação e a criatividade são características intrínsecas do ser humano. E elas se desenvolvem com maior ímpeto naqueles países em que predomina a liberdade econômica, a qual permite que as pessoas possam se arriscar e usufruir os benefícios de seus empreendimentos.
A tese de que a intervenção estatal é a chave para que este processo se desenvolva não apenas atenta contra a lógica econômica, como também serve apenas como argumento para intensificar políticas intervencionistas, as quais sempre se comprovam nocivas para o desenvolvimento de longo prazo dos países.
Quem deve escolher os vencedores do mercado não são os burocratas do estado, como que Mazzucato, mas sim os milhões de consumidores.
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Por Anthony P. Geller
Publicado originalmente em: cutt.ly/HZAEyGo