Nesta semana em que foi divulgada a taxa de eficácia da CoronaVac (50,38 %), muitos brasileiros se transformaram em epidemiologistas com especialização em imunizantes. Este efeito atingiu basicamente partidários do governador João Doria (a favor da vacina desenvolvida pelo Instituto Butantan) e seguidores do presidente Jair Bolsonaro (defensores da fórmula criada pela Universidade de Oxford, cujo índice de êxito está em torno de 70%). A grande maioria da população brasileira, no entanto, assiste ao debate entre os rivais e parece estar ansiosa para ser vacinada. Mas há um detalhe: essa discussão pública pode trazer efeitos no comportamento de quem deseja ser imunizado.
Antes da pandemia, nunca se discutiu o índice de eficácia de vacinas no Brasil. Mas esse é o assunto do momento e produz especialistas de ocasião – assim como, anos atrás, surgiram analistas improváveis de ocupação demográfica para defender a tese de que, num determinado evento político, havia um milhão de pessoas na avenida Paulista. Como naquele momento, em que se usava determinados raciocínios para provar pontos de vista pré-determinados, os dois lados do discussão ficam torturando os números para provocar conclusões que reforçam suas opiniões.
Como essa batalha de pontos de vista pode afetar o comportamento das pessoas? O senso comum diz que o numeral 70 é maior que 50 e, portanto, melhor. Com isso, muita gente pode preferir não se vacinar pela CoronaVac e esperar pela fórmula Oxford, cuja data de início de aplicação ainda não está definida, mas deve (na melhor das hipóteses) ficar entre o final de fevereiro e o início de março.
Mas esse é o raciocínio certo a fazer?
Vamos lá.
O índice de 50,38 % é compatível com as normas nacionais e internacionais. Portanto, se oficializada pela Anvisa, a CoronaVac deve ser utilizada. Nesta batalha contra a Covid, qualquer esforço é válido, especialmente se os estudos mostram que, na pior das hipóteses, o usuário não passará por procedimentos invasivos de uma UTI ou morrerá.
A lógica do combate à pandemia é evitar que a contaminação em massa provoque um colapso no sistema de saúde, além de preservar vidas que podem ser ceifadas pelo coronavírus. Portanto, sob este ponto de vista, a CoronaVac desempenha um papel importante.
Se um grupo grande pessoas preferir esperar um mês para receber outro tipo de imunizante, haverá condições para que a doença se propague ainda mais – até porque, convenhamos, a paciência das pessoas para o isolamento acabou. O uso da máscara foi abraçado pela classe média durante o dia. Nos eventos noturnos, porém, é pouco utilizada. O período de férias também não ajuda. Nas praias, por exemplo, o uso da máscara ainda é pequeno (principalmente entre os turistas).
Estamos todos preocupados com a segunda onda, mas vamos a partir desta semana verificar exatamente qual foi o tamanho da contaminação proporcionada pelas festas de final de ano. Os hospitais de São Paulo já apresentam um crescimento próximo a 30 % no volume de internações e alguns já estão mais lotados do que no pico da pandemia, em abril de 2020.
Ou seja, se a CoronaVac for aprovada pela Anvisa no domingo, sua utilização coincidirá com o recrudescimento da segunda onda, que se ficar sem nenhuma contenda pode evoluir para números bem maiores do que os de 2020 – e, o que é pior, manter um platô alto por ainda mais tempo do que foi observado no ano passado.
Em tempo: aos que reclamam sobre o curto tempo em que essas vacinas foram produzidas, podendo ser um celeiro potencial para efeitos colaterais, é bom lembrar que a tecnologia, nos últimos tempos, evoluiu bastante na área da saúde e conseguiu encurtar prazos antes enormes. No caso específico da vacina chinesa, ela foi criada da forma mais conservadora de todas, inoculando um vírus morto no organismo (sem ação, ele serve apenas para a criação de anticorpos). Já na vacina de Oxford, toma-se o vírus comum da gripe e altera-se seu material genético, introduzindo uma sequência cromossômica de Sars-Cov-2 e, então, o imunizante é desenvolvido. Especialistas asseguram que essas soluções são seguras – o resto é mera teoria da conspiração.
Portanto, é hora de deixar posições políticas de lado. Vamos combater essa pandemia que segura nossa economia, nos priva de um cotidiano normal e tira a vida de entes queridos. A única arma disponível, agora, é a vacinação. Não podemos desperdiçar essa oportunidade.
Uma resposta
Não tenho a mínima simpatia pelo governador João Doria, marketeiro dele mesmo. No entanto, nesse período de pandemia ele conta com o respaldo do Instituto Butantan e de epidemiologistas de renome internacional. A politização do uso das vacinas foi protagonizada pelo presidente Bolsonaro, um negacionista de primeira hora, que só visa sua reeleição em 2022. Seus pronunciamentos, em geral em lives pelas redes sociais, só fazem aumentar a ansiedade da população, disseminando dúvidas sobre a Coronavac e debochando de sua eficácia. Ele e seu ministro da Saúde perderam o controle da pandemia e na indica que mudaram de atitude. Triste país.