Nos últimos meses, vários economistas se manifestaram a respeito da volta de um imposto sobre transações nos moldes da infame CPMF.
Eis um vídeo de Marcos Lisboa, na Globonews, com críticas duras e consistentes ao imposto sobre transações. Armínio Fraga declarou, corretamente, à Jovem Pan que “qualquer imposto na linha do CPMF é um lixo”. Bernardo Appy não poupou de críticas a proposta de “Imposto Único sobre Transações Financeiras”, que corretamente classificou como desastrosa (aqui e aqui). Affonso Pastore, no Estadão, rotulou impostos na linha da CPMF de “esparrela simplista”. Finalmente, Maílson da Nóbrega, na Veja, fala de tributo disfuncional.
A lista certamente irá crescer se você procurar com calma no Google.
Paulo Guedes defende o imposto dizendo que “se for pequenininho, não machuca”, mas deixou claro que só o aceita em troca da desoneração da folha de pagamento. À primeira vista, pode até parecer uma troca positiva, pois a desoneração da folha tem, de fato, uma grande capacidade de estimular a contratação de mão-de-obra.
Entretanto, não é tão simples assim.
Alexandere Schwartsman já fez um ótimo trabalho contra esta postura que ele chamou de “chute”(dizer que uma coisa é melhor que a outra), de modo que este não será o tema deste artigo. Aqui, o objetivo será analisar as consequências de uma CPMF, independentemente de haver ou não desoneração da folha de pagamento.
Evidências
No entanto, empenhado em seguir colecionando avaliações a respeito de impostos sobre transações, saí do Google e fui ao Ideas/Repec procurar textos acadêmicos.
O mais recente que encontrei é de 2019, e foi citado pelo Pastore no artigo do Estadão. Trata-se de um artigo do Felipe Restrepo publicado no Journal of International Money and Finance. Nele, o autor utiliza a experiência de países da América Latina para avaliar o impacto, sobre o crédito e o crescimento industrial, de se taxar transações bancárias.
Já no sumário, ele deixa claro o que encontrou:
Descobriu-se que taxar transações bancárias possui um significante efeito negativo sobre o crescimento econômico, majoritariamente por reduzir as perspectivas de crescimento das indústrias que são mais suscetíveis a variações em seu financiamento.
Ou seja, o tipo de imposto que se cogita ressuscitar tem impacto negativo no crescimento econômico. O autor identifica uma redução no crédito disponível para o setor privado, com aumento da retenção de dinheiro vivo e redução do uso de depósitos bancários.
Essa redução no crédito afeta o crescimento penalizando principalmente indústrias mais sensíveis a distorções no mercado de crédito. O autor faz testes econométricos para verificar se os resultados são robustos e se não podem ser explicados por outros fatores. Os testes não alteram a conclusão de que imposto sobre transações reduz o crescimento econômico.
Andrei Kirilenko e Victoria Summers escreveram um capítulo do livro Taxation of Financial Intermediation: Theory and Practice for Emerging Economies intitulado Bank Debit Taxes: Yield versus Disintermediation (link aqui). Não tive acesso ao livro completo; porém, no capítulo em questão, os autores encontram que a introdução de impostos sobre depósitos bancários aumentou a quantidade de dinheiro fora dos bancos e estimulou a abertura de contas bancárias em outros países.
Os autores também encontraram evidências de criação de novos tipos de operações para driblar o imposto, entre elas passar o mesmo cheque várias vezes antes de descontá-lo. Os autores concluem que as perdas de eficiência relacionadas a esses impostos foram altas e que houve desintermediação financeira na maioria dos países que adotaram o imposto. Esses últimos efeitos, entretanto, não foram encontrados no Brasil, mas os autores acreditam que foi por falta de dados.
A isso, eu acrescentaria que as altíssimas taxas de juros da época podem ter amenizado os efeitos da CPMF. Afinal, a uma SELIC média de 18%, um DI de 6 dias já pagava a taxa de 0,38%. Com as taxas de juros atuais, de 6%, os estragos da nova CPMF – que, tudo indica, terá o nome de Contribuição Previdenciária – devem ser bem maiores.
Em um texto intitulado The Rates and Revenue of Bank Transaction Taxes, que está na série de textos para discussão da OCDE, Jorge Baca-Campodónico, Luiz de Mello e Andrei Kirilenko também estudam as experiências da América Latina com impostos sobre transações. Os autores contam que, para uma dada alíquota, os valores arrecadados caem com o tempo, de forma que, para manter a arrecadação, a alíquota precisa subir de tempos em tempos.
Mas fica pior: os aumentos sucessivos de alíquotas não compensam a redução da base de arrecadação e, quanto mais rápido ocorrem, mais rápido a base de arrecadação diminui. A redução da base ocorre por conta das mudanças de comportamento, comentadas nos parágrafos anteriores.
Vale ressaltar que esse comportamento da arrecadação pode até justificar o apelo para esse tipo de impostos em casos de emergência, mas deixa claro o erro de colocá-lo como parte de uma reforma que pretende reorganizar o sistema tributário do país.
A conclusão de que tais impostos podem funcionar em tempos de crise por levantarem receitas rapidamente pode ser encontrada em um texto assinado por Isaias Coelho, Liam Ebrill e Victoria Summers disponível na página do FMI. Em 2001, ainda não era possível avaliar os efeitos de médio e longo prazo dos impostos sobre transações, mas os autores alertam para distorções alocativas e para o risco de desintermediação financeira. Vale registrar que os autores recomendam evitar esse tipo de tributo.
Também em 2001, Sérgio Mikio Koyama e Márcio Nakane escreveram o texto Os Efeitos da CPMF sobre a Intermediação Financeira para a série de trabalhos para discussão do Banco Central. As conclusões dos autores foram que:
i) a CPMF corrói a sua própria base de arrecadação;
ii) a CPMF reduziu o número de cheques (hoje seriam as TEDs) utilizados na economia;
iii) o efeito da CPMF sobre o M1 é positivo, porém de pequena magnitude;
iv) do ponto de vista de alocação de portfólio, a CPMF provocou um deslocamento das aplicações financeiras dos depósitos a prazo para os fundos financeiros;
v) a CPMF aumenta o spread bancário bruto e reduz o spread bancário líquido, implicando uma menor rentabilidade para todas as partes envolvidas, ou seja, para os tomadores de empréstimos, poupadores e os intermediários financeiros.
Cabe registrar que taxas de juros de 2001 eram bem mais altas que hoje. Naquele ano a meta para a SELIC variou entre 15,25% e 19% contra 6% de hoje. Com taxas maiores, o efeito da CPMF nos empréstimos fica menos perceptível.
Fora do Brasil
Estudando o caso da Colômbia, Luis Ignacio Lozano e Jorge Enrique Ramos escreveram o texto Análisis sobre la incidencia del impuesto del 2 x 1000 a las transacciones Financieras, que está disponível na página do Banco de la República, o Banco Central da Colômbia.
Assim como em outros artigos, foi encontrado que o padrão de arrecadação aumenta logo após a implementação do imposto, havendo uma queda logo na sequência. Tal padrão é compatível com a tese de que as famílias e as empresas reagem ao imposto buscando formas de driblar as transações que passam a ser tributadas. Os autores destacam a queda no número de cheques compensados. Também é observada uma mudança na composição nos portfólios das famílias e empresas.
O artigo Bad Taxation: Disintermediation and Illiquidity in a Bank Account Debits Tax Model, de Pedro Albuquerque, publicado no International Tax and Public Finance merece especial atenção.
O “Bad”, de “BAD taxation”, é um acrônimo para “bank account debits” (débitos das contas bancárias). Não foi escolhido por acaso e dá bem o tom das conclusões do artigo. O autor utiliza um modelo de equilíbrio geral dinâmico e faz avaliações empíricas de experiências com impostos sobre transações. As conclusões apontam para a sensibilidade da base de incidência em relação às alíquotas escolhidas, e mostra que o imposto faz com as taxas de juros reais aumentem e gera perdas de eficiência relativamente altas, mesmo quando as receitas tributárias são pequenas.
Assim como Isaias Coelho, Liam Ebrill e Victoria Summers, o autor não recomenda o uso desse tipo de impostos para aumentar receitas.
Essa breve revisão de literatura termina com um artigo escrito por William D. Lastrapes e George Selgin e publicado em 1997 no The Journal of Economic History intitulado The Check Tax: Fiscal Folly and the Great Monetary Contraction.
O artigo trata de uma taxa de dois cents por cheque, que valeu entre junho de 1932 e dezembro de 1934 nos EUA. Os autores concluem que a taxa contribuiu para a contração monetária da época. A conclusão termina com um registro sobre a irresponsabilidade dos legisladores, que aprovaram a taxa mesmo tendo recebido alertas sobre o efeito da taxa na economia. Preferiram acreditar nas promessas de Andrew Mellon, então secretário do Tesouro, de que a taxa era inofensiva. Curiosamente, a taxa foi rejeitada pelos deputados e ressuscitada por senadores.
Podemos apenas esperar que nossos legisladores sejam mais responsáveis que os dos EUA do começo da década de 1930.
Finalizando
Espero que a pequena revisão de literatura ajude a convencer a respeito dos efeitos nefastos de impostos sobre transações na economia, especialmente em relação ao uso do sistema financeiro.
Considerando o Brasil de hoje, temos um agravante: desde 2016, começamos uma série de reformas visando fortalecer o financiamento privado no país. Nessa leva estão, por exemplo, o cadastro positivo (que só entra em vigor em setembro), a redução dos recursos disponibilizados ao BNDES e a substituição da TJLP pela TLP, reduzindo a atratividade do BNDES. A ideia é que o Brasil pós-crise tenha um sistema de financiamento mais saudável, mais acessível e menos dominado pelo compadrio. Quero crer que a atual equipe econômica concorda com esse diagnóstico.
Colocar um imposto sobre transações é um desserviço ao esforço de fortalecer o financiamento privado. Somem-se a isso as alíquotas altas — falam de 0,44% (0,22% nas duas pontas) contra 0,38% da antiga CPMF, que incidia só sobre o pagador — e as taxas de juros baixas e a imagem da bomba atômica usada pelo secretário especial da Receita Federal pode muito bem ser usada para o sistema financeiro.
Jogar uma bomba atômica no mercado de intermediação financeira será um dos maiores ataques à agenda de reformas desde que ela foi retomada com a chegada de Temer ao Planalto.
(Roberto Ellery)
Artigo original:
https://www.mises.org.br/Article.aspx?id=3055