A imprensa descobriu a pólvora. E está em polvorosa. A manchete ganhou destaque no jornal britânico The Guardian e repercutiu com vigor nas redes sociais. Ei-la, em toda a sua glória: “Temos uma arma poderosa para combater a inflação: controle de preços. Está na hora de usá-la.”
Simples assim. Aqui está a matéria na íntegra. O leitor pode conferir que não é trote. Realmente está-se defendendo, com ares de grande novidade, o controle de preços. Aparentemente, para a mídia, ninguém nunca pensou nisso antes…
A causa da atual carestia
A causa da atual carestia generalizada ao redor do mundo já foi repetidas vezes exposta nas páginas deste Instituto. Ao contrário do que se imagina, não se trata de um choque de oferta, mas sim de um excesso de demanda.
As coisas não estão caras porque “as fábricas estão fechadas” (não estão), ou porque “o agronegócio mundial parou” (nunca parou). As coisas estão caras porque os Bancos Centrais mundiais, em uma medida inédita e coordenada, em resposta à pandemia de Covid-19, injetaram na economia um volume sem precedentes de moeda. Em apenas um ano, a quantidade de moeda injetada na economia aumentou 50%. (Confira todos os detalhes aqui, aqui e aqui).
Com moeda em excesso, a demanda dos consumidores aumenta. É realmente simples e direto assim.
A tão famosa escassez de chips — que está encarecendo os carros novos e, consequentemente, os usados — não se deve um problema nas fábricas de chips. Semicondutores estão sendo produzidos em volumes inéditos. Taiwan acabou de bater um recorde na produção de chips (esta monografia da Bridgewater comprova que nunca se produziu tanto chip na história do mundo).
Estão faltando chips pelo simples motivo de que a demanda por eles está excessiva — demanda esta causada pelo acentuado aumento da oferta monetária global.
Não há, portanto, nenhum problema generalizado na oferta. Há, isso sim, um excesso de demanda, a qual aumentou abruptamente (de novo: a quantidade de moeda na economia mundial aumentou 50% em 2020) e a qual simplesmente está superando em muito a oferta.
Consequentemente, é natural e até desejável que os preços subam. É exatamente este aumento de preços, em reação a um aumento da demanda, que irá garantir a continuidade da oferta de bens e serviços no mercado.
Qualquer tentativa de proibir esta liberdade de preços irá garantidamente gerar escassez e desabastecimento.
Nada menos que 4 mil anos de história nos ensinam isso.
Um breve histórico
O argumento contra os controles de preços não é meramente um exercício acadêmico, algo restrito aos manuais de economia. Há realmente um histórico de quatro mil anos de catástrofes econômicas causadas pelos controles de preços.
Este histórico está parcialmente documentado em um excelente livro intitulado Forty Centuries of Wage and Price Controls (Quarenta Séculos de Controles de Preços e Salários), de Robert Schuettinger e Eamon Butler, publicado originalmente em 1979.
Todas as citações a seguir foram retiradas do livro, com a preciosa ajuda do professor Thomas DiLorenzo.
O Código de Hamurabi
Na Babilônia, aproximadamente em 1772 a.C., o Código de Hamurabi, de 282 leis, estabeleceu: tabelas de preços fixos de aluguel de carroças, de armazenamento de grãos, de serviços médicos, aluguel de barcos, e outros.
O Código de Hamurabi continha uma barafunda de regulamentações e controle de preços, do tipo: “Se um homem contratar um camponês, deverá dar a ele oito gurs (unidade de medida hamurábica) de cereais por ano”; “Se um homem contratar um boiadeiro, deverá dar a ele seis gurs de cereais por ano”; “Se um homem alugar um barco de seis toneladas, deverá pagar um sexto de um shekel de prata por dia por esse aluguel”.
E os decretos não paravam mais.
Tais imposições “sufocaram o progresso econômico no império por vários séculos”, como mostram os registros históricos. Assim que estas leis foram implantadas, “houve um acentuado revés na prosperidade das pessoas”.
O comércio declinou continuamente durante o reinado de Hamurabi, após comerciantes e mercadorias escassearem. O tabelamento teve por consequência um castigo não premeditado àqueles que o código pretendia apoiar.
Sofismas gregos
Durante o período clássico de Atenas, em 400 a.C., fiscais denominados “sitophylakes” impediam preços ‘abusivos’ dos grãos, em uma antevisão do Código de Defesa do Consumidor.
Lísias, escritor de discursos, em sua peça oratória 22, “Contra os Comerciantes de Grãos“, pediu em tribunal ateniense a pena de morte para os comerciantes que acumulassem ou aumentassem preços em tempos de escassez.
Foi criado “um exército de fiscalizadores nomeados para a função de estabelecer o preço do cereal em um nível que o governo ateniense julgasse justo”. Os atenienses chegaram até mesmo a executar fiscais que não logravam êxito no tabelamento.
Esse controle de preços grego inevitavelmente levou à escassez de cereais. Por sorte, vários empreendedores corajosamente conseguiram se esquivar destas leis ignaras e, com isso, salvaram milhares da inanição. Não obstante a imposição de pena de morte para aqueles que desobedecessem às leis de controle de preços, tais leis “eram praticamente impossíveis de serem impingidas”.
A escassez criada pelo controle de preços criou grandes oportunidades de lucro no mercado negro, para a grande sorte do povo grego.
Uma nova praga no Egito
À mesma época, no Egito, “havia uma verdadeira onipresença do estado” na regulação da produção e da distribuição de grãos. “Todos os preços foram congelados por decreto em todos os níveis”.
Este “controle assumiu proporções assustadoras. Havia um exército de burocratas que inspecionavam diariamente o cumprimento do decreto”.
Os agricultores egípcios ficaram tão enfurecidos com esse controle de preços, que vários deles simplesmente abandonaram suas fazendas. Ao final do século, “a economia egípcia havia entrado em colapso, junto com sua estabilidade política”.
Roma não caiu em um dia
Até essa altura, as altas de preço eram geralmente pontuais e derivadas dos chamados “choques de oferta”, ou quebras de safras. Já no Império Romano, entrou em cena uma novidade: o fenômeno da inflação, ou alta generalizada de preços, que se tornou política pública.
Desde 269 a.C., ainda na República, o templo de Juno Moneta (origem da palavra “moeda”) cunhava o “denarius” contendo 100% de prata. Mas, a partir de 64 d.C., os imperadores passaram a recunhá-lo misturando metais mais baratos.
Faziam-se moedas menores, ou aparavam-se pequenas nervuras das beiradas das moedas de ouro, serrilhando-as, com o objetivo de cobrar impostos, quando entravam nos prédios do governo. Posteriormente, essas aparas eram derretidas para se transformar em mais moedas.
Obviamente, assim como também fizeram os gregos, os romanos misturavam, às moedas de ouro e prata, metais menos nobres como o cobre. Adicionalmente, inventaram a não tão sutil arte da revalorização, o que significava que cunhavam as mesmas moedas novamente, porém com valor de face superior ao anteriormente gravado.
Nero reduziu o conteúdo de prata para 88% (lucro e inflação instantâneos de 15%). O “denarius” seguiu sendo continuamente depreciado por ligas metálicas até conter apenas 0,5% de prata, em 268 d.C.
Quando Diocleciano subiu ao trono em 284 d.C., a inflação (e a população romana) estava ensandecida: as moedas romanas eram apenas uma placa de estanho folheada a cobre ou a bronze.
Em 301 d.C., Diocleciano lançou seu infame Édito Máximo, que impôs pena de morte a qualquer um que vendesse mercadorias acima dos preços estipulados pelo governo. Além do controle dos preços, os salários também foram congelados.
Diocleciano “estipulou um teto de preços para carnes, cereais, ovos, roupas e outros bens, e instituiu a pena de morte para qualquer um que vendesse seus artigos a um preço maior do que o estabelecido”.
Diocleciano atribuía a culpa da inflação generalizada à ganância de comerciantes e especuladores. Além de instituir a pena de morte aos vendedores, instituiu também para aqueles que comprassem acima do preço de tabela.
Entretanto, para surpresa de Diocleciano, os preços continuaram subindo. Os comerciantes não podiam vender seus artigos com lucro; assim, fechavam as portas. As pessoas deixavam suas carreiras de escolha em busca de empregos nos quais os salários não fossem fixos ou desistiam e aceitavam a ajuda do governo, uma espécie de seguro-desemprego ou mesmo bolsa família.
Sim, foram os romanos que inventaram esse tipo de assistência social. Roma tinha uma população de cerca de 1 milhão de pessoas nesse período, e 200 mil delas, cerca de 20%, recebiam ajuda do governo.
Os resultados foram que “as pessoas simplesmente pararam de colocar seus bens à venda no mercado, dado que elas não mais poderiam obter um preço sensato por eles. Isso aumentou tão acentuadamente a escassez, que, após a morte de várias pessoas, a lei foi finalmente revogada.”
No fim, foi a adulteração da moeda e o déficit das contas públicas – despendido para financiar o exército, o funcionalismo público, os programas sociais e a guerra – que derrubaram o Império Romano.
Washington e os soldados famintos
Já em épocas mais modernas, foi por muito pouco que o exército revolucionário de George Washington não morreu de fome no campo de batalha graças ao controle de preços sobre alimentos que havia sido instituído pelo governo da Pensilvânia e por outros governos coloniais.
A Pensilvânia impôs controle de preços especificamente sobre “aquelas mercadorias imprescindíveis para o exército”, criando uma desastrosa escassez de tudo que o exército mais necessitava.
O Congresso Continental sabiamente adotou uma resolução anti-controle de preços no dia 4 de junho de 1778, a qual dizia:
Considerando que já foi descoberto pela experiência que limitações impostas aos preços das mercadorias não apenas são ineficazes para o objetivo proposto, como também são igualmente geradoras de consequências extremamente maléficas, fica resolvida a recomendação aos vários estados para que revoguem ou suspendam todas as leis limitando, regulando ou restringindo o preço de qualquer artigo.
Ato contínuo, “Já no outono de 1778, o exército já estava suficientemente bem provido como resultado direto dessa mudança de política”.
Robespierre conhece a guilhotina
Os políticos franceses repetiram os mesmos erros após sua revolução, instituindo a “Lei de Maximum” em 1793, a qual impôs controle de preços sobre pão, cereais e, depois, sobre uma longa lista de vários outros itens.
Quando essas medidas se revelaram incapazes de aumentar a oferta de alimentos, o comitê enviou soldados para o interior do país com o intuito de confiscar violentamente os cereais dos perversos agricultores, que estavam “entesourando” tudo.
Previsivelmente, “em algumas cidades francesas, as pessoas estavam tão mal alimentadas, que estavam literalmente caindo pelas ruas por desnutrição”.
Uma delegação representando várias províncias escreveu para o governo em Paris que, antes da lei do controle de preços, “nossos mercados estavam bem providos; porém, tão logo congelamos os preços do trigo e do centeio, estes cereais nunca mais foram vistos. Os outros tipos que não estão submetidos ao controle de preços são os únicos que podem ser encontrados à venda”.
O governo francês se viu então obrigado a abolir sua maléfica lei de controle de preços após ela ter literalmente dizimado milhares de pessoas.
Quando Maximiliem Robespierre estava sendo carregado pelas ruas de Paris a caminho de sua execução, a plebe gritava “Lá vai o maldito Maximum!”.
Um sermão nazista
Ao final da Segunda Guerra Mundial, os planejadores centrais americanos haviam se tornado ainda mais totalitários em termos de política econômica do que os nazistas derrotados.
Durante a ocupação americana da Alemanha, no pós-guerra, os “planejadores” americanos se mostraram muito entusiasmados com os controles econômicos impostos pelos nazistas, inclusive o controle de preços. Desnecessário dizer que eram estes controles econômicos que estavam impedindo a recuperação econômica alemã.
O notório nazista Hermann Goering chegou até mesmo a passar um sermão no correspondente de guerra americano Henry Taylor sobre o assunto. Como relatado no livro de Schuettinger e Butler, Goering disse:
Todas as coisas que a sua América está fazendo no campo econômico estão nos causando vários problemas.
Vocês estão tentando controlar os preços e os salários das pessoas — ou seja, o trabalho das pessoas.
Se você faz isso, você inevitavelmente tem de controlar a vida das pessoas. E nenhum país pode fazer isso pela metade.
Eu tentei e não deu certo.
Tampouco pode um país fazer isso integralmente, indo até as últimas consequências. Eu tentei isso também e, de novo, não deu certo.
Vocês não são melhores planejadores do que nós. Eu imaginava que seus economistas haviam lido e estudado o que ocorreu aqui.
Os controles de preços foram finalmente abolidos na Alemanha, em 1948, pelo Ministro da Economia Ludwig Erhard. A abolição ocorreu de uma só vez, em um domingo, quando as autoridades de ocupação americanas estavam ausentes de seus escritórios, incapazes de impedi-lo. Tal revogação produziu o “milagre econômico alemão”. [Veja todos os detalhes do milagre alemão neste artigo].
Modernidades
Nos EUA, controles de preços foram a causa da “crise energética” da década de 1970 e dos apagões na Califórnia na década de 1990 (os preços do setor de geração de energia foram liberados, mas continuam congelados no setor de transmissão e distribuição).
No Brasil, em 1986, após anos de crescente inflação (monetária e de preços), o presidente Sarney baixou um decreto congelando os preços de todos os bens e serviços da economia brasileira.
Como consequência, carros usados tornaram-se mais caros que carros novos, as carnes desapareceram dos açougues (mas prontamente reapareciam tão logo o comprador ofertasse uma quantia extra por baixo do balcão) e o governo acabou tendo de literalmente prender bois no pasto para impedir suas exportações, que eram bem mais vantajosas.
Recentemente, Argentina e Venezuela nos forneceram os mais atualizados, didáticos e escabrosos exemplos. Na Argentina, durante o governo de Cristina Kirchner, houve falta de absorventes e supermercados desabastecidos foram saqueados. Na Venezuela, onde o congelamento foi total, acabou tudo, até o papel higiênico.
Para concluir
Ao longo de mais de quatro mil anos, ditadores, déspotas e políticos de todos os naipes viram nos controles de preços uma forma suprema de prometer ao público “alguma coisa em troca de nada”.
E, por mais de quatro mil anos, os resultados têm sido exatamente os mesmos: escassez e desabastecimento, várias vezes com consequências catastróficas; deterioração da qualidade do produto; proliferação dos mercados negros, em que os preços são maiores do que seriam em um mercado livre e os subornos são desenfreados; destruição da capacidade produtiva daquelas indústrias cujos preços são controlados; distorções grosseiras dos mercados [no Brasil do Plano Cruzado, carro usado era mais caro do que carro novo]; criação de burocracias tirânicas e opressivas para fiscalizar o controle de preços; e uma perigosa concentração de poder político nas mãos destes burocratas controladores de preços.
Tabelar os preços sempre teve a mesma consequência: o comerciante tende a deixar de negociar o produto tabelado porque terá prejuízo; então, restringirá a oferta, buscará outros ramos de atuação (de produtos não tabelados), e o consumidor acaba com o prato vazio.
Como bem resumiu Roberto Campos: “Como as damas balzaquianas, de vida airada, o tabelamento de preços rejuvenesce à medida que se esquecem as experiências passadas. É a teoria dos que não têm teoria.
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Por Anthony Gueller
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