Uma pesquisa do Instituto Quaest passou quase despercebida há alguns dias. Trazia um perfil sobre o que pensam os brasileiros das classes A, B e C e quais seriam seus principais alvos de consumo (TVs conectadas, viagens à Croácia e um SUV na garagem foram alguns dos campeões). Mas há um detalhe interessante neste estudo que denota uma certa contradição reinante entre os brasileiros: a posição dos entrevistados em relação ao papel do Estado na sociedade.
Os pesquisadores fizeram perguntas sobre o tema, embaixo de um guarda-chuva intitulado “Pró-mercado ou pró-Estado?”. Uma delas foi a seguinte: o governo deveria ter mais empresas estatais do que tem hoje? Foram 77% os entrevistados que responderam afirmativamente. Sobre o que deveria acontecer com empresas públicas como Petrobras, Correios e Caixa, 54% consideram que essas companhias precisam ser mantidas sob o controle do governo.
Mas os mesmos entrevistados mostraram posições contraditórias em duas outras questões. Foram 50% os brasileiros que acreditam que os serviços de saúde e de educação somente melhorarão se forem privatizados (contra 44% que pensam diferente). E 48% acham que empresas e negócios do governo devem ser privatizados (são 44% que não concordam com isso).
A contradição é evidente. Como 77% acham que o governo deveria ter mais estatais e 48% acreditam que a mesma gestão deveria privatizar suas companhias? Há 17% dos brasileiros que não concordam com o número atual de empresas públicas. Portanto, 31% dos respondentes podem estar em cima do muro, achando ao mesmo tempo que o Brasil precisa aumentar o número de estatais e que a iniciativa privada pode fazer um trabalho melhor que o governo ao gerir companhias.
Tal divergência pode mostrar que a mentalidade do brasileiro (que sempre foi pró-Estado) está mudando. Hoje, o estatismo é visto como uma escola econômica vinculada à esquerda, mas nem sempre foi assim. Durante o governo militar, por exemplo, houve um crescimento avassalador da presença estatal na economia – e foi quando tivermos o primeiro salto no número de companhias ligadas ao Estado.
Talvez muitos brasileiros ainda vejam as estatais como algo importante para o país – mas começam a perceber como o capital privado pode melhorar os serviços públicos. A primeira demonstração de como isso iria acontecer veio do mercado de telefonia móvel. Saímos de uma situação na qual a linha celular custava uma fortuna e, para adquiri-la era necessário entrar em uma interminável lista de espera. Hoje, no entanto, ninguém precisa comprar uma linha. Há tanta disponibilidade que o único desembolso mais alto é feito para se adquirir um aparelho. O exemplo da telefonia começa a gerar frutos entre nós. E pode ser crucial para reduzir a importância relativa das estatais entre nós.
Em alguns anos, porém, a maioria da população irá perceber que estatais deficitárias consomem recursos importantes do governo, que contrabalança seu caixa através da cobrança voraz de impostos. Neste momento, haverá uma grita geral para que essas empresas sejam passadas adiante. Esperemos que essa mudança de opinião não demore para acontecer. Caso contrário, o déficit brasileiro, que assombra o sono dos economistas sérios, dificilmente será recuperado.