Sem meias-palavras: o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, é aquilo que chamamos aqui no Brasil de uma pessoa escrota. Boquirroto, mal-educado, politicamente incorreto, incongruente em seus argumentos (especialmente em relação ao coronavírus) e agressivo além da conta – essas são algumas das características do homem mais poderoso do mundo.
Seu oponente, o democrata Joe Biden, faz a linha bom moço. Mas já enfrentou acusações de assédio sexual e, agora, se vê diante de uma denúncia segundo a qual seu filho, Hunter, teria se envolvido de forma questionável em negócios com o Partido Comunista Chinês. Embora o lado B de Biden não seja muito explorado pela imprensa americana, o candidato democrata investe em uma estratégia coerente: se transformar em uma espécie de antítese de Trump, seja em aspectos comportamentais como em intenções político-econômicas.
Há uma diferença brutal entre os democratas e republicanos no que diz respeito à economia: Trump reduziu a carga tributária e Biden deseja aumentá-la. O atual presidente segue a linha de Ronald Reagan – apelidada de “Reaganomics” nos anos 1980 – de diminuir tributos dos mais ricos para estimular investimentos. Por isso, antes da pandemia, os índices de desemprego nos EUA eram mínimos e a atividade empresarial andava de vento em popa. Já Biden aposta em reverter as medidas de alívio fiscal e elevar o imposto dos mais abonados para financiar programas sociais. Provavelmente, essa diferença irá beneficiar o Partido Democrata: em tempos de crise, os eleitores se afastam das ideias liberais e ficam seduzidos pelas propostas de dinheiro público sendo drenado dos mais ricos e injetado na sociedade.
Além disso, há uma distinção enorme no que diz respeito ao relacionamento com a China. Trump coloca os chineses como inimigos e principais responsáveis pelo declínio econômico americano. O país oriental seria, assim, a principal barreira para que os Estados Unidos fortaleçam sua liderança econômica mundial e tecnológica. Já Biden enxerga a China de uma forma relativamente mais branda, apesar de ter endurecido o discurso contra os chineses recentemente.
Quando foi presidente, Barack Obama atuou de forma complacente com a ascensão da China como potência econômica. Quem era o vice-presidente de Obama? Biden. E o que dizer do candidato democrata quando foi senador? Era simpático à expansão chinesa. Em 2001, ele declarou o seguinte, após voltar de uma viagem à China: “Os Estados Unidos dão as boas-vindas à ascensão de uma China próspera e integrada no cenário global porque esperamos que seja uma China que joga conforme as regras”.
No meio deste tabuleiro está o mercado de telefonia celular e a tecnologia 5G. Trump, por exemplo, já ofereceu financiamento ao Brasil para que não compre equipamentos da Huawei. Biden, por sua vez, parece ser mais flexível a um acordo com a empresa oriental. Tudo é uma questão de ponto de vista. Brigar com a China pode trazer mais empregos internos. Mas ter uma relação de parceria com o país liderado por Xi Jinping também pode ser bom para os EUA. O resultado final vai depender somente da capacidade de negociação dos Estados Unidos.
Os americanos têm diante de si uma escolha dura. De um lado, uma personalidade escrota, que vai antagonizar severamente com os chineses, e que tem uma proposta econômica mais moderna no que diz respeito à política tributária e de apoio aos empresários. De outro, um candidato com discurso politicamente correto, cujo real nível de antagonismo com a China é desconhecido, e com uma proposta fiscal antiquada.
Até agora, as pesquisas mostram Biden à frente de Trump em vantagem confortável. O democrata manterá essa dianteira pelos próximos 12 dias? Na última eleição, é sempre bom lembrar, os institutos mostravam enquetes nas quais Hillary Clinton seria eleita (embora a vantagem do voto popular, naquela época, fosse bem mais estreita do que apontam os estudos de hoje) e acabou derrotada.
A eleição de 2020, no entanto, não é para escolher um cara legal. Se fosse assim, Biden seria eleito quase que por aclamação. Trata-se de um pleito que vai definir os caminhos dos Estados Unidos para, no mínimo, a próxima década.
A personalidade de Trump, porém, é algo que interferirá fortemente nas escolhas deste ano. Em relação ao eleitorado americano, imagem é tudo. Trump ascendeu quatro anos atrás como a personificação do sonho americano, como um bilionário de sucesso. Hoje, enfrenta as dificuldades advindas do combate à pandemia, que mudaram completamente o cenário político. Trump, no início do ano, tinha a reeleição como certa – e hoje, dependendo da pesquisa, está de 11 a 14 pontos atrás das intenções de voto de Biden.
Ao mesmo tempo, percebe-se um certo descontentamento do americano médio em relação ao marido de Melania. Trump disse sobre os desencontros no embate contra o coronavírus: “Eu não posso ser responsabilizado por tudo”.
Os eleitores, no entanto, ainda têm na cabeça uma frase associada a Harry Truman: “The buck stops here (a responsabilidade, no final, é minha)”. Essa sentença estava em uma placa de madeira que o então presidente americano ostentava em sua mesa (na parte de trás, estava escrito “eu sou do Missouri”), feita por um reformatório em El Reno, Oklahoma. Essa máxima é repetida exaustivamente por políticos nos EUA há décadas. E levada a sério pelos eleitores.
Como a economia foi seriamente comprometida pela pandemia, o lado pessoal de Trump pode ser tornar o seu pior inimigo – e provocar uma derrota com o gosto amargo de uma ressaca. Ele ainda tem duas semanas e um debate para correr atrás do prejuízo. Conseguirá? Ainda é difícil arriscar um palpite.
Um detalhe, no entanto, chama a atenção. Dois dias atrás, o número de votos antecipados havia chegado a 25 milhões, um recorde para o período. Todos analistas estimam que, em 2020, o volume de sufrágios enviados pelo correio irá superar os 33 milhões da última eleição (esse comportamento pode ser explicado pelo receio de aglomeração nas cabines de votação) . Em tese, isso beneficiaria Biden. Segundo o Washington Post, a proporção de votos democratas contra republicanos, neste método de votação, chega a dois para um.
Voltaremos ao assunto na semana que vem, quando o quadro deve estar mais claro.
Uma resposta
Esquece-se o autor que o pacote de incentivos fiscais veio em meio a um crescimento sustentado por 10 anos, com fortes números de emprego, e que teve início nas medidas anticíclicas da era Obama em resposta à grande crise de 2008. Incentivo esse que estava por terminar. Tinha prazo. Incentivos esses que de modernos não tinham nada, sendo simplesmente o velho discurso de Reagan, que é em si uma forma de medida anticíclica no polo oposto, já que incentivos fiscais são equivalentes a dar dinheiro.
Com o fim dos incentivos a expectativa era de estagnação, uma vez que, ao contrário do que se argumentou para concedê-los, os agentes econômicos em grande parte não gastaram o extra com investimentos de infraestrutura e modernização. Os números do emprego mostraram isso quando se viu a absorção de trabalhadores que estavam há muito tempo nas margens das estatísticas de emprego, como ex-detentos, deficientes e idosos. Esses dados mostraram que os empresários preferiram ir atrás de qualquer pessoa disponível do que aumentar salários ou investir em modernização e aumentar a produtividade.
O FED passou dois anos no dilema do pleno emprego, mas sempre apareciam mais trabalhadores novos, e o tão esperado aumento de salários começou a aparecer só em 2020, antes da pandemia.
Os incentivos fiscais de Trump vieram no momento errado, na alta, na bonanza, e só serviram pra buyback das linhas aéreas, que contam com a certeza de bailouts, e outras formas de aumentar ainda mais a desigualdade de renda.
No resto concordo em boa parte com o sr.