Nos anos 1970, o seriado “Kung Fu” narrava as aventuras de Kwai Chang Caine (David Carradine), um rapaz que fora treinado em um monastério na China e vagava pelo Velho Oeste do século 19 em busca de seu irmão. Durante os episódios, havia vários flashbacks que mostravam o treinamento de Caine (apresentando os ensinamentos de seus professores, monges aparentemente tibetanos) e inúmeras cenas de luta.
Confesso que, quando criança, prestava mais atenção nas brigas do que qualquer outra coisa. Mas, ontem, li que essa série havia sofrido um remake e que voltará à TV (na nova versão, o Oeste do século retrasado é substituído pela San Francisco atual e o personagem principal é uma moça de vinte e poucos anos).
Isso me fez reviver alguns dos diálogos entre Caine e seus mestres, dos quais tinha apenas uma vaga recordação. Depois de uma pesquisa – é impressionante como a série original é idolatrada na internet – listo aqui cinco passagens dos programas. Estes tópicos fazem parte do ideário dos praticantes de artes marciais, aos quais deveríamos prestar atenção nos dias de hoje:
+ Sobre vitória:
– Mestre, nós buscamos a vitória em uma disputa?
– Melhor tentar não disputar.
– Mas, desse jeito, não seremos derrotados?
– Sabemos que onde não há disputa, não há derrota ou vitória. Um salgueiro não briga com a tempestade que o balança; mesmo assim, ele sobrevive a ela.
+ Sobre vingança:
– A vingança é um vaso de água com um buraco no fundo. Ele guarda apenas uma promessa vazia.
– Eu devo, então, reagir à injúria com bondade?
– Reja à injúria com justiça e perdão. Mas responda à bondade sempre com bondade.
+ Sobre ódio:
– Odiar é como beber água salgada. A sede apenas aumenta depois de beber.
– O ódio é um túmulo que você mesmo constrói. Ele nunca o salva de seu sofrimento.
+ Sobre a essência das artes marciais:
– Aquele que fala sobre a paz não pode se armar, mas também não pode ser fraco. Por isso, fazemos de cada dedo uma adaga. Se cada braço uma lança e de cada mão aberta um machado.
– O treino das artes marciais é baseado na autodefesa. Se você for atacado, deve dar ao inimigo o direito de fazer o primeiro movimento e, assim, dar início à derrota alheia.
+ Sobre passado, presente e futuro:
– Se um homem habita no passado ele não vive o presente; mas, se o homem ignora o seu passado, pode ficar sem futuro. As sementes do destino são nutridas pelo nosso passado.
Essas são frases que podem parecer ingênuas e tolas. Mas, quando ditas em um lodaçal de incompreensão e intolerância, como o que vivemos atualmente, ganham uma importância gigantesca. Em um momento em que todos estão vivendo intensamente as emoções e sendo guiados pelo fígado o tempo todo, respirar fundo e absorver um pouco da cultura oriental pode fazer bem – mesmo que a fonte seja um seriado obscuro dos anos 1970, com sentenças que poderiam estar decorando um livro de autoajuda atual.
Para encerrar, uma curiosidade. O personagem de “Kung Fu” é frequentemente chamado de “gafanhoto” por um dos mestres. Nunca havia entendido exatamente a razão para este apelido, mas acabei descobrindo agora. Numa determinada cena, Caine pergunta ao mestre cego como ele vivia sem enxergar. O ancião pede, então, ao discípulo que feche os olhos e diga o que ouve ao redor. O jovem diz que escuta a água saindo de uma fonte e alguns pássaros cantando por perto. O mestre indaga se ele não escuta o coração do gafanhoto que está perto de seus pés (despercebido por Caine até então). Surpreso, o discípulo pergunta como o mestre consegue ouvir esse tipo de coisa. Recebe como resposta outra pergunta: “Como você não consegue?”. A partir deste momento, o velho mestre passa a chamar Kwai Chang Caine de gafanhoto (“grasshopper” no original).
Uma resposta
Top de linha! Sempre assistir a série, e nunca imaginei a importância do seriado prá fazer a gente entender a ecencia da vida!
Emocionante!