Defensor da liberdade e do capitalismo, ele precisa ser lido e relido, por isso republicamos esse artigo
Hoje, dia 29 de setembro de 2011 (há 11 anos e 3 dias), é o centésimo trigésimo aniversário de Ludwig von Mises (agora com 141º ano de seu nascimento), economista e filósofo social, que faleceu em 1973. Mises foi meu professor e mentor, além de ter sido a fonte de inspiração para quase tudo aquilo que sei e que considero ser importante e digno nesses dois campos; de tudo aquilo que me permite entender os eventos que moldam o mundo em que vivemos.
Gostaria de aproveitar esta oportunidade para fazer uma homenagem ao meu mestre, pois creio que ele definitivamente deva ocupar um dos principais lugares da história intelectual do século XX.
Mises é de suprema importância porque seus ensinamentos são absolutamente necessários para a preservação da essência da civilização. Como ele demonstrou, a base da civilização é a divisão do trabalho. Sem a divisão do trabalho, seria impossível haver uma maior produtividade da mão-de-obra; e sem esta maior produtividade, praticamente toda a humanidade iria simplesmente morrer de fome.
A existência e o bom funcionamento da divisão do trabalho, no entanto, dependem vitalmente daquelas instituições que existem apenas em uma sociedade capitalista: liberdade econômica; governo limitado; propriedade privada da terra, dos bens de produção e de todos os outros tipos de propriedade; dinheiro e liberdade de trocas; poupança e investimento; desigualdade econômica; concorrência econômica; e a busca pelo lucro. Instituições estas que, em todos os lugares, estão sob ataque há várias gerações.
Quando Mises entrou no debate intelectual, o marxismo e todas as outras facções socialistas desfrutavam praticamente um monopólio intelectual. Enormes falhas e inconsistências nos escritos de Smith, Ricardo e seus seguidores permitiram aos socialistas alegarem que os economistas clássicos eram na realidade seus aliados. Os escritos de Jevons e dos primeiros economistas “austríacos” — Menger e Böhm-Bawerk — eram insuficientemente abrangentes para fornecer uma reação eficaz e vigorosa aos socialistas. Bastiat havia tentado fornecer um contra-ataque, mas faleceu muito prematuramente; e, em todo caso, provavelmente faltava-lhe a profundidade teórica necessária.
Assim, quando Mises surgiu em cena, não havia praticamente nenhuma oposição intelectual sistemática ao socialismo ou nenhuma defesa do capitalismo. Literalmente, as plataformas intelectuais da civilização estavam completamente indefesas.
O que Mises chamou para si próprio a responsabilidade de fazer — e é isso que resume bem a essência de sua grandeza — foi construir uma defesa intelectual do capitalismo e, consequentemente, da civilização.
O principal argumento dos socialistas era o de que as instituições do capitalismo serviam meramente aos interesses de uma minoria de rudes “exploradores” e “monopolistas”, e agiam contra os interesses da esmagadora maioria da humanidade, maioria essa cujos interesses seriam atendidos apenas pelo socialismo.
Ao passo que a única reação contrária ao socialismo advinha de intelectuais que, na mais benevolente das hipóteses, se limitavam a criar políticas que de alguma forma confiscassem a riqueza dos capitalistas em menor intensidade do que aquela exigida pelos socialistas, ou que insistiam em dizer que os direitos de propriedade deveriam ser respeitados não obstante sua incompatibilidade com o bem-estar da maioria das pessoas, Mises surgiu desafiando as pressuposições básicas de todos. Ele demonstrou que o capitalismo serve aos interesses materiais e ao proveito próprio de todas as pessoas, inclusive dos não-capitalistas — os chamados proletários.
Em uma sociedade capitalista, demonstrou Mises, os meios de produção em mãos privadas servem exclusivamente ao mercado. Quem se beneficia fisicamente das fábricas e indústrias são todas aquelas pessoas que compram seus produtos. Em conjunto com os incentivos gerados pelo sistema de lucros e prejuízos, bem como toda a liberdade de concorrência que tal sistema implica, a existência da propriedade privada dos meios de produção garante uma sempre crescente oferta de bens e serviços para todos.
Desta forma, Mises demonstrou por que clichês como “a pobreza gera o comunismo” eram um contra-senso total. O que gera o comunismo não é a pobreza, mas sim a pobreza acrescida da equivocada crença de que o comunismo é a cura para a pobreza. Se os desorientados e ignorantes revolucionários dos países atrasados, bem como os líderes de bairros, favelas e outras localidades pobres, realmente entendessem de economia, quaisquer desejos que eles genuinamente tivessem de lutar contra a pobreza fariam deles ardorosos defensores do capitalismo.
O socialismo, demonstrou Mises naquela que foi sua maior e mais original contribuição ao pensamento econômico, não somente elimina os incentivos gerados pelo sistema de lucros e prejuízos, junto com a liberdade de concorrência e a propriedade privada dos meios de produção, como também impossibilita por completo o cálculo econômico, a coordenação econômica e o planejamento econômico. Por conseguinte, o socialismo inevitavelmente resulta em caos econômico. O socialismo significa a abolição do sistema de preços e da divisão intelectual do trabalho; significa a concentração e a centralização de todas as tomadas de decisão nas mãos de uma única agência: o Comitê de Planejamento Central, sob controle de um Ditador Supremo.
No entanto, o planejamento de um sistema econômico está além do poder de qualquer ser que tenha a mínima consciência de suas capacidades mentais: o número, a variedade e a localização dos distintos fatores de produção, as várias possibilidades tecnológicas a que eles podem ser submetidos, e as diferentes permutações e combinações possíveis de tudo aquilo que pode ser produzido por eles, é algo que está muito além do poder mental de qualquer gênio; é algo impossível de ser mantido sob controle de poucas mentes planejadoras.
O planejamento econômico, demonstrou Mises, requer a cooperação de todos que participam do sistema econômico. O planejamento econômico pode existir somente sob o capitalismo, um sistema no qual, a cada dia, empreendedores planejam tendo por base os cálculos de lucros e prejuízos; os trabalhadores planejam tendo por base os salários; e os consumidores planejam tendo por base os preços dos bens de consumo.
As contribuições de Mises ao debate entre capitalismo e socialismo — a principal questão da modernidade — são avassaladoras. Antes de seus escritos, as pessoas não haviam se dado conta de que o capitalismo de fato se baseia no planejamento econômico. Elas haviam aceitado, sem qualquer crítica, o dogma marxista de que o capitalismo gera uma “anarquia no sistema de produção” e que o socialismo, em contrapartida, representa o planejamento econômico racional. As pessoas estavam (e a maioria ainda está) na mesma posição de M. Jourdan, de Moliere, que jamais percebeu que havia passado toda a sua vida falando em prosa.
Afinal, vivendo em uma sociedade capitalista, as pessoas estão literalmente rodeadas de planejamento econômico, e ainda assim não percebem que ele existe. Diariamente, há inúmeros empreendedores planejando expandir ou reduzir suas empresas; planejando introduzir novos produtos ou suspender antigos; planejando abrir novas filiais ou fechar algumas existentes; planejando alterar seus métodos de produção ou continuar com seus atuais; planejando contratar novos empregados ou demitir alguns atuais.
E, também diariamente, há inúmeros trabalhadores planejando aprimorar suas habilidades, mudar de ocupação ou de lugar de trabalho, ou continuar exatamente como estão. E há também consumidores, que diariamente planejam comprar imóveis, carros, eletroeletrônicos, carnes ou sanduíches, além de também planejarem como melhor utilizar os bens que já possuem — por exemplo, se devem ir para o trabalho de carro ou utilizar ônibus ou taxi.
No entanto, as pessoas recusam o termo planejamento para todas essas atividades e reservam-no para os impotentes esforços feitos por um punhado de funcionários do governo, os quais, tendo proibido todas as outras pessoas de planejarem, presumem-se plenamente capazes de substituir a inteligência e o conhecimento de dezenas de milhões de pessoas pela sua própria inteligência e conhecimento. Mises identificou a existência de planejamento sob o capitalismo, o fato de que ele se baseia no sistema de preços (“cálculos econômicos”), e o fato de que os preços servem para coordenar e harmonizar as atividades de todos os milhões de planejadores independentes, dispersos e distintos.
Ele demonstrou que cada indivíduo, ao estar preocupado em ganhar renda e em limitar seus gastos, é levado a ajustar seus planos específicos de acordo com os planos de todos os outros indivíduos. Por exemplo, o trabalhador que decide se tornar um contador em vez de um artista — pois prefere a maior renda a ser obtida como contador —, está alterando seus planos de carreira em resposta aos planos das outras pessoas, as quais decidiram gastar mais com serviços de contabilidade do que com pinturas. O indivíduo que decide que uma casa em uma determinada vizinhança é muito cara — e, consequentemente, abre mão de morar naquela vizinhança —, está similarmente incorrendo em um processo de ajustamento de seus planos de acordo com os planos das outras pessoas; pois o que torna aquela casa muito cara são os planos das outras pessoas que estão dispostas a gastar mais para comprá-la.
E, acima de tudo, Mises demonstrou que cada empreendimento, aos buscar lucros e ao tentar evitar prejuízos, é levado a planejar suas atividades de uma maneira que não apenas serve aos planos de seus próprios clientes, como também serve aos planos de todo o sistema econômico — pois tal empreendimento, aos fazer seus cálculos de preços, leva em conta os planos de todos os outros usuários dos mesmos fatores de produção que serão utilizados por esse empreendimento.
Assim, Mises demonstrou que o capitalismo é um sistema econômico racionalmente planejado pelos esforços conjuntos — e voltados para o interesse próprio — de todos aqueles que participam dele. O fracasso do socialismo, demonstrou Mises, resulta do fato de ele representar não um planejamento econômico, mas sim a destruição do planejamento econômico, o qual só pode existir somente sob o capitalismo e o sistema de preços.
Mises não era fundamentalmente um anti-socialista. Ele era pró-capitalismo. Sua oposição ao socialismo — e a todas as formas de intervenção governamental — era derivada de seu apoio ao capitalismo, de sua paixão pela liberdade individual e da sua convicção de que homens livres agindo por interesse próprio geram resultados harmoniosos entre si. Acima de tudo, Mises tinha a convicção de que, sob o capitalismo, o que um homem ganha não representa a perda de um outro, mas sim o ganho de outros. Mises foi um consistente defensor do homem independente que venceu pelo esforço próprio, do intelectual e do empreendedor desbravadores, cujas atividades são a fonte do progresso de toda a humanidade e que só podem, como ele mostrou, florescer e prosperar sob o capitalismo.
Mises demonstrou que a competição sob o capitalismo é de um caráter totalmente distinto da competição que ocorre no reino animal. Não se trata de uma competição selvagem por meios de subsistência escassos fornecidos pela natureza, mas sim uma competição pela criação positiva de novas e adicionais riquezas, das quais todos se beneficiam. Por exemplo, o efeito da competição entre agricultores que utilizam cavalos e agricultores que utilizam tratores não resulta no primeiro grupo morrendo de fome, mas sim em todos tendo mais comida e, consequentemente, mais renda disponível para adquirir quantidades adicionais de outros bens.
E isso é válido até mesmo para os agricultores que “perderam” a competição e que tiveram de se realocar para outras áreas do sistema econômico — estas agora irão se expandir e beneficiar seus empreendedores, e tudo exatamente em virtude dos aprimoramentos ocorridos na agricultura. Similarmente, o efeito do automóvel suplantando o cavalo e a charrete foi o de beneficiar até mesmo os criadores de cavalos e os ferreiros, tão logo estes tenham feito as necessárias realocações.
Em um extraordinário aprimoramento da Lei das Vantagens Comparativas, de Ricardo, Mises demonstrou que há espaço para todos na concorrência capitalista, mesmo para aqueles que possuem as mais modestas habilidades. Tais pessoas precisam apenas se concentrar naquelas áreas em que sua relativa inferioridade produtiva é menor. Por exemplo, um indivíduo incapaz de ser mais do que um porteiro de prédio não precisa temer a concorrência do resto da sociedade, cuja quase totalidade dos membros poderia ser um melhor porteiro do que ele, caso fosse isso o que elas escolhessem fazer. Pois, por mais que tais pessoas pudessem desempenhar melhor tal função, a vantagem que elas possuem em outras linhas de trabalho é ainda maior.
E, enquanto a pessoa de menor capacidade produtiva ou menor habilidade estiver disposta a trabalhar como porteiro por uma renda menor do que aquela que as outras pessoas podem ganhar em outras linhas de produção, ele não precisa se preocupar com a concorrência delas. Com efeito, pode-se dizer que ele as supera competitivamente pelo emprego de porteiro ao se mostrar mais disposto do que elas a aceitar uma renda menor.
Mises mostrou que uma harmonia de interesses prevalece também neste caso. Pois a existência do porteiro permite que pessoas mais talentosas dediquem seu tempo a tarefas mais exigentes, ao passo que a existência destas pessoas permite ao porteiro obter bens e serviços que, de outra forma, seriam totalmente impossíveis de ele obter.
Baseando-se em tais fatos, Mises argumentou contra a possibilidade de inerentes conflitos de interesse entre raças e nações, bem como entre indivíduos. Pois mesmo se algumas nações ou raças fossem superiores (ou inferiores) a outras em todos os aspectos da habilidade produtiva, a cooperação mútua gerada pela divisão do trabalho ainda assim seria vantajosa para todos. Consequentemente, ele demonstrou que todas as doutrinas que alegam que há conflitos inerentes entre raças, classes sociais ou nações são doutrinas paridas pela total ignorância em economia.
Ele argumentou — utilizando uma lógica incontestável e irrespondível — que as causas econômicas das guerras originam-se nas interferências governamentais na forma de barreiras ao comércio e à migração, e que tais interferências, que restringem as relações econômicas estrangeiras, são o produto de outras interferências governamentais internas, as quais restringem a atividade econômica doméstica. Por exemplo, por causa da existência de leis que impõem um salário mínimo e que dão privilégios a sindicatos, a mão-de-obra doméstica fica impedida de fazer frente à concorrência de produtos estrangeiros por meio da redução de salários — logo, tarifas de importação se tornam necessárias para se impedir o desemprego. A partir da análise dos efeitos dessas pequenas intervenções, Mises demonstrou que os alicerces para a paz mundial estão em uma política laissez-faire tanto doméstica quanto internacionalmente.
Em resposta à maliciosa e amplamente aceita acusação dos marxistas de que o nazismo era uma expressão do capitalismo, ele demonstrou — em conjunto a tudo o que foi dito acima — que o nazismo era na realidade uma forma de socialismo. Qualquer sistema caracterizado por controles de preços e salários, e consequentemente por escassezes e controles governamentais sobre a produção e a distribuição, como era o nazismo, é um sistema em que o governo é o verdadeiro proprietário dos meios de produção. Afinal, em tais circunstâncias, o governo decide não apenas os preços cobrados e os salários pagos, mas também o que deve ser produzido, em quais quantidades, por quais métodos e para onde tudo deve ser enviado.
Essas determinações são as prerrogativas fundamentais da propriedade sobre algo — no caso, do governo sobre todo o sistema econômico. Essa identificação de “socialismo no padrão alemão”, como Mises rotulou, é de imenso valor para quem quiser entender a natureza de todas as demandas por controles de preços.
Mises demonstrou que todas as acusações feitas contra o capitalismo ou são totalmente infundadas ou deveriam ser dirigidas contra todos os tipos de intervenção governamental, a qual por definição solapa o funcionamento do capitalismo. Ele esteve dentre os primeiros a apontar que a pobreza dos primeiros anos da Revolução Industrial era herança de toda a história anterior — que ela existia porque a produtividade da mão-de-obra ainda era lastimosamente baixa, pois os cientistas, os inventores, os empreendedores, os poupadores e os investidores podiam somente de maneira muito gradual criar os avanços e acumular o capital necessário para aumentá-la.
Ele mostrou que todas as políticas trabalhistas e sociais são na verdade contrárias aos interesses das massas de trabalhadores a que elas se propõem ajudar — seu efeito é causar desemprego, retardar a acumulação de capital e, por conseguinte, reprimir a produtividade da mão-de-obra e o padrão de vida de todos.
Em uma magistral e original contribuição ao pensamento econômico, Mises mostrou que as recessões e depresssões sempre são o resultado de políticas governamentais que geram ou patrocinam a expansão do crédito com o intuito de reduzir as taxas de juros de mercado. Tais políticas, ele demonstrou, induzem a expansão em larga escala de investimentos errôneos e insustentáveis, os quais destroem capital. Por conseguinte, o sistema econômico passa a sofrer de uma escassez de capital líquido, o que gera contrações no crédito e, subsequentemente, recessões e depressões. Mises foi um proeminente defensor do padrão-ouro e de um sistema bancário regido pelo laissez-faire, sem proteções e privilégios governamentais — algo que, acreditava ele, levaria a um sistema bancário com 100% de reservas em ouro, o que tornaria impossível tanto a inflação quanto a deflação.
O que escrevi até aqui sobre Mises fornece apenas uma extremamente ínfima indicação do conteúdo intelectual que pode ser descoberto em seus escritos. Ele escreveu mais de uma dúzia de livros. E arrisco-me a dizer que não me lembro de ter lido um só parágrafo em qualquer um destes volumes que não contivesse pelo menos um pensamento ou uma observação instigante. Mesmo nas ocasiões em que vejo ser necessário discordar dele (por exemplo, sua visão de que pode existir monopólio sob um genuíno capitalismo de livre mercado, sua defesa do alistamento militar obrigatório, e certos aspectos de suas visões sobre epistemologia, a natureza dos juízos de valor, e o ponto de partida adequado para se estudar economia), sempre considero de extremo valor tudo o que ele tem a dizer, além de ser também um poderoso estímulo para o meu próprio pensamento. Não creio que alguém possa alegar ser genuinamente culto sem ter absorvido uma medida substancial da imensa sabedoria e erudição presentes em suas obras.
Os dois livros mais importantes de Mises são Ação Humana e Socialism, ambos os quais mais bem representam a envergadura e a profundidade de seu pensamento. Entretanto, ambos não são livros para iniciantes. Ambos devem ser precedidos por alguns de seus escritos mais populares, como Bureaucracy e Planning for Freedom.
The Theory of Money and Credit, Theory and History, Epistemological Problems of Economics, e The Ultimate Foundations of Economic Science são obras mais especializadas que provavelmente só devem ser lidas após Ação Humana. Outros escritos populares de Mises incluem Omnipotent Government, A Mentalidade Anticapitalista, Liberalismo, Intervencionismo, As Seis Lições, e The Historical Setting of the Austrian School of Economics. Para qualquer um seriamente interessado em economia, filosofia social ou história moderna, toda essa lista deve ser considerada leitura obrigatória.
Mises deve ser julgado não somente como um pensador extraordinariamente brilhante, mas também como um ser humano extraordinariamente corajoso. Ele acima de tudo sempre se manteve inarredavelmente apegado à verdade de suas convicções, sem se importar com o resto, e sempre preparado e disposto a atuar sozinho, sem uma única ajuda, na defesa da verdade. Ele jamais se importou um buscar fama pessoal, posições de prestígio ou ganhos financeiros, pois isso significaria ter de sacrificar seus princípios. Durante toda a sua vida, ele foi marginalizado e ignorado pelo establishment intelectual, pois a verdade de suas visões e a sinceridade e o poder com que as defendia e desenvolvia estraçalhava todo o emaranhado de mentiras e falácias sobre o qual a maioria dos intelectuais de sua época — bem como os de hoje — construiu suas carreiras profissionais.
Foi meu grande privilégio ter conhecido Mises pessoalmente durante um período de vinte anos. Eu o conheci pela primeira vez quando tinha ainda dezesseis anos. Por reconhecer a seriedade do meu interesse em economia, ele me convidou para assistir ao seminário que ele proferia na New York University a alunos diplomados, ao qual dali em diante compareci praticamente todas as semanas durante os sete anos seguintes, parando de comparecer somente quando o início da minha própria carreira de professor fez com que não mais fosse possível eu continuar mantendo minha presença regular.
Seus seminários, assim como seus escritos, eram caracterizados pelo mais alto nível de erudição e sabedoria, e sempre mantendo o mais profundo respeito pelas ideias. Mises jamais se interessou pela motivação pessoal ou pelo caráter de um autor, e sim por uma só questão: saber se as ideias daquela pessoa eram verdadeiras ou falsas. Da mesma forma, sua postura e comportamento pessoal sempre foram altamente respeitosos, reservados e fonte de amigável encorajamento. Ele constantemente se esforçava para extrair de seus alunos o que neles havia de melhor, para ressaltar suas melhores qualidades. Isso, em conjunto à sua ênfase na importância de saber línguas estrangeiras, levou-me a utilizar parte do meu tempo como aluno universitário para aprender alemão, o que mais tarde levou-me a incorrer na tarefa de traduzir do alemão para o inglês o seu livro Epistemological Problems of Economics — algo que sempre foi uma de minhas realizações mais orgulhosas.
Os livros de Mises merecem ser leitura obrigatória nos currículos de todas as faculdades e universidades — não somente nos departamentos de economia, mas também nos departamentos de filosofia, história, sociologia, ciência política, direito, administração, jornalismo, educação e ciências humanas. Caso fossem sérios, Mises deveria ser imediatamente premiado com um Prêmio Nobel póstumo — aliás, com mais de um. Ele merece receber cada símbolo de reconhecimento e memorial que uma civilização pode conceder a alguém. Mais do que inúmeras outras pessoas, ele batalhou arduamente para preservar a existência da sociedade humana. Se suas obras passarem a ser amplamente lidas, seu esforço pode de fato obter êxito em ajudar a salvá-la.
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Por George Reisman
Publicado originalmente em: cutt.ly/cVXly90