Até o mais ferrenho crítico da imprensa brasileira admite que há diferenças cruciais entre os jornais O Estado de S. Paulo e Folha de S. Paulo. A mais básica das dessemelhanças é óbvia: o Estadão tem um perfil mais conservador e a Folha flerta frequentemente com ideias esquerdistas. Ontem, porém, as duas publicações tiveram o mesmo tema em seus editoriais. Além disso, usaram a mesma abordagem, criticando a atuação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em relação a assuntos internos da Petrobras e da Vale do Rio Doce.
O texto do Estadão bate forte: “Lula dá reiteradas demonstrações de que não admite ser contrariado em seus objetivos intervencionistas. Está absolutamente convencido de que o Estado paternalista e dirigista é a solução para o país. Por isso vê com tanta naturalidade a utilização do caixa de estatais para projetos que, muitas vezes, nada têm a ver com a estratégia dessas empresas. E se as estatais e empresas mistas não são suficientes, que os tentáculos do Estado se prolonguem em direção às empresas privadas”.
A Folha também não deixou barato: “O arroubo demagógico – acompanhado de surradas diatribes contra o mercado e os juros – só alimentou os temores de que o governo petista vá impor mais de sua agenda política e ideológica à gestão da estatal [Petrobras], como se nada tivesse aprendido com os escândalos de corrupção e prejuízos bilionários do passado recente”.
Os investidores reagiram mal, vendendo os papéis das companhias, o que resultou uma perda conjunta de valor de mercado nunca antes vista na história desse país. O presidente, diante disso, afirmou: “Se eu for atender apenas a choradeira do mercado, você não faz nada. Porque o mercado, vou contar uma coisa para vocês, mercado é um rinoceronte, dinossauro voraz. Ele quer tudo para ele, nada para o povo”.
Uma coisa é uma choradeira ancorada em ambição pura e simples. Outra é respeitar a governança da Petrobras e da Vale, sempre lembrando que o governo federal tem outros acionistas na composição do capital dessas corporações. No caso da petroleira, o Tesouro detém 36 % de todas as ações. Mas como possui 50,26 % das ações ordinárias, exerce o controle sobre a companhia e tem a primazia de escolher seu presidente.
Ocorre que a Petrobras, durante o governo de Michel Temer, tomou um banho de governança para evitar os assaltos promovidos aos seus cofres, alguns dos quais financiados com projetos que entraram na cota de investimentos da empresa. Nesse pacote de medidas na época de Temer, deu-se ênfase na proteção dos acionistas minoritários. Hoje, porém, percebe-se que esse conjunto de decisões está ficando no passado.
O caso da Vale é ainda pior, pois o controle acionário não é nem de longe exercido pelo governo. Mesmo assim, por ter um número razoável nos assentos, o Planalto quer interferir na escolha do novo presidente. Essa queda de braço resultou na demissão do conselheiro José Penido, que escreveu uma carta, na qual criticou o encaminhamento da sucessão do CEO da companhia. “O atual processo sucessório do CEO da Vale vem sendo conduzido de forma manipulada, não atende ao melhor interesse da empresa, e sofre evidente e nefasta influência política. […] Não acredito mais na honestidade de propósitos de acionistas relevantes da empresa no objetivo de elevar a governança corporativa da Vale a padrão internacional de uma Corporation”.
O governo federal precisa entender que não pode interferir dessa forma (mexendo com as cotações de grandes corporações) e achar isso algo normal. Especialmente porque há investidores internacionais entre os detentores de papéis da Vale e da Petrobras. Não se pode ir contra as regras de mercado e passar a mensagem aos investidores de que o Planalto supervisiona as decisões de seus executivos.
Se é para agir dessa forma, em relação à Petrobras, é melhor privatizar tudo (algo impossível em uma gestão petista) ou fechar logo o capital da companhia (algo mais ao gosto do PT). Do jeito que está, no meio do caminho, as coisas não vão terminar bem para a empresa.
E a Vale? O governo tem apenas 8,6 % de suas ações. Está na hora de a classe política parar de interferir em uma empresa privada, responsável por um grande naco de nossas exportações. Precisamos atrair investidores estrangeiros para ampliar o nosso PIB. Ao atuar dessa forma na Vale e na Petrobras, Lula passa um recado muito ruim aos donos do capital mundial – o de que as regras, aqui, dependem acima de tudo da boa vontade dos protagonistas da cena partidária e não do movimento do livre mercado.