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O gabinete do ódio que está dentro de cada um

Na semana passada, o empresário Luciano Hang ganhou um processo que movia contra a Folha de S. Paulo e a jornalista Patrícia Campos Mello. O motivo da disputa foi uma reportagem publicada em 2018 que apontava o dono da Havan como financiador de disparos na redes sociais que atacavam o então adversário de Jair Bolsonaro, o petista Fernando Haddad. A vitória de Hang provocou uma batalha campal nas redes sociais. Um lado aplaudindo e o outro apupando. Mas havia uma coisa em comum nas postagens – todas eram escritas a partir de uma raiva descomunal.

Antes da pandemia, já vivíamos momentos de impaciência. As diversas discussões políticas de 2018 romperam amizades, afastaram parentes e abalaram relações de trabalho. No ano seguinte, a verborragia do presidente Bolsonaro fez discussões ideológicas e de costumes pipocarem – e a demora para a economia decolar (aliada à grande taxa de desemprego) minou a paciência de todos. Quando a maioria dos brasileiros esperava que a situação fosse melhorar em 2020, veio a pandemia e, com ela, um tipo de insegurança jamais experimentado por essa geração de cidadãos. Mais uma rodada de conflitos teve início: negacionistas versus grupos pró-ciência ou aqueles que colocavam a economia à frente das questões sanitaristas (e vice-versa).

Este fenômeno chegou até às crianças. Com os nervos à flor da pele, os infantes deixaram de conviver e se jogaram ao divertimento online, em aplicativos como o TikTok. Milhares de casos de brigas e de bullying surgiram neste ambiente, até porque o público infantil está ansioso e frustrado com as aulas à distância.

O fato é que nunca brigamos tanto como em 2020. Todos nós, em maior ou menor escala, entramos em algum tipo de discussão neste ano. E foi muito difícil se controlar, mantendo a pose. Foi como se cada um de nós tivesse um gabinete do ódio dentro de si. Alguns conseguiram controlar suas ações. A maioria, no então, não obteve sucesso.

Ao final do século 19, falava-se muito no “spleen”. Ao pé da letra, essa palavra inglesa quer dizer “baço” (o órgão), “hipocondria” ou “depressão nervosa”. Mas o poeta Lord Byron usava essa expressão para definir tédio e melancolia decorrentes de um amor não correspondido. Trata-se de uma depressão um tanto quanto coletiva, que acometia a juventude niilista e descrente.

O século 19 foi uma época de transição. Saímos da era do artesanato para a indústria e a tecnologia deu enormes saltos nessa fase histórica. Geralmente, momentos como esses geram desconforto e, em torno de 1830, por exemplo, este sentimento gerava a depressão descrita pelo sexto barão de Byron (curiosamente, o poeta viria a ter uma filha, a matemática Ada Lovelace, que seria mais tarde reconhecida como a autora do primeiro algoritmo que poderia ser rodado em um computador – ainda não inventado naqueles tempos).

Os tempos tecnológicos, que devem ter sido imaginados pela Condessa de Lovelace, provocaram outro tipo de mal: a insatisfação e o desconforto. Boa parte dos leitores desse texto faz parte de uma geração que começou analógica e se tornou digital. Não se sabe exatamente para onde a tecnologia vai nos levar e essa incerteza gera um certo incômodo.

Vivemos tempos em que tudo passa rápido e as coisas se transformam imediatamente. Por isso, leva segundos para que o incômodo congênito dê lugar à raiva, especialmente quando boa parte da sociedade se comunica através de mensagens ou posts. Some-se isso à falta de paciência gerada pelo estresse e temos uma receita perfeita para a falta de entendimento.

O que fazer nesta situação?

A primeira é não temer o futuro e desenvolver, não importa a idade, a capacidade de adaptação às novas tecnologias. Vivemos durante a pandemia a tal aceleração digital. Esse fenômeno veio para ficar e vai provocar ainda mais mudanças em nossa sociedade. Por enquanto, tivemos que nos adaptar às videoconferências, aos serviços de e-commerce e aos deliveries de refeições. Isso não é nada perto do que está para ocorrer com a internet das coisas, a inteligência artificial, a biociência e a velocidade proporcionada pelas redes 5G.

Ou seja, se o pequeno ajuste de tecnologia incomodou, espere o próximo capítulo. Tudo vai ficar ultrapassado em questão de dias. Diante da inevitabilidade, é melhor estar preparado e deixar o desconforto de lado. Com certeza, esta atitude trará um efeito colateral importante: maior tolerância e menos raiva. Você conseguirá viver melhor assim? Tenho certeza que sim. A discussão aberta, franca e elegante leva à evolução. A briga e o confronto, ao contrário, nos dirige aos tempos sinistros da Idade Média. Ou seja, é um retrocesso ao que temos de pior na história mundial.

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