Ninguém gosta de pagar impostos, especialmente se o Estado não consegue entregar serviços públicos compatíveis com o tamanho da mordida do Leão. Mas, ultimamente, esse sentimento mudou de patamar: as pessoas – físicas ou jurídicas – não aguentam mais pagar os tributos cobrados pela estrutura pantagruélica que é comandada pela trinca federação-estados-municípios.
Há dois casos em particular que ilustram essa situação: o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse) e a desoneração da folha de pagamentos de 17 setores da economia. Esses dois mecanismos estão sendo questionados pelo governo, que deseja revertê-los ou minguá-los. A gritaria que se seguiu à intenção do Executivo foi enorme e ganhou a sensibilidade do Congresso, que prorrogou ou reformulou os programas – mas não os extinguiu (ontem, o ministro Cristiano Zanin, do Supremo Tribunal Federal suspendeu provisoriamente a desoneração; o caso será encaminhado ao plenário do STF até o dia 6).
Antes de mais nada, um disclaimer: MONEY REPORT, embora realize mais de 30 eventos por ano, não está inscrito no Perse. Portanto, esse artigo não legisla em causa própria ou tem algum interesse escondido. Vamos aos fatos: em tese, esse programa surgiu durante a pandemia e deveria durar enquanto a Covid-19 estivesse prejudicando quem depende de aglomerações públicas. Ocorre que esse período turbulento passou. Nada mais justo, portanto, que a tributação o setor voltasse aos patamares originais.
O problema está justamente no tamanho desse patamar original. A carga tributária sobre bens e serviços aqui no Brasil é equivalente a 15% do Produto Interno Bruto, ligeiramente superior à da Finlândia, com 14%. Lembremos, porém, que o país nórdico possui uma estrutura de serviços públicos infinitamente superior à brasileira. Quando comparamos esses 15% com o que ocorre nos Estados Unidos, porém, a sensação é de revolta. Nos EUA, a carga tributária sobre bens e serviços é de 4,4%.
Com a desoneração, o problema é semelhante. A ideia surgiu durante o governo de Dilma Rousseff beneficiou apenas quatro mercados, como confecções, calçados, tecnologia e call centers. Em 2012, a medida foi ampliada para 12 áreas – e, em 2014, saltou para 56 setores. Desde o início, sabia-se que a desoneração valeria até 2023. Mas houve protestos quando a data limite chegou.
O Congresso, no entanto, entrou em campo e criou um projeto de lei para manter a desoneração para 17 segmentos da economia. O texto virou lei em 29 de dezembro de 2023 e, agora, o Executivo questiona a sua viabilidade jurídica através da Advocacia Geral da União. A petição, encaminhada ao Supremo Tribunal Federal, argumenta que a lei não prevê o impacto financeiro da medida (uma exigência da Constituição) e que, por isso, precisa ser anulada. Está em jogo, neste caso específico, uma arrecadação estimada em R$ 10 bilhões anuais. Por enquanto, o jogo está zerado — mas voltará à pauta da Alta Corte nos proximos dias.
Está surgindo, assim, uma nova polarização. De um lado, o governo não quer cortar gastos. Além disso, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva anuncia aos quatro cantos que o Executivo precisa gastar mais (com o propósito de melhorar as taxas de popularidade). De outro, temos a sociedade brasileira, cada vez mais cansada de pagar, pagar e pagar.
Todos – empresários e trabalhadores – sabem a importância dos impostos para manter de pé os serviços públicos e fomentar investimentos de infraestrutura. Mas, cada vez mais, cresce o número de pessoas revoltadas com a incapacidade de o Estado não cortar despesas e diminuir de tamanho. O próximo passo deste processo é pressionar os políticos por uma estrutura estatal mais enxuta – e isso inclui também os gastos com o Legislativo e o Judiciário. O Estado precisa fazer a sua parte. A sociedade não aguenta mais pagar sozinha essa conta exorbitante.