O protecionismo é a confusa tese daqueles que acreditam que mais escassez gera bem-estar
Eis o fato mais importante que qualquer economista digno de sua profissão tem de reconhecer: vivemos em um mundo de escassez.
A escassez é ubíqua e está por todos os lados. Nenhum bem de consumo existe em abundância. Nenhum bem de consumo é infinito. Tudo tem de ser trabalhado e produzido.
E, por mais que trabalhemos e produzamos, ainda assim jamais conseguiremos criar tudo o que desejamos. Nem todos os desejos e necessidades humanas podem ser satisfeitos com os meios — mão-de-obra, recursos, ferramentas, maquinários, tempo, conhecimento — disponíveis.
Alguns de nossos desejos — com efeito, a maioria — jamais serão atendidos, pois, exatamente para que possamos utilizar os recursos escassos, a mão-de-obra, as ferramentas, os maquinários, o tempo e o conhecimento na produção de alguns bens e serviços, outros bens e serviços deixarão de ser produzidos.
Consequentemente, determinados bens e serviços deixarão de ser produzidos para que aqueles outros bens e serviços que julgamos ser mais essenciais possam ser produzidos.
Um dos mais graves erros econômicos que os seres humanos podem cometer é o de ignorar que o nosso mundo é caracterizado pela escassez. Seres humanos que partirem do princípio de que vivem em um mundo de superabundância pagarão um preço extremamente alto por esse erro.
E caso você pense que só falei obviedades — tão óbvias ao ponto de serem irrelevantes, pois ninguém ousaria imaginar outra coisa —, repense. Uma grande variedade de políticas governamentais se baseia na premissa de que o maior “problema” que a humanidade enfrenta não é a escassez, mas sim a superabundância.
O protecionismo e o temor da prosperidade
Um perfeito exemplo de uma política baseada no temor de que haja superabundância é o protecionismo.
De longe, a força ideológica mais poderosa na defesa do protecionismo é o temor de que, com o livre comércio — isto é, com as pessoas podendo comprar coisas baratas do exterior —, haverá poucos empregos para os trabalhadores na economia doméstica.
Repare: o que seria esse temor senão o medo de que o livre comércio irá gerar uma abundância tão plena, que ninguém mais terá de trabalhar para produzir? O que seria esse temor senão a noção de que, com o livre comércio, todos os desejos da humanidade seriam tão completamente satisfeitos, que chegaremos ao ponto em que não mais seremos úteis em fornecer bens e serviços uns aos outros?
O temor do cidadão comum em relação ao livre comércio se baseia em um entendimento completamente equivocado em relação à realidade do mundo. É um temor de que nós humanos (ou pelo menos os humanos de um determinado país) estamos no limiar de abolir a escassez e, consequentemente, de transformar o mundo (ou ao menos o nosso país) em um ambiente de superabundância.
Esse temor é completamente irracional.
Esse temor é irracional não apenas porque, não importa quão materialmente prósperos nos tornemos, a escassez sempre continuará existindo; é irracional também porque sua expressão é invariavelmente incoerente. Aquelas pessoas que temem que o livre comércio irá abolir a demanda por mão-de-obra estão, por definição, dizendo que o livre comércio irá abolir a escassez. Mas tão extraordinário sucesso em abolir a escassez significaria, também por definição, que não ter um emprego não geraria nenhuma penúria ou privação. Em um mundo de superabundância, ninguém precisa trabalhar para sobreviver ou mesmo para viver luxuosamente. Se a escassez foi abolida, as privações acabaram.
Por outro lado, um mundo em que as pessoas têm de trabalhar para sobreviver, principalmente para viver com algum luxo, é necessariamente um mundo de escassez — o que significa que é um mundo repleto de oportunidades econômicas para todos aqueles que desejam servir aos outros visando ao lucro.
Políticas baseadas em um erro tão grosseiro quanto esse, que confunde nosso mundo de irrevogável escassez com um mundo de superabundância — ou no limiar da superabundância —, são destrutivas. E quanto mais essas políticas forem buscadas, mais destrutivas elas serão.
O protecionismo é uma política baseada no calamitoso e errôneo temor de que um dos maiores problemas enfrentados pelos seres humanos não é a escassez, mas sim a superabundância.
Protecionistas confundem trabalho duro com prosperidade
No entanto, há uma explicação para essa confusa mentalidade protecionista. Eles confundem trabalho duro com prosperidade.
As pessoas trabalham com o intuito de reduzir o fardo da escassez. Elas trabalham para produzir e, com isso, tornar bens e serviços mais abundantes. Fazer com que bens e serviços sejam mais abundantes é o fim; o trabalho é o meio.
Ao verem uma conexão entre trabalho e redução da escassez, os protecionistas erroneamente concluem que, ao reduzirem as importações e elevarem artificialmente a escassez, e com isso obrigarem as pessoas a trabalharem mais, esse aumento da necessidade de trabalho tornará as pessoas mais prósperas.
Ou seja, ao corretamente verem o trabalho como um meio para a redução da escassez, os protecionistas ilogicamente concluem que políticas que aumentem a escassez — e que, logo, gerem mais necessidade de trabalho — irão necessariamente tornar as pessoas mais prósperas.
Só que, com a escassez artificialmente aumentada por tarifas de importação e outras “proteções” — e com a abundância artificialmente reduzida por essas medidas —, as pessoas terão, como resultado, de trabalhar mais pesado a fim de continuar consumindo a mesma quantidade de bens e serviços que consumiam. Ou, o que dá no mesmo, caso continuem trabalhando o mesmo tanto, terão de se contentar em consumir menos bens e serviços.
Isso é o exato oposto de maior bem-estar e maior padrão de vida.
Afinal, é exatamente naquelas sociedades em que o esforço físico é o mais pesado e intenso, que a qualidade de vida é menor. Onde o trabalho é mais fisicamente exaustivo: no Haiti ou na Nova Zelândia? Quem tem um comércio mais livre? Quem tem um padrão de vida maior?
Protecionistas, ao verem uma maior necessidade de trabalho, concluem que esse maior esforço físico fará com que as pessoas se tornem mais prósperas. Já os defensores do livre comércio, ao verem uma maior necessidade de esforço físico, reconhecem que isso é consequência de as pessoas terem se tornado menos prósperas.
Conclusão
O protecionismo é uma desastrosa política implantada para criar escassez e para impedir a abundância. Tal política é destruidora do padrão de vida humano. Não há meias palavras.
Todos nós trabalhamos porque queremos trocar os frutos do nosso trabalho por aqueles bens e serviços que ainda não temos ou dos quais necessitamos continuamente. Trabalhamos e produzimos para que então possamos demandar bens e serviços. Trabalhamos e produzimos para que possamos importar bens e serviços — seja de outra rua, de outro bairro, de outra cidade, de outro estado ou de outro país.
Se as fronteiras do território dentro do qual vivemos estão completamente abertas para todos os bens e serviços produzidos mundialmente, então somos pessoas de sorte: estamos na privilegiada situação de ter os indivíduos mais talentosos do mundo trabalhando e produzindo para atender às nossas demandas, reduzir nossa escassez e aumentar nossa abundância.
Sob este arranjo, por definição, o poder de compra do nosso salário alcança sua máxima capacidade. Todos aqueles que gostam de barganhas e de pechinchas adoram, intuitivamente, o livre comércio.
Por outro lado, se o governo fecha artificialmente as fronteiras do país para os produtos estrangeiros, então a população passa a viver sob um permanente estado de isolamento e autarquia. Ao serem praticamente proibidas de utilizar os frutos do seu trabalho para adquirir aqueles bens e serviços que são produzidos com mais qualidade por estrangeiros, as pessoas são forçosamente obrigadas a trabalhar duro par fabricar elas próprias esses bens, consequentemente desempenhando atividades nas quais não têm nenhuma habilidade.
Sendo obrigadas a fazer coisas para as quais não têm talento, toda a divisão do trabalho é afetada. A produtividade cai, a economia se torna mais ineficiente, e o padrão de vida vai junto.
Adicionalmente, a restrição às importações faz com que a capacidade de consumo e de investimento da população seja artificialmente reduzida. Tendo agora de pagar mais caro por produtos nacionais de qualidade mais baixa, os consumidores nacionais estarão incapacitados de consumir mais e de investir mais.
E sempre que a capacidade de consumo e de investimento da população é artificialmente reduzida, lucros e empregos diminuem por toda a economia.
Consequentemente, empregos de baixa produtividade nas indústrias protegidas são mantidos em detrimento de empregos de alta produtividade em empresas que tiveram suas vendas reduzidas por causa da queda da capacidade de consumo e de investimento das pessoas. A produção diminui, os preços médios aumentam, e os salários reais caem.
No que diz respeito ao comércio, a melhor política sempre será a eliminação de todas as barreiras à importação. Mesmo que unilateralmente. E por um motivo simples e racional: a abundância sempre deve ser preferida à escassez.
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Por Donald Boudreaux
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