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Sua vida on-line é mais interessante que a real?

O.K., estamos em plena pandemia e a circulação livre de pessoas se tornou algo condenável. Uma simples reunião de seis pessoas pode gerar críticas fortíssimas ou, o que é pior, desencadear todo o tipo de cancelamento – desligamento de grupos, perda de seguidores ou até demissão de empregos. Assim, é natural que, nessa época, as pessoas se comuniquem mais através do mundo on-line que no real. Até aí, tudo bem. Estamos no território da normalidade.

Mas e quando as pessoas sentem um vício irresistível e experimentam uma ansiedade enorme para abrir as redes sociais e ler os posts dos grupos que participam? Pior que isso: e quando as pessoas consideram essas interações digitais mais importantes que sua vida real?

Tenho uma filha de doze anos e convivo com essa obsessão pelo mundo digital diariamente. Percebo que, no caso dela e de algumas amigas, há quase que uma dependência em relação às redes sociais. Muitos diálogos se dão através de grupos de WhatsApp, mensagens de Twitter e comentários de TikTok. Os jovens de hoje atuam com desenvoltura em várias plataformas e têm de lidar com vários assuntos ao mesmo tempo.

Ainda sobre a minha filha: em plena praia, ela é capaz de ficar horas olhando para a telinha de seu smartphone, à parte do mundo que a cerca. O celular somente é posto de lado após uma bronca caprichada. Ontem mesmo, houve até a proibição de se mexer no aparelhinho. Sua única diversão foi ler um livro. No início, reclamou. Mas depois engatou na leitura e foi até a última página, lendo mais no dia de ontem do que na última semana inteira somada.

Esse fenômeno, no entanto, não ocorre apenas com crianças e adolescentes – adultos também estão dependentes de seus mundinhos digitais. Alguns têm maior foco nos grupos de WhatsApp. Comentam boa parte dos posts e se preocupam com sua imagem, criando uma espécie de persona digital. Outros, no entanto, têm a mania de criar uma espécie de diário on-line de tudo o que faz em aplicativos como o Instagram e o Facebook.

Enquanto os grupos permitem discussões com ambições intelectuais, Insta e Face (para os íntimos) são alternativas mais hedonistas, leves ou até com uma pitada de ostentação. Como no WhatsApp, essas ferramentas também provocam dependência. Usuários entram e saem dessas páginas, dando “refresh” em suas telas indefinidamente. Aliás, quando alguém têm mais de mil seguidores (ou segue uma quantidade semelhante de contas), é possível passar o dia inteiro à frente dessa telinha, seja como voyer (observando o que os outros postam) ou como alguém interativo e opinativo (o que pode soar chato para certas pessoas).

Todas as redes, no entanto, têm um ponto em comum: os usuários estão, em algum momento, atrás do que os jovens chamam de “biscoitagem”. O que quer dizer essa gíria? Sabe o cachorro que faz todos os truques em troca de um biscoito? Bem, foi essa imagem que inspirou o termo, usadíssimo nas redes.

A “biscoitagem” faz alguém postar alguma coisa com o intuito de gerar elogios ou curtidas. Aparentemente, não há mal algum nisso – e, sinceramente, todos já fizeram esse tipo de coisa. Eu, você e as torcidas de Flamengo, Corinthians, São Paulo, Palmeiras e Grêmio somadas.

O problema não é exatamente o comportamento em si, mas ficar dependente das curtidas e criar uma rotina apenas para satisfazer a audiência digital. Esse tipo de situação gera uma dependência quase química. Quando um post bomba, determinados usuários sentem um prazer enorme. E, assim, ficam presos nesse moto-contínuo.

O mesmo vale para os elogios recebidos em grupos de WhatsApp. Trata-se de uma roda digital de bate-papo. Mas muitos de nós encaram esses grupos como o ponto alto de suas vidas. Quando isso ocorre, no entanto, é porque o mundo real está chato demais. Hora, portanto, de reavaliar seus conceitos, como dizia uma propaganda antiga. Ou permanecer em uma vida que não lhe pertence.

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