Como se sabe, o ministro Alexandre de Moraes proibiu o jornal “Folha de S. Paulo” de entrevistar Filipe Martins, ex-assessor de Jair Bolsonaro. Martins ficou preso durante seis meses, acusado de ter participado de uma trama para patrocinar um golpe de Estado, mas foi libertado em 9 de agosto, sob a condição de que ele não mantivesse contato com os demais investigados. Foi justamente essa razão que Moraes utilizou para proibir a entrevista. Para o ministro, Martins poderia mandar mensagens aos outros envolvidos no processo através de suas respostas.
A possibilidade de isso ocorrer, no entanto, parece ser ínfima. Jornais se pautam pelo interesse público e dificilmente haveria algum contrabando de informações no texto publicado. A “Folha” fez um breve registro sobre o caso, na página quatro da edição de ontem, afirmando que o juiz do Supremo foi procurado para falar sobre sua decisão, mas preferiu não se manifestar.
Pelas redes sociais, há um consenso: o que Moraes fez é censura, pois proibiu uma entrevista e, consequentemente, sua publicação. As razões oferecidas são frágeis e flácidas. Na prática, o ministro parece ter tido a motivação de evitar que críticas fossem feitas ao processo judicial.
Como consequência, tivemos uma avalanche de críticas à decisão. Esses apupos se juntaram a outras manifestações contrárias a Moraes, em especial a predileção por jogar em várias posições ao mesmo tempo.
O jornal “O Estado de S. Paulo” de ontem coloca o dedo nessa ferida em dois momentos distintos. O primeiro é em seu editorial, intitulado “Alexandre de Moares ataca de novo”. Vale a pena reproduzir dois parágrafos deste texto:
“Concretamente, é forçoso dizer, se há algo em curso no país que pode, de fato, desestabilizar as instituições e, no limite, ameaçar o Estado Democrático de Direito é a atitude monocrática do ministro Alexandre de Moraes e a sua aparente incapacidade de reconhecer erros na condução de inquéritos sigilosos que há muitíssimo tempo já deveriam ter sido encerrados.
Tamanha concentração de poder em uma autoridade ou instituição é diametralmente oposta ao ideal republicano fundamental. Ao agir como se pairasse acima do bem e do mal por força exclusiva de suas eventuais virtudes morais ou boas intenções, Moraes avista o próprio Estado Democrático de Direito que ele jura defender.”
Mais à frente, um artigo do cientista político Luiz Fernando D’Ávila analisa o quadro atual e é bastante contundente:
“Uma democracia está em perigo quando o Estado deixa de ser o garantidor das liberdades individuais e passa a censurar e perseguir cidadãos. Uma democracia está em perigo quando a Justiça deixa de ser a guardiã da Constituição e da lei e passa a ser o vetor de arbítrio do Estado. Uma democracia está em perigo quando as medidas de exceção passam a ser defendidas pelas autoridades governamentais e toleradas por uma parcela significativa da sociedade.”
Todo este clima – de censura escancarada ou disfarçada – tem um efeito maléfico na sociedade: as pessoas passam a pensar duas vezes em se expressar, preferindo o silêncio à sinceridade. Neste cenário em que a democracia sofre abalos, muitos preferem o caminho da autocensura para não ter de enfrentar uma Justiça que parece ser arbitrária.
Responda rápido: você, empresário, daria uma entrevista para um jornal de grande circulação e diria tudo – tudinho mesmo – o que pensa sobre a atuação do Supremo Tribunal Federal? Se a sua resposta foi “não”, é sinal de que a autocensura está ganhando. E toda a vez que isso acontece, a democracia é a principal derrotada.