O vice-presidente Geraldo Alckmin parece ter dupla personalidade em sua atuação como titular do ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio. Para consumo interno, devido talvez aos altos índices de impopularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, suas decisões são tomadas de bate-pronto, na base do improviso, sem muita reflexão sobre suas consequências. No plano internacional, no entanto, as ações são planejadas meticulosamente e colocadas em movimento com cautela, sem grandes marolas.
Para combater a inflação de alimentos, por exemplo, Alckmin zerou a tarifa de importação para nove produtos alimentícios. O maior tributo de importação da lista é o da sardinha em lata, atualmente estabelecido em 32% (a título de comparação, o café, cujos preços dispararam, tem um imposto de importação de 9%).
Ocorre que a inflação do pescado foi inferior a 1,5% durante o ano de 2024. Diante disso, por que o governo liberou a importação de sardinhas?
É bem verdade que entre a semana passada, quando os impostos de importação foram zerados, e a chegada de fato dos alimentos estrangeiros no prato do brasileiro, haverá um período de alguns meses, de três a seis, dependendo do produto em questão.
Somente esse detalhe já seria suficiente para que o governo pensasse duas vezes antes de promover um “liberou geral” nas importações alimentícias. Mas o caso da sardinha (cuja versão enlatada responde por 75% deste mercado) é sintomático: uma decisão tomada de afogadilho pode trazer enormes dificuldades para a indústria nacional, dizimando marcas presentes no cotidiano brasileiro há décadas.
Talvez a alíquota de 32% seja exagerada. Mas, ao mesmo tempo, zerar as tarifas é um convite para que as indústrias chinesas aniquilem as manufaturas nacionais. Neste caso, estamos falando de 5.000 empregos que podem desaparecer total ou parcialmente.
No mercado internacional, entretanto, Alckmin se mostra ponderado, racional e meticuloso. O vice-presidente tem tido conversas frequentes com os técnicos do governo americano para discutir o tarifaço proposto pelo presidente Donald Trump. Nestas negociações, ele tem mostrado aos representantes dos Estados Unidos que a tarifa média de importação dos produtos americanos para o Brasil é pouco superior à marca de 2% — e que o caso do etanol, mencionado por Trump em entrevistas e discursos, é uma exceção.
Em entrevista à radio CBN, Alckmin afirmou o seguinte: “O Brasil não é problema para os Estados Unidos. O que buscamos é o entendimento, porque o comércio exterior tem que ser um ganha-ganha”. Durante a conversas com as âncoras da emissora, o vice-presidente mostrou cautela e disposição para ouvir o outro lado – coisa que não fez ao zerar alíquotas de importação de alimentos como a sardinha.
Como ministro, ele deveria zelar pela indústria nacional – ao contrário do que acabou fazendo neste episódio em que zerou a tarifa de importações de nove artigos de alimentação. Já no papel de vice, precisa apoiar o presidente em medidas para combater o processo inflacionário.
Qual lado prevalecerá nesta dupla personalidade de Alckmin? Aquele que ajudar o governo a ser mais popular. Simples assim.