Estou começando a ler o livro “A Máfia dos Bombardeiros”, de Malcolm Gladwell, e fico impactado logo no início da narrativa. Gladwell conta que, durante a Segunda Guerra Mundial, uma bomba alemã caiu no quintal de seus avós na cidade inglesa de Kent. Seu pai tinha 5 anos de idade e lá morava. Para o autor, qualquer menino daquela idade encararia o artefato explosivo como a “experiência mais extraordinária do mundo”. Mas não foi o que ocorreu com o velho Gladwell: “Ele era matemático. E inglês, o que significa que emoção não era sua língua materna. Na verdade, era mais como o latim ou o francês – algo que você pode estudar e até compreender, mas nunca dominar”.
Todos somos, em maior ou menor escala, como o pai do autor. Dificilmente dominaremos nossas emoções. Pelo contrário. Em inúmeras ocasiões, seremos verdadeiros passageiros de um comportamento que surge diretamente de nossos corações – e ficaremos reféns da angústia, do amor, da raiva, da ternura, da maldade e da bondade. Muitos de nós tentam (talvez como aqueles ingleses que passaram pela Segunda Guerra) congelar essas emoções e viver como o personagem Spock, o Vulcano guiado pela lógica do seriado Jornada nas Estrelas. O resultado é previsível: ao varrer as emoções para debaixo do tapete, apenas estaremos retardando a explosão de uma bomba de altíssima potência, como aquela que se alojou no quintal da família Gladwell.
O autor do livro cresceu ouvindo histórias como essa e absolutamente fascinado pelas batalhas aéreas do conflito que devastou a Europa nos anos 1940. Para quem cresceu na Inglaterra dos aos 1960, como ele, o fantasma da Segunda Guerra estava em todos os lugares, especialmente nos prédios modernosos que brotavam em quarteirões marcados pelas construções clássicas, erguidos onde as bombas tinham feito um estrago irreversível.
Gladwell diz que tem em casa uma coleção enorme de livros sobre essa guerra. “Em geral, quando começo a acumular livros desse jeito é porque quero escrever sobre o assunto”, diz ele. Sorrio em silêncio: a mesmíssima coisa acontece comigo.
Voltando ao livro. Ele toma como ponto de partida a troca de comando aéreo aliado no Oceano Pacífico, já em 1944, na reta final do conflito. Os dois generais envolvidos no processo – um que partiria e outro que assumiria – precisavam fazer um registro fotográfico da passagem de poder. O que deixava a liderança, Haywood Hansell, preservava sua dignidade estreitando os olhos em direção ao horizonte. Curtis LeMay, que assumiria seu lugar, olhava para o chão (na imagem, vê-se LeMay, Hansell e o chefe dos dois, o brigadeiro Roger M. Ramey). O texto, assim, descreve o que causou essa troca de bastão e suas consequências. Por quê? De acordo com Gladwell, “porque essa mudança de comando reverbera até os dias de hoje”.
Outra frase me deixou impactado: “Este livro é um estudo de caso sobre como sonhos dão errado. E sobre como ideias novas e brilhantes que caem do céu não aterrissam suavemente em nosso colo. Elas batem com força no chão e se espatifam”.
Ele dá como exemplo disso a internet, com suas redes sociais. Em um primeiro momento, essas redes são mostradas como uma ferramenta inequívoca de como os cidadãos comuns podem derrubar tiranos. Mas, depois, percebemos que essas plataformas também permitem que indivíduos comuns possam tiranizar uns aos outros.
Malcolm Gladwell é um de meus autores favoritos. Com uma prosa fácil, rápida e envolvente, ele nos convida a, no mínimo, uma reflexão interessante a cada capítulo.
Essa leitura da introdução de “A Máfia dos Bombardeiros” me faz lembrar um episódio do início do Século 20. Perguntado sobre se havia lido o último livro de José Lins do Rêgo, o modernista Oswald de Andrade saiu-se com uma pérola que é repetida até hoje: “Não li e não gostei”. Depois de degustar apenas o prefácio de “A Máfia…”, posso fazer uma adaptação às avessas da tirada oswaldiana: “Ainda não li, mas já adorei”.