Um relatório da Unesco, publicado há alguns dias, sobre o uso da tecnologia na educação, chama a atenção para os efeitos da Inteligência Artificial sobre a humanidade. Uma das conclusões do texto é a de que esse tipo de ferramenta pode desestimular os estudantes a pensar – e utilizar o caminho tecnológico para encontrar respostas que normalmente seriam obtidas com o uso do raciocínio.
Impossível não fazer uma ligação entre essa opinião e o que muitos educadores falavam sobre a televisão nas décadas de 1960 a 1980. E lembrar de uma canção dos Titãs, com letra de Arnaldo Antunes (um poeta que viveu justamente a fase áurea da chamada “máquina de fazer doido”): “A televisão me deixou burro/ Muito burro demais/ Agora todas as coisas que eu penso/ Me parecem iguais”.
Quando as redes sociais surgiram com muita força, falou-se algo parecido: que os posts e vídeos curtos iriam emburrecer as novas gerações, que seguiriam os pensamentos de uma grande massa.
Curiosamente, o que se criticava anteriormente na televisão era a passividade. O telespectador apenas assimilava aquilo que assistia, sem interação. A internet, porém, combinou o entretenimento com a interatividade – e, mesmo assim, foi acusada de reduzir a inteligência de seus usuários.
Hoje, a preocupação é justamente com a Inteligência Artificial. Muitos estudantes poderiam utilizar esse mecanismo e desistir de pesquisar ou raciocinar. Coincidência ou não, ouvi algo parecido quando criança e as calculadoras portáteis começaram a circular entre os mais novos – até por conta de preços superacessíveis. Dizia-se, na época, que essas geringonças iriam destruir a capacidade da juventude de fazer as contas mais básicas. Hoje, vê-se que essas previsões não deram em nada.
A preocupação com a utilização da IA talvez esteja no mesmo caminho.
Sempre vamos ter pessoas curiosas e sedentas por informações que sirvam de inspiração para novas ideias. Gente que deseja evoluir através do conhecimento, que sente um arrepio de felicidade quando completa um raciocínio que fecha um enigma. Esse tipo de gente pode até utilizar a Inteligência Artificial para usar um atalho ou outro. Mas sempre privilegiará os próprios caminhos para criar novas ideias ou conceitos.
Por outro lado, sempre teremos os preguiçosos que vão ser seduzidos pelo apelo fácil de apertar um botão e obter uma resposta. A preocupação dos pesquisadores da Unesco faz sentido para esse grupo de estudantes. Mas, na prática, o que estamos fazendo hoje é simplesmente obrigar alguém que não quer pensar a usar o cérebro. Essas pessoas já estavam operando por instrumentos antes do surgimento da IA – só estavam esperando a ferramenta certa para se manter no mundo no mínimo esforço.
A combinação da Inteligência Artificial com o raciocínio agudo é espetacular e pode gerar criações fabulosas. Duvida? Vamos apenas recordar o tempo em que os engenheiros perdiam tempo precioso fazendo operações matemáticas na unha. É provavelmente o que ocorre hoje com quem precisa juntar informações para montar um projeto brilhante – e olhe que o Google já facilitou muito essa tarefa nos últimos anos.
Evidentemente, como toda tecnologia em estágio inicial, a IA tem seus problemas e está sujeita às imperfeições de quem a criou. Outro dia, um amigo perguntou ao Chat GPT o que era a iniciativa MONEY REPORT. A resposta, com oito linhas, acertou apenas uma parte, como o conteúdo do site e de nossos eventos voltados à agenda liberal; mas errou outras tantas características, como o nome de seus fundadores. Ou seja, ainda não dá para confiar totalmente nesse aplicativo.
Além disso, temos que nos preocupar com o viés de quem programar as ferramentas de IA, que vai interferir diretamente no conteúdo a ser oferecido ao usuário. Será que, no futuro, poderemos adequar a Inteligência Artificial ao nosso jeito de enxergar o mundo? Se isso ocorrer, talvez possamos perder nossa capacidade de evoluir através dos pensamentos, pois teremos algoritmos trabalhando para que nossas ideias permaneçam as mesmas.
Isso, para mim, é que seria um enorme perigo – e uma porta para que a inteligência do planeta seja diminuída a passos largos. A conclusão de tudo isso provavelmente está em uma das estrofes daquela canção de Arnaldo Antunes, na qual precisaríamos substituir “televisão” por “inteligência artificial”: “É que a televisão me deixou burro/ Muito burro demais/ E agora eu vivo dentro dessa jaula/ Junto dos animais”.
Será que a IA vai provocar esse efeito nos seres humanos? Saberemos em breve. Em questão de cinco anos, no máximo.