Na última semana, o bilionário Jeff Bezos enviou um memorando aos jornalistas do Washington Post, que pertence ao seu grupo empresarial. O texto anunciava mudanças importante na linha editorial do jornal e tinha como destaque o seguinte trecho: “Estou escrevendo para informar sobre uma mudança que está por vir em nossas páginas de opinião. Vamos escrever todos os dias em apoio e defesa de dois pilares: liberdades pessoais e mercados livres. Abordaremos outros temas também, é claro, mas pontos de vista contrários a esses pilares serão deixados para serem publicados por outros”.
Um detalhe passou despercebido pela maioria dos articulistas que comentaram a decisão de Bezos. No texto, ele se referiu apenas às “páginas de opinião” do Post. Mas, como ele é o dono da publicação, espera-se que essa orientação, aos poucos, possa ser seguida também pelos jornalistas que cobrem o noticiário local, político e econômico.
Desde que Donald Trump assumiu a presidência dos Estados Unidos, defender liberdades individuais passou a ser visto com reservas pelos progressistas. Em resumo, esse grupo acredita que os defensores da liberdade do indivíduo são extremistas de direita, preocupados em permitir a propagação de ideias fascistas, homofóbicas, misóginas e antidemocráticas.
Podemos admitir que uma parte dos entusiastas seja de perfil extremista. Mas isso não faz da defesa das liberdades individuais algo automaticamente ruim e condenável. Hoje, os holofotes podem estar naqueles que fazem a apologia de bandeiras conservadoras. Mas, no futuro, o alvo pode ser justamente aquele que hoje levanta bandeiras progressistas.
No passado, por exemplo, o Estado — durante as ditaduras dos militares e de Getúlio Vargas — ceifou a opinião da esquerda e instaurou processos explícitos de censura prévia. Nada impede que, daqui a algum tempo, a patrulha digital que hoje cancela influenciadores direitistas e fake news se torne contrária aos que são chamados agora de progressistas.
É difícil ser partidário da liberdade de expressão, pois muitas vezes isso significa defender a divulgação de ideias com as quais não se concorda. E, neste campo, inclusive é preciso ser coerente com essa defesa. Um ponto de coerência, por exemplo, está em se alinhar com a lei vigente no país, que proíbe manifestações de racismo ou de nazismo. Não se pode advogar ideias que são coibidas pela legislação brasileira.
O outro ponto importante dessa discussão é manter a simetria de ideias. Ou seja, o que vale para um lado também possui validade para o outro. Muitos dos que se dizem defensores da liberdade de expressão, hoje, são os mesmos que festejam, por exemplo, a proibição de determinados livros nas escolas. Aqui, então, é preciso manter a coerência: se estamos pregando liberdades individuais, isso vale para todos os quadrantes deste debate, exceto por aqueles campos proibidos por lei.
Voltando ao Washington Post. Phil Graham, publisher do jornal entre 1946 e 1963, dizia que “as notícias eram o primeiro rascunho da história”. Lembremos que a narrativa histórica, no entanto, pode ser editada por quem vence guerras, eleições e conflitos. Se as orientações de Jeff Bezos ganharem primazia sobre as páginas que imprimem todo o conteúdo do Post, sem buscar o equilíbrio e a imparcialidade, poderemos ter um fenômeno interessante – o rascunho diário sofrendo edições e interferências antes mesmo da versão final que estará nos livros históricos.