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A parcialidade que está dentro de nós

A escritora Anais Nin, em 1961, escreveu o livro “A Sedução do Minotauro”. E, nesta obra, está uma frase que reflete bastante o clima de polarização que ainda vivemos neste ano de 2024: “Não vemos as coisas como elas são, mas como nós somos”. A própria Anais, no entanto, afirma que essa frase foi pinçada do Tratado Brachot, um dos livros que explicam as leis judaicas.

O ano de 1961 foi marcado pelo acirramento da Guerra Fria: foi o ano em que os Estados Unidos romperam laços diplomáticos com Cuba e o muro de Berlim foi erguido. O embate ideológico, assim como ocorre hoje, contaminou o campo das ciências – em particular, a corrida espacial. Dessa forma, russo Yuri Gagarin foi o primeiro homem a conhecer o espaço em 12 de abril daquele ano. Dias depois, em 5 de março, foi a vez de Alan Shepard ver as estrelas de perto. Mas os russos levaram vantagem nessa: Gagárin fez um voo orbital por 108 minutos. Já Sheperd ficou no espaço em uma rota suborbital por 15 minutos.

Anais Nin (imagem) pode ter sido contaminada por este antagonismo ao utilizar a frase em seu livro. Mas, mesmo assim, a rivalidade capitalismo-comunismo da década de 1960 era bem mais simples do que a polarização de hoje. Naquele tempo, o Bem e o Mal se confrontavam apenas no terreno político e dificilmente ultrapassavam as fronteiras do conhecimento científico.

Hoje, no entanto, tudo é motivo para uma discussão ideológica, de temas ligados ao comportamento a questões meramente técnicas. Dificilmente, naquela época, veríamos conservadores questionando a eficácia de vacinas, utilizando fundamentos vindos de teorias da conspiração.

Hoje, tudo é motivo de questionamento – e boa parte deste processo vem da desinformação. Curiosamente, nunca tivemos tanto acesso ao conhecimento. Tudo, absolutamente tudo, pode ser pesquisado em questão de segundos. Mas, por razões que talvez apenas Sigmund Freud possa explicar, as fake news viajam pelas redes sociais em uma velocidade seis vezes maior que a verdade.

O segredo de tudo está no engajamento. Uma mentira bem contada é abraçada rapidamente e com força por um enorme contingente, desde que tenha a ver com o arcabouço ideológico dessas pessoas.

E onde está a raiz deste comportamento? Naquela frase popularizada por Anais Nin. Quando ela afirmou que “não vemos as coisas como elas são, mas como nós somos” mostrou a verdadeira face da parcialidade humana. Nós não queremos, no fundo, debater ou colocar nossas ideias em xeque. Pelo contrário. Queremos adesão e aplausos. Seguidores. E engajamento.

Para piorar tudo, o algoritmo das redes sociais nos afasta de quem pensa diferente e nos junta a quem pensa como nós. No final, acabamos circunscritos em panelas virtuais, convivendo com gente que tem os mesmos pensamentos. De tempos em tempos, esses mundos colidem (em períodos eleitorais, com uma frequência assustadora) e produzem faíscas sob a forma de lacrações.

Talvez, em algum momento, possamos reduzir a polarização que nos cerca. Mas, para isso, precisamos nos debruçar primeiro sobre essas palavras talmúdicas utilizadas por Anais Nin. Sem saber o que está dentro de nós (que distorce a nossa visão da realidade), não conseguiremos ter um debate de alto nível com nossos oponentes ideológicos – ou ainda respeitá-los o bastante para não cair na armadilha fácil da lacração.

É uma tarefa simples? Não. Longe disso. Mas, sem autoconhecimento, não há como construir os alicerces de nossas ideias – e buscar o diálogo com aqueles que estão encastelados em posições opostas às nossas.

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Comentários

Uma resposta

  1. Mais um oportuno, importante e necessário artigo, Aluizio. Nada mais momentoso. Nestes tempos de negacionismo, confesso minha própria incapacidade de, às vezes, ler determinadas notícias com “isenção de ânimo”. Hoje em dia temos visto e ouvido coisas tão absurdas e surrealistas que, realmente, fica difícil. Mas, tomara Deus, que, assim como já aconteceu em outros períodos da Humanidade, saiamos das trevas e se faça luz.

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