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A saúde social e os dois tipos de calorias vazias

Há alguns dias, uma palestra no evento “South By Southwest” provocou uma série de artigos sobre saúde social. A psicóloga Kasley Killam, mestra em saúde pública, disse que uma vida saudável extrapola os limites físicos e mentais, passando também pelo nível das conexões humanas. Neste sentido, a falta de relacionamentos significativos tem impacto na longevidade e na imunidade dos seres humanos.

Isso não é exatamente uma novidade. Quem assistiu o documentário “Como Viver até os 100 – Os Segredos das zonas azuis”, veiculado em 2023 na Netflix, já sabia que esse tema era um dos fatores de vida longa nas cinco “blue zones”: Okinawa (Japão); Sardenha (Itália); Península de Nicoya (Costa Rica); Ikaria (Grécia) e Loma Linda (Califórnia, nos Estados Unidos).

Mas um aspecto levantado por Killiam merece ser debatido e expandido. Ela defende que as redes sociais são como calorias vazias (alimentos que têm poucos nutrientes e oferecem apenas energia ao nosso corpo). Ou seja, nos colocam em contato com pessoas, mas não há relacionamento de fato. Trata-se de uma ótima definição para o mundo digital, no qual todos parecem exercer um papel de destaque, embora alguns apenas sejam “voyers” da vida alheia. No frigir dos ovos, não há amizade ou troca entre a maioria das pessoas que habita este universo. É como se estivéssemos vendo um reality show contínuo e fragmentado entre inúmeros participantes.

Mas o problema apontado pela psicóloga americana é um pouco mais amplo: vivemos, no mundo real, relacionamentos que nos oferecem calorias vazias. E, muitas vezes, agimos da mesma forma com os outros.

Quando pessoas de carne e osso se conhecem, há aspectos emocionais e sutis que interferem nessa conexão. Há pessoas que espontaneamente não simpatizam com outras; por outro lado, temos quem perceba uma sintonia forte com o interlocutor; ou aqueles que mantêm a polidez, mas preferem uma distância fria e regulamentar em uma conversa com quem acabou de conhecer.

Admito que não estou entre as pessoas sociáveis do Planeta Terra. Não sou exatamente tímido, mas respeito (talvez exageradamente) o espaço alheio. Portanto, em uma fila, eu dificilmente serei aquele que vai puxar um assunto com o vizinho.

Mas, ultimamente, estou refletindo sobre me transformar em alguém mais sociável. Cheguei a uma fase da minha vida em que minha curiosidade e fome por novos assuntos está aumentado a passos largos. Passo boa parte do meu tempo lendo ou escrevendo. Mas não me sinto satisfeito com minhas descobertas atuais – ou com as próprias opiniões sobre os temas sobre os quais eu leio.

Percebi que, a essa altura do campeonato, me faz falta conversar, discutir e debater. Ouvir a opinião alheia – de preferência, aquele raciocínio imprevisível, que chacoalha o cérebro e estimula novas ideias. Mas, para isso, é preciso, muitas vezes, ter de enfrentar algumas intempéries para ter acesso a interlocutores inteligentes.

Muitas vezes, alimentos que oferecem calorias vazias são gostosos – e os nutritivos não são apetitosos. Com pessoas, pode ocorrer a mesma coisa. Alguns indivíduos inteligentes e que nos oferecem trocas maravilhosas são difíceis de conviver. Em compensação, há aqueles que se expressam com galhardia e vivacidade, com o dom da narrativa. São como pratos criativos, apetitosos e saudáveis.

Percebi que ultimamente venho dando preferência aos sábios carismáticos. Mas talvez isso não seja suficiente. Preciso buscar também as ideias daqueles que são vistos como ranzinzas, arrogantes ou tímidos em excesso. Nessas pessoas podem estar uma sabedoria que raramente vê a luz do dia e precisa ser oxigenada pelo diálogo. É muito bom se sentir curioso com a minha idade. E estar disposto a estar numa cruzada contínua de novas ideias.

Isso será um sintoma de saúde social?

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Comentários

Uma resposta

  1. Hahahahaha que matéria saborosa, caro Aluízio!! Maravilhosa!! Adorei!! Como dizia um dos jargões de um dos personagens de Jô Soares: “tirou daqui, ó!! Eu sempre tive, mas com o avanço da idade está aumentando, “curiosidade”. Adoro ouvir as histórias de pessoas comuns (eu tinha, inclusive, uma ideia de um programa de TV, que, acabei não colocando em prática), conversar com pessoas, as mais diversas. Do “porteiro ao proprietário da cobertura”. Eu gosto do “ser humano”. Cada um com seu rico universo, independente de classe social, raça, sexo, idade. É sempre bem mais interessante, surpreendente, do que a informação rasa ou vazia das redes. Até os “calls” com imagem, são menos interessantes que a experiência “ao vivo”. Temos percebido e discutido isso, no nosso próprio estúdio. Estamos voltando, pouco a pouco, do “home office”, para o presencial, porque este nos “alimenta” mais. Em todos os sentidos.
    Apenas, confesso, Aluízio, em alguns casos, tenho preferido “ficar só”. Minha “sede”, minha curiosidade, como vc bem diz em seu texto, vai até um limite. Gente que pensa diferente, que coloca em cheque minhas convicções, crenças, ok. Gente medíocre, pobre de espírito, vazia, tô fora! Daí adoto aquele dito popular: “melhor só do que mal acompanhado”.

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