Depois que acabou a obrigatoriedade, muitos estranharam sair de casa sem nenhuma proteção
Estamos usando máscaras faciais durante dois anos em ambientes abertos e fechados. Neste intervalo de tempo, nos acostumamos ao ritual de colocar a proteção ao sair de casa ou do carro – e sempre checar se estávamos munidos desse acessório a qualquer momento. Desde a semana passada, no entanto, o governo de São Paulo decretou que este apetrecho não seria mais obrigatório em ambientes fechados ou abertos (com as exceções de praxe, como no transporte público).
No mesmo dia em que a obrigatoriedade foi relaxada, confesso que não segui a orientação do governo. Entrei nos elevadores usando máscaras e me desloquei dessa forma. Somente no dia seguinte, depois de ler circulares dos prédios onde moro e trabalho (abolindo a máscara em áreas comuns, como elevadores), é que aposentei o uso. Mas, devo admitir, ainda carrego um pacotinho com esses acessórios na mochila.
Me senti estranho ao transitar sem proteção facial. Uma emoção esquisita, pois misturava sentimentos. De um lado, o alívio de respirar sem contenção. De outro, a sensação de estar nu diante de todos.
Reações faciais
Percebi, então, que nesses dois anos de pandemia, não precisava controlar minhas reações faciais diante dos acontecimentos – a máscara se encarregava de proteger facilmente o que eu sentia. Os outros teriam que ler apenas as minhas sobrancelhas e meus olhos para tentar adivinhar o que estava sentindo e isso é uma habilidade restrita a poucos. Agora, sem um anteparo facial, fica muito mais fácil entender o que se passa na cabeça dos outros, pois a manifestação física de nossos rostos revelam mais que nossas palavras.
Isso pode trazer alguns problemas nessa fase inicial, mas as pessoas vão se readaptar rapidamente ao expediente de controlar os músculos da face para disfarçar o que estão sentindo no momento.
Andando pela cidade neste final de semana, porém, percebi que um número razoável de indivíduos ainda usava máscaras ao andar nas ruas – ou em certos ambientes fechados. Ou seja, o governo estadual pode ter relaxado suas regras, mas isso não quer dizer que todos tenham baixado a guarda em relação à Covid-19.
Pela primeira vez na vida da maioria esmagadora das pessoas (tirando uma parcela da população oriental), o uso desta proteção foi obrigatório. Para alguns, no entanto, a máscara foi mais que uma ferramenta de proteção. Foi um símbolo de que o perigo estava no ar, zanzando entre nós em invisíveis partículas de saliva.
A pandemia pode ter arrefecido, mas o coronavírus não foi erradicado e ainda circula entre nós. Temos ainda uma média diária alta de mortos, agora em torno de 300 casos. Isso quer dizer que, ao final de um mês, cerca de 9 000 pessoas terão perdido a vida por conta da Covid-19. Embora cada óbito seja lamentado, esses números mostram uma retração. Em 6 de abril de 2021, por exemplo, essa média era superior a 4 000 falecimentos.
Portanto, há boas perspectivas, criadas pela imunização das pessoas – a maioria delas protegida pela vacina. Mas ainda temos desafios pela frente. Muitos brasileiros não querem se vacinar e estão sujeitos à contaminação. Esses cidadãos estarão circulando sem proteção alguma e correm o risco de se tornares novos vetores de contágio.
Programa piloto
Talvez o ideal fosse pensar em algum programa piloto – utilizar uma cidade média para medir os resultados que pudessem ser medidos com a abolição da obrigatoriedade de máscaras. Mas, como escolher um município entre tantos? Seria uma escolha arbitrária, que poderia causar protestos e descontentamentos. Como estamos em um ano eleitoral, nenhuma autoridade se arriscaria a desagradar seus eleitores.
As novas regras, goste-se ou não, estão aí. Muitos vão continuar usando máscaras, seguindo o exemplo do que já ocorre há muito tempo nos países do Oriente. É importante respeitar essa decisão e evitar barracos por conta disso. Estamos em uma democracia e o cuidado excessivo dos outros não fere a liberdade de ninguém. Essa pandemia castigou a todos – e ceifou a vida de muitos, provocando cicatrizes em inúmeras famílias. Vamos respeitar essa dor e a decisão individual de cada um, sem fazer um cavalo de batalha sobre esse assunto. Precisamos curar nossas feridas e recuperar o terreno perdido que nos foi roubado pela Covid-19.