Muitas pessoas de minha geração costumam relativizar o racismo e apontar as reclamações de vítimas do preconceito racial como manifestações de mimimi. Muitos destes indivíduos, porém, se mostraram indignados ao longo do dia de ontem após a divulgação de um vídeo no qual uma brasileira era destratada por uma portuguesa no aeroporto do Porto. “Sou portuguesa de raça! Você, que é brasileira, volta pra sua terra!”, gritou a mulher.
Xenofobia e racismo são comportamentos que andam de mãos dadas. Aliás, o Superior Tribunal de Justiça, desde dezembro de 2022, equiparou a pena que pode ser dada a xenófobos à punição destinada aos racistas.
Há vários níveis de racismo entre os brasileiros, vivendo inclusive dentro daqueles que lutam contra o preconceito. Não experimentamos um cenário semelhante ao dos Estados Unidos, no qual existe um confronto racial explícito, mas não podemos negar a existência dessa situação entre nós.
O episódio ocorrido no aeroporto, porém, chocou a todos os brasileiros, incluindo os racistas de plantão e aqueles que, por exemplo, desprezam nordestinos. Quando essas pessoas viram uma mulher branca, que fala a mesma língua que nós, destilando um ódio incontrolável apenas porque a interlocutora nasceu do outro lado do Atlântico, ficaram perplexas e até revoltadas. Pois este sentimento, que mistura indignação, revolta e surpresa, é aquele vivido por pessoas que sofrem preconceito racial.
A empatia, essa capacidade de sentir o que os outros experimentam em seus corações, é algo que está em falta em nossa sociedade. Sem ela, nos tornamos cada vez mais intolerantes – ou refratários ao que incomoda um grupo que não é o nosso. A atitude condenável da portuguesa xenófoba, neste cenário, tem um efeito colateral: mostrar a quem é indiferente ao racismo o quão desprezível este comportamento é e o quanto ele precisa ser combatido.
Infelizmente, no Brasil, o tema foi também politizado e polarizado. O combate ao racismo virou uma bandeira da Esquerda, quando na verdade deveria ser de todos nós, independente de posições políticas. Neste caso, é bom lembrar que a Guerra da Secessão americana, entre Norte e Sul dos Estados Unidos, foi provocada pela escravidão, contrapondo quem era a favor e contra. Ocorre que o Norte era majoritariamente republicano e o Sul, democrata. Em última análise, quem defendeu a manutenção dos escravizados no Século 19 foi o núcleo político democrata, hoje visto à esquerda dentro do espectro ideológico americano. Isso mostra que orientação política não deveria ter a ver com esse assunto, um tema que necessita ser abraçado e debatido por todos nós.
A baixaria ocorrida no Porto me fez lembrar um episódio da série Jornada nas Estrelas, que contou com a participação dos atores Lou Antonio e Frank Gorshin (conhecido pelos meus contemporâneos como o “Charada”, do seriado “Batman”). Antonio é Lokai, um fugitivo que pede abrigo na nave Enterprise, comandada pelo Capitão James Kirk e seu segundo oficial, Comandante Spock. Lokai é seguido pelo Comissário Bele, que deseja prendê-lo. Os dois humanoides têm uma configuração de pele diferente da dos terráqueos: eles são brancos em uma metade do corpo e pretos de outro.
Durante boa parte da trama, os dois vivem às turras e Bele destila muito preconceito em relação ao fugitivo. Até que temos a seguinte cena:
Bele: É óbvio até para os mais simplórios que Lokai é de uma raça inferior.
Spock: A evidência visual óbvia, Comissário, é a de que vocês dois são da mesma raça.
Bele: Você é cego, Comandante Spock? Olhe para mim! Olhe para mim!
Kirk: Você é preto de um lado e branco do outro.
Bele: Eu sou preto do lado direito!
Kirk: Eu não vejo diferença significativa.
Bele: Lokai é branco do lado direito. Todo o seu povo é branco do lado direito.
A maioria esmagadora dos telespectadores da série só percebe neste momento a diferença entre os tons de pele dos personagens. E talvez se questione (pelo menos por um momento) de onde é que veio o preconceito racial que existe em nossa sociedade. Vamos aproveitar o vídeo com a portuguesa xenófoba e também questionar os nossos próprios conceitos. Se fizermos isso, o nosso futuro como sociedade será melhor.