Confesso que não queria escrever sobre a demissão do jornalista Alexandre Garcia da rede CNN. Fico desconfortável ao falar de colegas de profissão e, por isso, havia deixado esse assunto de lado – embora tivesse visto o quanto o tema agitou as redes sociais. Ontem, no entanto, li que até o presidente Jair Bolsonaro entrou na discussão. Resultado: resolvi também dar alguns pitacos. “Assistimos na semana passado algo estarrecedor. Uma grande rede de televisão, num quadro conhecido como “Liberdade de Opinião”, um famoso jornalista foi demitido justamente por dar sua opinião. Não tem coisa mais absurda do que isso. Para onde estamos caminhando?”, declarou Bolsonaro.
O presidente toca num ponto interessante. Não deixa de ser uma ironia o fato de o quadro estrelado por Garcia ter justamente a alcunha de “liberdade de opinião”. Assim, se o jornalista foi desligado por proferir ideias nas quais acreditava, o nome do quadro estava – para dizer o mínimo – errado. É contestável dar uma opinião que contraria o que diz a ciência? Teoricamente sim. Mas o caso levanta outras questões além dessa.
Uma delas é: houve censura?
Em tese, existe censura quando algum órgão público impede a imprensa de divulgar determinadas notícias. Não foi o que ocorreu aqui. Uma empresa particular não concordou com opinião de seu colaborador e determinou que ele fosse demitido. A programação é dela e, por isso, pode fazer o que quiser e bem entender – desde que cumpra as regras básicas divulgadas pelo Ministério das Comunicações.
Se não houve censura, a demissão foi justa? Segundo o que se comenta no mercado jornalístico (e que talvez não seja fidedigno), Garcia foi notificado seguidas vezes que a emissora não queria elogios ao chamado tratamento precoce da Covid-19, pois tal prática não era reconhecida pela Anvisa. Mesmo assim, insistiu em fazer tais comentários.
Vamos imaginar, a título de argumentação, uma situação diferente de desobediência editorial. Em Money Report, nos pautamos por três pilares: Agenda Liberal, Estado de Direito e a Democracia. Suponha, então, que um de nossos editores ou articulistas (sabendo de nossa orientação) resolva elogiar, em transmissões ao vivo, o regime de Josef Stálin – algo que fere diretamente os três princípios de nossa redação. O que deveríamos fazer?
Continuemos o nosso exercício: e se proferíssemos uma advertência ao comentarista seguida de um pedido para que esse tipo de conceito não fosse mais defendido no ar? Mas, em seguida, este articulista continuasse a manifestar uma opinião contrária à orientação da chefia. Imagine agora isso em sua empresa. Um profissional desobedecendo propositadamente ordens superiores. O que a diretoria dessa companhia faria?
Diante disso, pode-se citar a máxima utilizada pelo ex-ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, em uma conversa pública com o presidente Bolsonaro: “Manda quem pode e obedece quem tem juízo”. Dessa forma, conclui-se que o jornalista não quis seguir as ordens da chefia e a ele foi mostrada a porta da rua.
Alexandre Garcia é um dos poucos jornalistas conservadores que têm espaço na imprensa. Pode-se não gostar de suas ideias ou mesmo de seu alinhamento com o presidente Jair Bolsonaro. Mas ele é responsável por um dos quadros mais divertidos do jornalismo político no Brasil – “O Humor Por Trás da Notícia”, que foi ao ar aos domingos no Fantástico de 1988 a 1994. Em poucos minutos, Garcia costurava alguns fatos da semana com um texto ferino, utilizando imagens inusitadas colhidas em entrevistas feitas pela TV Globo (muitas delas coletivas) de segunda a sexta-feira.
Um exemplo: durante o governo José Sarney, discutiu-se muito o rombo da Previdência Social. Num dos programas, Garcia mostrou a imagem da canela do ministro Raphael de Almeida Magalhães, que estava sentado de pernas cruzadas em meio a uma reunião oficial. O close mostrava um furo portentoso em uma das meias. A cena foi narrada da seguinte forma pelo jornalista: “O rombo da previdência é o calcanhar de Aquiles do ministro Raphael de Almeida Magalhães”.
Curiosamente, não é a primeira vez que Garcia foi desligado de um cargo importante por fazer algo contra a orientação de seus superiores. Durante o governo João Figueiredo, em plena ditadura militar, ele era porta-voz e subsecretário de imprensa, sob a chefia do ministro Said Farhat. Resolveu dar uma entrevista à revista masculina “Ele & Ela”, para a qual posou para uma fotografia com o torso nu e deitado em sua cama. A matéria passou despercebida no Planalto, até que a revista Veja fez uma reportagem falando sobre eventuais escaramuças entre Garcia e Farhat, reproduzindo a entrevista da “Ele & Ela”.
Quando Figueiredo leu o texto, ficou furioso, assim como o ministro. Resultado: Garcia foi demitido. A parte da entrevista que mais incomodou seus chefes foi a seguinte: “Já vivi o sexo tabu e o sexo selvagem; agora, vivo o sexo natural”.
Respostas de 3
Indiferente
Sou totalmente contra. CNN perdeu toda credibilidade.
A favor, ele afirma, não emite opiniões.