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As desculpas fracas do Carrefour — e o protecionismo francês

O presidente mundial do Carrefour, Alexandre Bompard (imagem), criou uma confusão poucas vezes vista no mundo empresarial ao abraçar o lobby dos agricultores franceses e dizer que a empresa, na França, não iria mais comprar carne oriunda do Mercosul alegando que o produto não respeitava “exigências e padrões” da União Europeia.

O que se seguiu foi um Deus nos acuda, com os produtores brasileiros em massa prometendo um boicote à rede de supermercados no Brasil. O caso foi crescendo até que Bompard enviou ontem uma carta ao ministro da Agricultura do Brasil, Carlos Fávaro, na qual tentou botar panos quentes na situação.

O texto vai do nada ao lugar nenhum, pois ressalta que tudo continuará como antes. Mas talvez tenha sido a única saída possível, uma vez que o Carrefour precisa se equilibrar entre continuar a apoiar os agricultores franceses e preservar o relacionamento de sua filial brasileira com a comunidade pecuária local.

Trata-se de uma tarefa inglória. Especialmente porque o Carrefour no Brasil responde por 40% do Ebitda mundial do grupo. Quando pensamos neste número, fica muito difícil entender as razões que levaram Bompard a postar o comunicado sobre a carne brasileira na semana passada.

É bem possível que a crise seja contornada após a carta do CEO a Fávaro, mas os ânimos continuarão acirrados durante um bom tempo – e a empresa vai precisar de paciência e saliva para convencer os pecuaristas que ainda estão indignados com o episódio.

Vamos a alguns pontos da carta de Bompard:

+ “A decisão do Carrefour França não pretende alterar as regras de um mercado francês já amplamente estruturado em torno das suas cadeias de abastecimento locais. Garante legitimamente aos agricultores franceses, mergulhados numa crise grave, a sustentabilidade do nosso apoio e das nossas compras locais”. A França já comprava uma quantidade ínfima de carne brasileira. Por isso, a demonstração explícita de protecionismo foi desnecessária.

+ “Lamentamos que a nossa comunicação tenha sido entendida como um questionamento da nossa parceria com a agricultura brasileira e uma crítica a ela. Temos orgulho de ser o primeiro parceiro e promotor histórico da agricultura brasileira. Conhecemos melhor do que ninguém os padrões que a carne brasileira atende, sua alta qualidade e seu sabor. Se a comunicação do Carrefour França gerou confusão e pode ter sido interpretada como questionamento de nossa parceria com a agricultura brasileira e como uma crítica a ela, pedimos desculpas”. Aqui está o que muitos esperavam: o tal pedido de desculpas, embora bastante sutil.

+ Mas o texto da semana passada dizia exatamente o contrário. Lembremos: “Em toda a França, ouvimos a confusão e a raiva dos agricultores em relação ao projeto de acordo de livre comércio entre a União Europeia e o Mercosul e ao risco de transbordar no mercado francês de uma produção de carne que não respeita suas exigências e padrões. É fazendo um bloqueio que podemos tranquilizar os produtores franceses. No Carrefour, estamos prontos para isso”.

+ “Continuaremos a promover os setores agrícolas brasileiros como temos feito no Brasil há quase 50 anos. Através do nosso desenvolvimento, contribuímos para o desenvolvimento dos produtores agrícolas brasileiros, numa lógica que sempre foi a da parceria construtiva”. Esse é o momento “deixa disso” da carta, estendendo a mão aos pecuaristas brasileiros e tentando reconstruir um diálogo.

Aquele cuja mão bate esquece rapidamente um conflito e geralmente economiza nos pedidos de perdão. Os que recebem pancadas, no entanto, guardam mágoa e desejam súplicas veementes de escusas. É exatamente o que vemos neste caso. O Carrefour ofereceu uma remissão discreta de culpa, enquanto os produtores brasileiros ainda estão ressentidos.

O Carrefour só fez essa presepada por conta do lobby em torno do protecionismo francês — algo tão poderoso que fez unir a direita e a esquerda durante uma sessão, ontem, no parlamento francês. Quer um exemplo? Vamos usar dois. O deputado de direita, Vincent Trebuchet, disse o seguinte: “”Nossos agricultores não querem morrer e nossos pratos não são latas de lixo”. Já o parlamentar socialista Dominique Potier fustigou: “Todos os estudos feitos sobre os pesticidas mostram que nada é respeitado [no Mercosul]”. Essa ladainha durou um bom tempo, repetida por esquerdistas, centristas e direitistas.

Diante deste episódio, tiramos uma lição. Aliás, duas. Se quisermos acabar com a polarização política na França, é só apelar para um denominador comum entre esquerda, centro e direita — o protecionismo sem limites. Diante da defesa de seus produtos, os políticos franceses imediatamente esquecem as diferenças ideológicas, dão as mãos e cantam juntos a Marselhesa. Liberdade, igualdade e fraternidade são direitos que, pelo jeito, só podem ser exercidos pelos cidadãos franceses. Para nós, do Mercosul, o que vale mesmo é a submissão, a desigualdade e a animosidade.

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