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Bill Gates antes do sucesso – e com detalhes em demasia

A dupla sueca Roxette, em 1995, lançou uma coletânea de sucessos com um título sugestivo: “Don’t Get Us Bored, Get to the Chorus” (“Não nos deixe entendiados, vá direto para o refrão”). Trata-se de uma definição perfeita de música pop: tudo gira em torno de um estribilho bom de repetir e com melodia fácil. No fundo, o que todo mundo quer, desde os primeiros acordes de uma música, é ouvir o refrão – tudo o mais, portanto, é secundário.

O título dessa compilação do grupo Roxette sempre me vem à cabeça quando eu leio alguma autobiografia. Quase todos os autores do gênero contam sua trajetória de maneira linear, começando pelos pais e por sua infância, seguida da adolescência e início da juventude. Muitas vezes, nesses trechos, me pego pensando: “Mas o que isso tem de interessante?”.

Ocorre que os primeiros anos de vida, para qualquer pessoa, são mágicos. Mas a sua importância não necessariamente é vista assim pelos outros. Histórias da minha infância podem deixar os outros entediados, especialmente se eu exagerar no timing de narração.

Por isso, minha implicância surge com força ao ler os primeiros capítulos de qualquer autobiografia. Além disso, a memória prega truques. Costumamos idealizar certas passagens e mudá-las involuntariamente, vendo motivos racionais onde havia apenas espontaneidade ou encontrando explicações para nosso comportamento que simplesmente conflitam com a realidade.

Quando bati o olho em “Código Fonte”, de Bill Gates, cuja capa apresenta o próprio aos seis ou sete anos, percebi que o livro inteiro seria sobre o fundador da Microsoft antes de se tornar um dos homens mais importantes e ricos do mundo. A narrativa começa, é claro, com uma breve introdução sobre a família do autor e termina nos primeiros momentos da fundação de sua companhia, quando ele ainda era um empreendedor iniciante.

O texto acaba antes de mostrar o processo que transformou a Microsoft em uma potência mundial e Gates em um dos maiores filantropos do planeta – o verdadeiro interesse de dez entre dez leitores.

O livro mostra os pilares sobre os quais a personalidade de Bill Gates foi construída e como ele se moldou como empresário. Mas essas mensagens estão perdidas em meio a uma profusão de detalhes que podem ter muita importância para o autor, mas são desinteressantes em sua maioria. Ele se recorda, por exemplo, do nome da bibliotecária que o atendia no ensino fundamental, o número de seu apartamento quando foi morar em Albuquerque e a marca de cigarros fumada pelo diretor do laboratório de informática na universidade de Harvard. Isso vai mudar a vida de alguém?

Mesmo assim, há alguns pontos que são curiosos: seu apelido de família é Trey e, quando criança, ficou obcecado em vencer sua avô no carteado. Quando adolescente, era o palhaço da classe e um jovem sarcástico e rebelde. Ele questionou, quando aluno, o método de avaliação de sua escola, que combinava letras de acordo com a acurácia do conteúdo (A, B, C, D e E) e números, que representavam o esforço empreendido (1 = muito esforço, 2 = esforço médio, 3 = esforço nenhum). A nota ideal, assim, seria A1. Mas Gates achava que deveria ser A3 – aquele que obtivesse o melhor resultado com o menor esforço é quem deveria ser recompensado.

Por fim, vê-se como a programação de software foi (ou ainda é) algo importantíssimo para ele. Neste aspecto, esse livro lembra muito a autobiografia de Jack Welch, o CEO que revolucionou a GE. Engenheiro químico de formação, Welch gasta muito tempo de seu livro falando de sua experiência na área de plásticos do grupo – só que os leitores desejam mesmo é saber sobre sua experiência como comandante do conglomerado, o que demora muito para aparecer na publicação.

Apesar de minhas ressalvas em relação aos “early years” de Bill Gates, gostei do livro – embora pudesse desfrutar mais da leitura se a publicação fosse mais resumida. Já estive rapidamente com Gates e vendi com sucesso uma ideia a ele (essa história está aqui: https://www.moneyreport.com.br/inovacao/o-fim-do-internet-explorer-que-motivou-meu-encontro-com-bill-gates/) . Foi interessante juntar aquele jovem do livro à figura que tive a oportunidade de conhecer.

Se você não tiver nenhum programa para este final de semana, deixe os meus queixumes de lado e aproveite a leitura. Apesar dos detalhes em demasia, vale a pena conhecer esse código fonte.

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