É difícil acreditar que o ex-chanceler Celso Amorim tenha cursado o Instituto Rio Branco e tenha comandado a política internacional do país em duas ocasiões (durante o governo de Itamar Franco e o primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva). Atuando como assessor especial da presidência para assuntos internacionais, Amorim exerce enorme influência junto a Lula e é o mentor intelectual das declarações recentes de nosso mandatário sobre a guerra entre Israel e Hamas.
Lula, assim como foi Jair Bolsonaro, é um presidente que prefere se informar através de conversas do que pela leitura. Muito inteligente e intuitivo, o presidente grava tudo o que ouve e elabora seus raciocínios através deste processo. O problema, neste caso, é que sua visão está sempre sujeita ao filtro de quem está próximo – e Amorim é uma dessas pessoas.
Uma boa parte dos manifestantes que foi ontem à Avenida Paulista, em evento organizado por Silas Malafaia e estrelado por Bolsonaro, marcou presença para protestar contra a posição do governo em relação a Israel. Vamos pular a discussão sobre se tinha muita gente ou não no ato público (mas, aparentemente, havia uma multidão gigantesca). O que podemos dizer com certeza é que muitos dos manifestantes estiveram lá mais para se posicionar contra Lula do que prestar solidariedade a Bolsonaro.
Como tudo que acontece no cenário político do momento, as discussões sobre Israel e Hamas foram contaminadas pela polarização. A Esquerda abraçou a narrativa do Hamas, que colocou o povo palestino como uma vítima dos israelenses. Em uma entrevista publicada pela Folha de S. Paulo, Celso Amorim deu uma pista de onde está a verdadeira motivação do governo em condenar as ações de Benjamin Netanyahu. “Não podemos apagar uma aliança estranha que existe entre o governo de Israel e a extrema direita brasileira”, afirmou o ex-chanceler.
Trata-se de uma simplificação perigosa. Ou seja, para Amorim, o amigo do seu inimigo também é seu oponente. Em termos de política externa, um raciocínio deste é bastante perigoso, pois vai colocar o Brasil, em última análise, como um aliado incondicional da Rússia e da China, em oposição aos Estados Unidos e restante da Europa. Ocorre que no passado, seja na ditadura, seja na democracia, a diplomacia brasileira destacou-se pela neutralidade e pelo pragmatismo (leia-se: interesses comerciais). Desde 2023, no entanto, estamos presenciando uma série de bazófias que servem apenas para alimentar o ego dos ideólogos esquerdistas. Há algum lucro neste tipo de abordagem para o Brasil?
Nos jogos diplomáticos, o uso das palavras é algo importantíssimo – e a escolha de determinadas frases pode ou não desencadear crises internacionais. O confronto entre Lula e Netanyahu é um exemplo típico. Lula usou a palavra genocídio e citou Hitler para definir o que estava ocorrendo na faixa de Gaza. O termo “genocídio” foi cunhado pela primeira vez em 1944, pelo advogado Raphael Lemkin. Judeu polonês, ele criou um neologismo ao unir uma palavra grega que significa tribo (genos) com um termo do Latim (cide) que significa “matar”. Ao citar o algoz do Holocausto e utilizar uma palavra que foi criada para definir a matança que ocorreu na Segunda Guerra Mundial, Lula (turbinado por Amorim) explodiu uma bomba de emoções que atingiu judeus e apoiadores de Israel.
No fundo, o Hamas sabia que ao deflagar uma onda de ataques terroristas selvagens iria provocar uma resposta agressiva de Israel, que resultaria na morte de inocentes (uma vez que a população palestina é utilizada como escudo humano pela organização terrorista). A intenção era colocar lideranças políticas contra os israelenses, uma isca que foi mordida por pouquíssimos nomes de projeção mundial. Lula faz parte dessa minoria.
Além disso, o presidente quer ser uma espécie de líder informal dos países de Terceiro Mundo, especialmente os da América Latina e da África. Para se viabilizar neste sentido, embarcou com afinco na narrativa anti-Israel.
A Esquerda, de maneira geral, é crítica em relação a Israel, mas bastante flexível com o Hamas. No caso de Amorim, isso também parece acontecer, embora ele reconheça a gravidade dos ataques perpetrados pelos terroristas em solo israelense. “Por causa do atentado terrorista, que nós condenamos obviamente – porque houve morte de civis, adolescentes, uma coisa bárbara, ninguém vai passar pano para isso – tomou uma proporção maior”, afirmou.
Enquanto Lula e Amorim brincam de líderes estudantis da terceira idade, a Direita vai se reagrupando, utilizando os evangélicos (que se concentram muito na leitura do Velho Testamento, que narra a saga do povo judeu até antes do nascimento de Jesus Cristo) como um pilar importante de apoio. Talvez o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, possa servir de inspiração ao presidente e seu assessor. Contido, discreto e habilidoso ao costurar interesses divergentes, Haddad poderia estar à frente da pasta de Relações Exteriores. Neste caso, ele faria o caminho oposto ao de Fernando Henrique Cardoso, que deixou o cargo de chanceler para ocupar o ministério da Fazenda.
E quem foi o substituto de FHC? Justamente Celso Amorim. Por falar nele, alguém lembra o nome do ministro das Relações Exteriores? Não?
É o embaixador Mauro Vieira, que já ocupou a pasta durante o segundo mandato de Dilma Rousseff. Apesar de ser o titular do ministério que comanda a política internacional do país, seu nome foi — ao contrário do de Amorim — pouco mencionado durante a crise gerada pelas declarações do presidente em relação ao governo israelense.
Isso significa que Amorim é, na prática, o verdadeiro chanceler brasileiro?